18 agosto, 2009

Quatro Parágrafos

Querido Diário:
Procurei no Google Images, como está tornando-se usual, o título da postagem. Achei algumas imagens interessantes, inclusive uma que me pareceu uma estilização em desenho educadíssimo de Olívia Palito. Não era o que eu queria. Aí o que fiz foi selecionar a que agora vemos: não são quatro mas uma lua (um sol?) e seis pedaços de metal. Quatro formam o que poderíamos pensar serem sustentações de alguma abóbada protegendo-nos dos deuses. Há quatro (deuses?) que desejo destacar na postagem de hoje. Trata-se de sequelas da demagogia do Senador Paulo Paim e de outros nefelibatas que pensam que a lua é um queijo, se me não faço chulo. Vejamos quatro manifestações coletadas em Zero Hora de hoje. Três na p.16 e uma na p.35. As três primeiras rezam sobre o problema da indexação das pensões pelo salário mínimo, uma excrescência abominável! O outro, sobre a excrescência que é a má distribuição da renda.

Marcelo Portugal: Dar aumento real para as aposentadorias (acima de um salário mínimo) teria um impacto enorme nas contas da Previdência, principalmente se for retroativo. Em nenhum lugar do mundo os aposentados ganham aumentos acima da inflação. O que se precisa garantir é que quem se aposenta mantenha o poder de compra dando reajustes que acompanhem a inflação.

Meu primeiro comentário é de natureza aritmética: qualquer aumento real ou nominal acima ou abaixo de um salário mínimo tem impacto (e que pode ser até maior do que enorme) sobre as contas, quaisquer que sejam, e não apenas no caso de ser retroativo. Ao contrário, um aumento que vigore 1.000 anos terá impacto muito maior sobre o futuro do que aquele que retroage apenas 500 anos. Segundo: em vários lugares do mundo, aposentados ganham aumentos acima da inflação. Terceiro: que se entristeça Paim, pois o argumento de Portugal está errado, o que lhe contraria a visão de mundo. A não ser no mundo das normas, do "como deve ser" kantiano, é que aposentado deve manter o poder de compra. Por que o aposentado e não o desempregado? Quarto: vale para os três e talvez os quatro, ou seja, você está entendendo: os três economistas, dois que seguem e um jornalista que conclui o quarteto: cui bono? Simples, né?

Flávio Giambiagi: Haveria dificuldade de conciliar a longo prazo a política de recuperação do salário mínimo, a igualdade de reajuste entre o salário mínimo e os demais benefícios e o equilíbrio orçamentário. Em um ano ou outro, pode-se dar a todos os aposentados o mesmo reajuste que o mínimo, mas como política permanente é inviável aumentar todas as aposentadorias no ritmo em que o salário mínimo veio aumentando nos últimos anos.

Sensato, razoável, coerente. Claro que nada impede de duplicar os ganhos do aposentado mesmo que a economia tenha seu PIB real caindo. Cui bono? Neste caso, beneficia-se o aposentado, claro. E quem paga a conta é o não-aposentado, nesta economia de duas classe de rendimentos. O importante é que não devemos em nenhuma hipótese (sob pena de perda de eficiência econômica) associar os ganhos das transferências governamentais aos aposentados, estropiados e outros improdutivos, como os políticos, ao salário mínimo. Ou mudamos a língua vernácula, como já sugeri: teríamos o salário base (renda básica), o salário mínimo (regente da política industrial de indução a ganhos de produtividade) e o salário-aposentadoria que abarca todas as pensões (elemento de harmonia social, buscando nivelar anseios de consumo por parte de todas as classes -produtivas e improdutivas- e todas as idades; por que não alcançar uma grana para os pais dos meninos de rua, via Tesouro?).

Ricardo Franzoi: Justo é. A consequência é que a recuperação do valor do mínimo certameante vai se tornar mais demorada. Antes de ter esta política de recuperação do valor histórido do mínimo, uma das alegações dos governos era que a Previdência não poderia arcar com os custos porque as aposentadorias e pensões estavavam indexadas ao valor. O fim disso possibilitou que o salário mínimo tivesse reajustes acima da inflação.
Dependendo do conceito de justiça com que Franzoi está trabalhando, não posso negar que este aumento painiano mostre-se justo. O ponto interessante é que Franzoi entende que há um divórcio entre a política de elevação do salário mínimo (que induz, digo eu, ganhos de produtividade) e da "Previdência". Não pode indexar! Não pode indexar!

Humberto Trezzi: A miséria nem sempre explica a violência.
Criminoso, mais do que pela pobreza, se forma em função do temperamento e da falta de educação ou convicção de que trabalho dignifica. Mas é necessário reconhecer que a miséria ajuda a alimentar o crime.
Nem a violência sempre explica a miséria. Ouvi dizer que Jango Jorge (d'O Contrabando, de Simões Lopes) espancou um cachorro miserável, só por farra, restando-nos a esperança de que ele fosse rico mesmo. Temperamento ajuda a formar criminoso? Ajuda. Falta de educação também? Também. E convicção de que trabalho dignifica? Já entramos no reino das controvérsias. Qualquer trabalho? Mesmo vender crack a crianças menores de quatro meses de idade? Trabalho alienado? Ao educarmos nossos pimpolhos deveremos sempre cuidar de definir estas coisas, para eles não se pensarem -já na vida adulta- dignificados por, por exemplo, tortura a presos políticos ou afanarem merendas escolares. A miséria ajuda a alimentar o crime, diz ele. E eu concordo. E nem precisamos chegar à miséria. Disse Jango Jorge, de Simões Lopes? E que disse Machado de Assis?

No capítulo V - "O Terror", da novela "O Alienista", há um paragrafinho inicial, segundo-se de um dialoguinho. O segundo parágrafo começa com "Costa era um dos cidadãos...". Mais adiante, podemos conhecer a diferença entre os graus de riqueza: "[...] da opulência à abastança, da abastança à mediania, da mediania à pobreza, da pobreza à miséria [...]." É ou não é uma brilhante aula sobre a distribuição da renda na sociedade? O rapaz dos "Marimbondos de Fogo" está na abastança ou na opulência e Fabiano (agora, Graciliano?) garante estar na miséria. Aquele rasgo de cogitar de assar a Baleia é pensamento de miserável e não de malvado. Somos forçados a concluir que Trezi não sabe a diferença entre onças e mendonças, se me não faço chulo...

A questão que envolve todas as demais questões é: como os ganhos de produtividade da economia serão distribuídos entre os credenciados. Depois devemos definir credenciados. Depois devemos pensar em redistribuições que não precisam ater-se a nenhuma das definições anteriores. "Devemos"? A questão central é quem decide isto. Eu proponho o orçamento público, uma vez que estamos falando de destinação de recursos do Tesouro. Apenas oportunistas é que ficam fazendo emendas à lei do orçamento, com cláusulas vigentes ad aeternum. Oportunistas ou cachaceiros! Ou ambos os quatro.
DdAB

2 comentários:

Anaximandros disse...

Duilio, discordo, mesmo nao sabendo do que, afinal, esse referendo, nao escapa à lógica do ciclo político, o ex-lula quer superar o fhc em tudo, inclusive emplacando até um poste como sucessor, a qualquer preço...Vejamos os próximos capítulos, até na agenda da ministra é ele que "opõe" verbetes. abraços, s.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Anaximandros: insisto! chegou a hora de uma anistia a favor do Brasil. chega de perder tempo com a atual estrutura da sociedade voltada a gerenciar o bem-estar material. as falhas do mercado, estado e comunidade só podem ser corrigidas com um recomeço geral. todos os ladrões serão declarados honestos, o estoque será declarado intocável, mas o fluxo será retomado a partir dos princípios da retidão. imposto direto já!
DdAB