15 dezembro, 2022

É Natal, Fulana!

 

É Natal, é Natal, 

Tudo tão legal.

Mas não é, não,

Mas não é, não

Aquele mito reação.

Pensei que este poema fosse de Carlos Drummond de Andrade. Mas, como diria Lord Byron, but it is not. Na verdade, diz-me a enfermeira do hospital em que me jogaram para as festas natalinas, é meu mesmo. Tê-lo-ia (como dizia o velho Temer), escrito mesmo hoje. Pois foi então que, nesse clima, veio-me à cabeça (felizmente ainda porto uma delas), o poema "O Mito", de Carlos Drummond de Andrade. Creio que a última vez que o li foi em 1972 (ano de minha formatura em economia), portanto há 50 anos, talvez 51, se é que a leitura foi feita em 1o de janeiro. E fim-de-ano em que estamos prestes a nos livrar d'"O Mito", aquele mito que rima com cabrito, achei que o elogio a Fulana pode estar representando o ódio das mulheres ao presidente misógeno.

Usando um velho teorema que aprendi ainda no segundo ano da faculdade (Av. João Pessoa, 52, em Porto Alegre), consegui decorar o poema todo. E agora o recito de cor, com ligeiras correções a referida enfermeira, que portava o livro dos poemas completos do grande poeta que amou Chico Buarque, homenageando-o com o livro "Boitempo", pois Chico falava em "Bom tempo". Vai lá, Drummond:

O Mito (de Carlos Drummond de Andrade, do livro "A Rosa do Povo")

Sequer conheço Fulana
Vejo Fulana tão curto
Fulana jamais me vê
Mas como eu amo Fulana

Amarei mesmo Fulana?
Ou é ilusão de sexo?
Talvez a linha do busto
Da perna, talvez o ombro

Amo Fulana tão forte
Amo Fulana tão dor
Que todo me despedaço
E choro, menino, choro

Mas Fulana vai se rindo
Vejam Fulana dançando
No esporte ele está sozinha
No bar, quão acompanhada

E Fulana diz mistérios
Diz marxismo, rimmel, gás
Fulana me bombardeia
No entanto sequer me vê

E sequer nos compreendemos
É dama de alta fidúcia
Tem latifúndios, iates
Sustenta cinco mil pobres

Menos eu... Que de orgulhoso
Me basto pensando nela
Pensando com unha, plasma
Fúria, gilete, desânimo

Amor tão disparatado
Desbaratado é que é
Nunca a sentei no meu colo
Nem vi pela fechadura

Mas eu sei quanto me custa
Manter esse gelo digno
Essa indiferença gaia
E não gritar: Vem, Fulana!

Como deixar de invadir
Sua casa de mil fechos
E sua veste arrancando
Mostrá-la depois ao povo

Tal como é, ou deve ser
Branca, intacta, neutra, rara
Feita de pedra translúcida
De ausência e ruivos ornatos

Mas como será Fulana
Digamos, no seu banheiro?
Só de pensar em seu corpo
O meu se punge... Pois sim

Porque preciso do corpo
Para mendigar Fulana
Rogar-lhe que pise em mim
Que me maltrate... Assim não

Mas Fulana será gente?
Estará somente em ópera?
Será figura de livros?
Será bicho? Saberei?

Não saberei? Só pegando
Pedindo: Dona, desculpe
O seu vestido esconde algo?
Tem coxas reais? Cintura?

Fulana às vezes existe
Demais: Até me apavora
Vou sozinho pela rua
Eis que Fulana me roça

Olho: Não tem mais Fulana
Povo se rindo de mim
(Na curva do seu sapato
O calcanhar rosa e puro.)

E eu insonte, pervagando
Em ruas de peixe e lágrima
Aos operários: A vistes?
Não, dizem os operários

Aos boiadeiros: A vistes?
Dizem não os boiadeiros
Acaso a vistes, doutores?
Mas eles respondem: Não!

Pois é possível? Pergunto
Aos jornais: Todos calados
Não sabemos se Fulana
Passou. De nada sabemos

E são onze horas da noite
São onze rodas de chope
Onze vezes dei a volta
De minha sede; e Fulana

Talvez dance no cassino
Ou, e será mais provável
Talvez beije no Leblon
Talvez se banhe na Cólquida

Talvez se pinte no espelho
Do táxi; talvez aplauda
Certa peça miserável
Num teatro barroco e louco

Talvez cruze a perna e beba
Talvez corte figurinhas
Talvez fume de piteira
Talvez ria, talvez minta

Esse insuportável riso
De Fulana de mil dentes
(Anúncio de dentifrício)
É faca me escavacando

Me ponho a correr na praia
Venha o mar! Venham cações!
Que o farol me denuncie!
Que a fortaleza me ataque!

Quero morrer sufocado
Quero das mortes a hedionda
Quero voltar repelido
Pela salsugem do largo

Já sem cabeça e sem perna
À porta do apartamento
Para feder: De propósito
Somente para Fulana

E Fulana apelará
Para os frascos de perfume
Abre-os todos: Mas de todos
Eu salto, e ofendo, e sujo

E Fulana correrá
(Nem se cobriu; vai chispando)
Talvez se atire lá do alto
Seu grito é: Socorro! E Deus

Mas não quero nada disso
Para que chatear Fulana?
Pancada na sua nuca
Na minha é que vai doer

E daí não sou criança
Fulana estuda meu rosto
Coitado: De raça branca
Tadinho: Tinha gravata

Já morto, me quererá?
Esconjuro se é necrófila
Fulana é vida, ama as flores
As artérias e as debêntures

Sei que jamais me perdoara
Matar-me para servi-la
Fulana quer homens fortes
Couraçados, invasores

Fulana é toda dinâmica
Tem um motor na barriga
Suas unhas são elétricas
Seus beijos refrigerados

Desinfetados, gravados
Em máquina multilite
Fulana, como é sadia!
Os enfermos somos nós

Sou eu, o poeta precário
Que fez de Fulana um mito
Nutrindo-me de Petrarca
Ronsard, Camões e Capim

Que a sei embebida em leite
Carne, tomate, ginástica
E lhe colo metafísicas
Enigmas, causas primeiras

Mas, se tentasse construir
Outra Fulana que não
Essa de burguês sorriso
E de tão burro esplendor?

Mudo-lhe o nome; recorto-lhe
Um traje de transparência
Já perde a carência humana
E bato-a; de tirar sangue

E lhe dou todas as faces
De meu sonho que especula
E abolimos a cidade
Já sem peso e nitidez

E vadeamos a ciência
Mar de hipóteses. A Lua
Fica sendo nosso esquema
De um território mais justo

E colocamos os dados
De um mundo sem classes e imposto
E nesse mundo instalamos
Os nossos irmãos vingados

E nessa fase gloriosa
De contradições extintas
Eu e Fulana, abrasados
Queremos... Que mais queremos?

E digo a Fulana: Amiga
Afinal nos compreendemos
Já não sofro, já não brilhas
Mas somos a mesma coisa

(Uma coisa tão diversa
Da que pensava que fôssemos.

07 dezembro, 2022

Lance: um conjunto de substitutos

Adoro, agora aos 75, reler alguns autores redescobertos já na maturidade: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo e, naturalmente, Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Ernesto Sábato e James Joyce (e seu "Ulysses"). Em compensação, muito já escrevi no passado em textos de economia a expressão "lance". E até aqui mesmo neste amado blog (tá curios@? procure no motorzinho de busca do canto superior esquerdo). Em ainda mais compensação, não lembro do resto da turma que acabo de referir, mas estou certo de que, volta e meia, o próprio mestre Machado de Assis, aqui e ali, falava em "lance".

Em época de Copa do Mundo, um lance é algo bonito ou até bisonho ocorrido dentro do campo em plena partida. Mas não gosto. E lamento ter escrito. E lamento que ainda venha a voltar a escrever. Mas ofereço no que segue uma sinonímia que nos permitirá evitar falar em lance:

Acontecimento, Aperto, Aspecto, Aventura, Circunstância, 

Conjuntura, Corte, Ensejo, Evento, Fato, Jogada, Recorte, Rasgo, e Vicissitude.

O mundo é belo, a vida até pode ser sublime. E eu preocupado com esse lance..

DdAB

P.S. Às 22h00 do mesmo dia da postagem, fiz correções, reparando um erro escalafobético.

12 novembro, 2022

Nossa Bandeira


 Um dos motes do candidato a presidente da república derrotado na eleição de 30 de outubro de 2022 era: "nossa bandeira jamais será vermelha". Com a significativa derrota, liderada pelo ex-presidente e futuro-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criador de uma frente ampla na busca de democracia e igualitarismo, achei suporte bibliográfico para metermos algum vermelho na bandeira do Brasil. Negando que a bandeira jamais será vermelha, pensei que poderíamos dividir em 50% para cada cor: verde e vermelha.

Conheço bandeiras vermelhas em meia dúzia de clubes Brasil-afora. Um é o Internacional de Porto Alegre. Outro é o América do Rio de Janeiro. Outros tantos haverá nos 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

E qual o embasamento bibliográfico de minhas inspiração para fazer o rascunho da futura bandeira, que não será exclusivamente vermelha? Tá aqui:

FAGUNDES TELLES, Lygia (c.1980) As meninas. São Paulo: Círculo do Livro. Página 246.

Numa nota auto-biográfica, intitulada O AUTOR E SUA OBRA (versais no original), dame Lygia diz:

[...] A cor do meu signo é o vermelho, mas aposto igualmente no verde. Minha bandeira (se tivesse uma) seria metade verde, metade vermelha. Esperança e paixão. Fervor e cólera. Alguns dos meus textos nasceram de uma simples visão, imagem que retive na memória. Ou de uma frase que ouvi. [...] 

Parênteses no original.

Sabemos que o dístico "Ordem e Progresso" não nos deu nem ordem e, muito menos, progresso. Segue-se logicamente que, com o verdacho e o vermelhusco combinam com a corda (vermelha) e a caçamba (verde). Portanto, podemos substituir por "Esperança, paixão, fervor e cólera", não é mesmo?

DdAB

09 novembro, 2022

Prazeres Acima de Tudo

 



Apoiadores de Bolsonaro emocionados após a vitória de Lula
na Esplanada dos Ministérios. Hugo Barreto/Metropoles

Ainda estou estupefato. E quando deixarei de estar? Dizíamos nos anos 1960, no dia em que Garcia prender Zorro. Em compensação, escrevi no Facebook hoje:

Os prazeres mundanos se dividem em certos (os nossos) e errados (os deles). Em ambos os casos, vale a profunda filosofia alemã: "jedes Tierchen mit seinem kleinen Vergnügen". A ela (Marx, Engels, um colono que me é aparentado e outros), o Google Tradutor avisa ser "Cada animalzinho com seu prazerzinho". Quando falo em prazeres errados, estou pensando na extrema direita mundial.

Segue-se logicamente que minha querida professora e amiga Ana Maria Bianchi pediu-me para "desenvolver mais" a ideia explorando o lado irônico. Vou tentar imitar aquela personagem de William Somerset Maughan ou Aldous Huxley, muito querida por todos por causa de seu sutil senso de humor. Esclareceu-se que aquilo que a fazia notável era o fato de sempre dizer a verdade. E vou falar o que realmente penso da polarização esquerda-direita.

Na transição para o governo Lula a partir da "atual conjuntura", como diria Stanislaw Ponte Preta, depois de estarmos fugindo daquele "Samba do Crioulo Doido", que hoje se diria "Sertanejo do Afro-descendente padecendo de uma desordem cognitiva-psicológica", ouvi falar sobre a equipe econômica, de Pérsio Arida e André Lara-Rezende, de uma parte e, da outra parte, de Aloísio Mercadante e Nelson Barbosa tem divergências acentuadas no que diz respeito ao papel do estado na economia: estado mínimo para um lado (lado oeste) e estado indutor do crescimento econômico, para o outro lado (lado leste).

Na verdade esta parece-me ser a aparência da questão que tem raízes mais profundas, que atinge o zênite dos processos de escolha social: o que é mesmo que a sociedade (aquele vetor multi-dimensional de preferências por prazerzinhos, prazeres e prazerzões, positivos ou negativos) deseja para si, para as gerações futuras, inclusive seus descendentes. E chego ao âmago da questão: qual o grau de desigualdade desejado, qual o grau de aversão à desigualdade).

Tanto estudei a questão da desigualdade (e sempre vou louvar o livro de Jessé Souza cujo título "A Tolice da Inteligência Brasileira" tem por resposta: a inteligência não entende que o verdadeiro problema do Brasil não é nem a cordialidade nem a segmentação casa grande-senzala, mas a desigualdade) que talvez já tenha meus juízos obnubilados. Ainda assim, são os melhores juízos que posso formular: 

.a a sociedade igualitária é cheia de virtudes, todos seremos felizes, o crescimento econômico será vibrante e o meio ambiente será tratado como um jardim caseiro;

.b a chave da realização desse idílico ideal de igualdade é o emprego. Emprego privado, público, tudo formalizado, nada de emprego precário;

.c o governo será o empregador de última instância;

.d o emprego de cada setor gera efeitos direitos e indiretos nos empregos dos demais setores da economia: um cozinheiro do presídio terá o filho visitando a Disleylândia de Paris...

E que dizer dos países nórdicos? Eram meu ideal até aquele carinha militando o lado da doença, da truculência e falta de diagnóstico de seu narcisismo era mesmo o mundo tipo Noruega. Aí o infeliz matou 200. E que pude eu dizer? Que falhou o sistema em confundir liberdade de cultivarmos doenças com liberdade de nos realizarmos em benefício de todos.

DdAB

23 outubro, 2022

Jefferson e o Bolsonarismo

 



Hoje o dia é de luto nacional, que deveria ser decretado até o próximo domingo, quando a sociedade voltará à vida com a vitória de Lula. Lembre: vá e vote 13!

Por outro lado, talvez o mais afinado líder do bolsonarismo é mesmo Roberto Jefferson, herdeiro daquela legenda (PTB) roubada a Leonel Brizola pela finada Ivete Vargas, coadjuvada pelos estrategistas da ditadura militar. 

E, sobre tudo isto, escrevi no Facebook:

Quem planta ventos colhe tempestade: mas nem sempre. Bolsonaro achava que reagir a tiros às abordagens policiais daria ensejo a ela de revidar com tiros de maior calibre. Roberto Jefferson hoje, seguindo nos provérbios, pintou e bordou. E parece que ainda está bordando. E a nota de 'apaziguamento' dá uma caceta no... judiciário.

DdAB

A imagem é a escalafobética postagem de Jair Bolsonaro no Tweeter.

20 outubro, 2022

Os Morcegos e o Socialismo


(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Thomas_Nagel_(cropped).jpg)

Os morcegos são animais sociais: vivem em bandos, ou melhor, em colônias. Não se segue suspeitarmos que os bichinhos são socialistas. Sem buscar uma definição baseada em meus escritos, uso a que nos dá a Wikipedia neste verbete: 

Socialismo é uma filosofia política, social e econômica que abrange uma gama de sistemas econômicos e sociais caracterizados pela propriedade social dos meios de produção. [...] A propriedade social pode ser pública, coletiva, cooperativa ou patrimonial.

Pois bem. Ainda falta falar em morcegos... Começo dizendo que voltei a ler o quase cinquentenário artigo 

NAGEL, Thomas (1974) What is it like to be a bat. Philosophical Review.

Neste artigo sobre a filosofia da mente, a Wikipedia informa: "[...] Nagel argumenta que as teorias materialistas da mente omitem um componente essencial da consciência, nomeadamente que existe algo que é como ser uma particular coisa consciente."

Isto, claro, significa que andei caminhando muito além das chinelas. Mas aproveitei algo para o fechamento de meu próprio sistema de ser um pensador sobre o igualitarismo. Nagel escreveu pensando na descrição da experiência por alguém que sabe "como é ser um morcego", mas o problema é tão iracundo que ele diz algo que é perfeitamente válido para a compreensão do socialismo. Eu costumo dizer que a humanidade ainda não criou as instituições que poderiam dar suporte ao socialismo. E, se soubesse quais seriam essas instituições, algum povo/país poderia criá-las. Então vejamos Nagel:

[...] O meu realismo quanto ao domínio subjetivo em todas as suas formas implica uma crença na existência de factos além do alcance dos conceitos humanos. É certamente possível que um ser humano acredite que há factos acerca dos quais nunca possuirá os conceitos requeridos para os poder representar ou compreender. Com efeito, seria tolo duvidar disto, dada a finitude das expectativas da humanidade. Afinal, teria havido números transfinitos mesmo se toda a gente tivesse sido exterminada pela peste negra antes de Cantor os ter descoberto. Mas também se poderá acreditar que há factos que jamais poderiam ser representados ou compreendidos pelos seres humanos, ainda que a espécie sobrevivesse eternamente - simplesmente porque a nossa estrutura não nos permite funcionar com conceitos do tipo exigido. [...] [Itálicos no original]

Parece mais fácil criarmos as tais instituições que consagrariam o socialismo como um sistema econômico factível, especialmente aquele que possa conciliar-se com a liberdade humana que descobrirmos o que o morcego pensa ser. Mas, ainda assim, este dia nos parece distante, haja vista a experiência chinesa: enorme exploração da força de trabalho e, talvez por isso mesmo, autoritarismo desabotinado.

Nunca esquecendo que "não queremos o socialismo, mas queremos as reformas democráticas que poderão conduzir a ele." [Gerônimo Machado] Queremos uma sociedade com mais democracia e menos desigualdade. Para isto precisamos votar 13 no próximo dia 30 para o cargo de presidente da república.

DdAB

P.S. Tenho uma tradução do artigo de Nagel obtida há muito tempo, mas não podendo referenciá-la, procurei-a na internet e achei aqui. [Mas não foi daqui que baixei].

18 outubro, 2022

Silvana e Chico

 


Silvana Moura, a moura, é amiga recente, amiga virtual, realmente casada com Marino Boeira, também recente amigo virtual. Ambos a cada dia me surpreendem com tiradas e histórias. Li de Marino dois livros:

BOEIRA, Marino (2021) Aconteceu em... Porto Alegre: Digrapho. [Memórias de viagens]

que me foi dado de presente por Silvana, a moura. E

BOEIRA, Marino (2021) Brizola e eu. Porto Alegre: Kotter. [Romance histórico]

Pois então. Muito aprendi com ambos e sigo aprendendo não só da produção própria, mas também das citas a terceiros. E hoje falo de uma delas, dela, da Silvana, a moura. Silvana cita um amigo de Facebook (https://www.facebook.com/josetiaporanga) que cita uma crônica, linda crônica de Chico Buarque. Vou reproduzi-la in fine, mas agora cito uma palavra: "solaz" que me levou a viajar e não demorou para eu também cair nos encantos de um dicionário: meu amado Webster na edição de 1975, cuja ortografia mantém-se absolutamente atualizada, ao contrário da brasileira, que já mudara em 1943 e 1971, voltou a mudar em 2009. Então teriam que ter feito, se fosse o ridículo caso, três grandes reedições do Webster original. Se economês posso dizer: é queimar capital fixo.

Ao ler "solaz",  palavra que nunca ouvira (assim como outras tantas da crônica buarquiana), lembrei da palavra "solace" em inglês. No Webster, página 1725, cibsta que a origem é do Francês Antigo, que vem do latim como solatium, sendo o verbo visto como to comfort. 1. to cheer in grief or under calamity; to comfort, to relieve in affliction, to console, 2. to allay, to assuage or lessen, as to solace grief. Como substantivo, temos 1. an easing of grief, lonileness, discomfort, etc. 2. somethng that eases relief; comfort, consolation; relief. 

E que diz o dicio.com.br sobre "solaz"? Diz mais ou menos a mesma coisa que em inglês: substantivo masculino. Distração; recreio; alegria. Ação ou efeito de consolar; conforto. Adjetivo Consolador.Etimologia (origem da palavra solaz). Do latim solatium.

E que dizer de Chico Buarque? É talvez o maior gênio da língua brasileira de todos os tempos. Até Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto louvavam-lhe a genialidade. Eu mesmo, ao ler os romances e pensar nas letras das canções, pensei que ele já estava credenciado a receber o prêmio Nobel de literatura. Quando Bob Dylan recebeu, voltei a pensar: agora mesmo é que, num futuro não muito distante, vão consagrá-lo. Vejamos, pois mal se foram seis anos do menestrel americano.

E que dizer da turma do contra? Lembro de um caso: alguém reclamou que aquela rima entre "mais um copo" e "alegre, ma non troppo" era falta de vocabulário. Aqui está a resposta sobre o tamanho do vocabulário do rapaz. 

Veja a crônica publicada por Silvana. Mas antes pense que a solução ótima para o encaminhamento dos problemas de democracia e da desigualdade brasileira será votar 13 no dia 30 de outubro para presidente da república.

DdAB
P.S. A imagem é da família Geisel. Ao saber que a filha (filho faleceu em 1957) de Geisel amava suas canções, Chico escreveu aquela do "você não gosta de mim, mas sua filha gosta" (aqui).


OS DICIONÁRIOS DE MEU PAI
Francisco Buarque de Hollanda
Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então me disse, no seu falar meio grunhido. Era como se ele, cansado, me passasse um bastão que de alguma forma eu deveria levar adiante. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções, sem falar das horas em que eu o folheava à toa; o amor aos dicionários, para o sérvio Milorad Pavic, autor de romances-enciclopédias, é um traço infantil no caráter de um homem adulto. Palavra puxa palavra, e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz, recreio, filistria).
O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus dedos. Encostei-o na estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da Sala Cecília Meireles, o mesmo dicionário em encadernação de percalina. Por dentro estava em boas condições, apesar de algumas manchas amareladas, e de trazer na folha de rosto a palavra anauê, escrita à caneta-tinteiro.
Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. E ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro para me garantir um dicionário analógico de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares, e ainda arrematei o último à venda na Amazon.com antes que algum aventureiro o fizesse. Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, gusanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiros).
A horas mortas, eu corria os olhos pela minha prateleira repleta de livros gêmeos, escolhia um a esmo e o abria a bel-prazer. Então anotava num moleskine as palavras mais preciosas, a fim de esmerar o vocabulário com que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus rivais.
Hoje sou surpreendido pelo anúncio desta nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Sinto como se invadissem minha propriedade, revirassem meus baús, espalhassem aos ventos meu tesouro. Trata-se para mim de uma terrível (funesta, nefasta, macabra, atroz, abominável, dilacerante, miseranda) notícia.

05 outubro, 2022

Esquerda, esquerdas: dificuldades estruturais.



Não posso deixar de me congratular (SQN) com parte de meus camaradas da esquerda brasileira por seu tirocínio extraordinário ao defender que Putin -e sua operação militar especial- estivesse defendendo a Ucrânia. A libertação foi tanta que a Rússia acaba de anexar as províncias de Donetsk, Kherson, Lugansk, e Zaporizhzhia. Com amigos assim, lá e aqui, era natural que levássemos o maior chocolate (como se diz no futebol) na eleição do domingo que passou.
O bolsonarismo serrou de cima, como dizia o lenhadoar, e alcaçou o controle das duas casas do Congresso Nacional.

Vamos votar Lula-13 no segundo turno para ver se ele -Lula- consegue montar um governo de coalizão nacional voltado a combater a onda bárbara bolsonarista e evitar o impeachment ainda em seu primeiro ano.

DdAB 

P.S. Texto importado de meu FaceBook. Legenda para a imagen: Cara de espanto de Lula vinda de imagem pública.

27 setembro, 2022

Que Será um Bucajá?

 


No dia 23 de setembro corrente, publiquei esta imagem e o texto que segue no Facebook:

Faz um dia que o amigo feicebuquiano Alfredo Pereira Jr. deu-me uma lição que resolveu um dos mais sérios problemas existenciais de minha condição. E que persistiu até ontem, digamos, por uns 40 anos: ele mostrou a imagem de um "umbu-cajá". E eu ouvia Alceu Valença falar no "beijo travoso de um bucajá". Agora sei: se eu quiser dar ou receber beijos travosos, nada melhor que sair na busca do umbu-cajá. Ainda assim, parece-me que "Bucajá" seria um bom nome para um cão ou um gato domésticos.

DdAB
cz

22 setembro, 2022

Ucrânia Invadida

 


Fiquei tão doido com as renitentes ameaças de lançamento de artefatos nucleares sobre... sobre quem? A Ucrânia? Os Estados Unidos? A França, a Turquia? sabe-se lá. Tão doido, enfim, que escrevi no Facebook há pouco:

Duilio De Avila Berni

MAD: os loucos que apostam na "mutual assured destruction". Mas tem gente que não sabe:
Putin: "tasca a mão com a gente e podemos explodir vocês."
Biden: "o mundo inteiro pode ser destruído".
Moral: só a esquerda belicista pode apoiar um louco que fica ameaçando o mundo por querer apropriar-se da Ucrânia.
O lado alegre é que a gente precisa viver o momento, pois não sabemos nem se estaremos vivos para podermos livrar-nos de Bolsonaro no dia 2 de outubro.

E houve por bem trazer para cá, com o mapa das áreas invadidas. E por que tão doido? Pois não consigo entender como a esquerda belicista não consegue entender que a ameaça à paz mundial é motivo para fortes reações pessoais e institucionais. Putin é um doido paranoico que só se mantem no poder na URSS, digo, na Federação Russa por causa do ralo desenvolvimento institucional que foi legado pela URSS.

DdAB

16 setembro, 2022

Further Farther from Clarissa: Música ao Longe



Alta probabilidade que aquele "further farther" deve estar errado, mas a língua inglesa está mesmo precisando de renovação desde, pelo menos, o passamento da Rainha Elisabeth II. O assombroso noticiário que sucedeu-a na finalidade de sua vida comoveu-me e voltei a lembrar de áureos tempos vividos na Inglaterra, Reino Unido. Beatles e Rolling Stones, e nem precisava mais, mas veio mais um monte da turma eterna do roquenrou. 

A Rainha Elisabeth não tinha nem mesmo 40 anos de reinado quando fui para Oxford estudar economia política do desenvolvimento (epa!, título do livro de Paul Baran) com o finado Andrew Glyn. E se algo de majestoso aprendi com ele foi que a variável chave do igualitarismo é o emprego, naquele círculo de virtudes descritas pela matriz de emprego derivada da matriz inversa de Leontief. Tem pilhas de postagens neste planeta (o 23, claro) explicando essa viagem L = d x B. L é um vetor em que cada elemento contém o emprego direto e indireto para a produção de determinada mercadoria, d é uma matriz diagonal cujo elemento característico é a razão entre a produção do setor de que tratamos e o valor que ele produz. Finalmente B é a afamada matriz inversa de Leontief na qual cada elemento mostra os requisitos diretos e indiretos apropriados por por nosso setor para a produção de nossa mercadoria.

Não quero falar nisso, porém, mas falar em mais um traço formidável de meu intelectual de esquerda preferido. Quem conhece/u Glyn e seu magistério em Oxford, sabe que, pelo menos uma vez por ano, ele ditava lições de HPE - história do pensamento econômico. Um dia, em plena sala de aula do prédio da Faculdade de Estudos Sociais da George St., entrou na roda o nome do também notável economista britânico William Petty. Alguém indagou se ele já havia lido Petty e ele disse algo assim: "gosto de ler antigos economistas para tentar entender no que aquela turma pensava". 

Na linha do budismo, aquela sentença, para mim, foi uma revelação! A gente lê outras obras de outras pessoas e começa a se indagar como foi que el@ disse exatamente aquilo, o que @ levou a dizê-lo.

Agora, que já li em minha leitura de outono deslocado "Clarissa", passei de imediato a ler "Música ao Longe" na edição da Companhia das Letras, com um prefácio do próprio Érico que joga essa obra no rodapé de suas conquistas literárias. Mas não esmoreci. Sigo lendo e lerei até o fim. Talvez pulando as reflexões em itálico feitas pela normalista Clarissa (o cara não sossega e, no "O Tempo e o Vento" tem as confissões de Sylvia, também em itálico que, volta e meia, nas releituras, vou pulando).

No final da página 30, in fine, Clarissa entra na "sala de estar do casarão dos Albuquerques" (Ver nota 1). Ela pensa:

   Ali estão as grandes poltronas vazias, com florões e grinaldas em relevo; a mesa pesada e longa de jacarandá com a sua coberta de veludo escuro, o consolo de mármore branco estriado de  azul, sobre o qual branqueia uma estatueta de d. Pedro II. No centro da parece, o grande espelho oblongo - lago morto refletindo uma paisagem morta.

Nesse ponto, flagrei-me pensando: "Então era isso que Andrew queria dizer sobre entender como que aqueles ancestrais profissionais pensavam". E segui: "Esse é o mundo criado por Érico. E mesmo que aquela sala de jantar tenha sido a sua em Cruz Alta ou na casa de Petrópolis de Porto Alegre, ou em suas duas ou três ou nove moradas nos Estados Unidos, ou em algum outro canto do universo e não fruto exclusivo da imaginação, parece-me lindamente ilustrativo. Tem muito detalhe, tem muita empatia crítica. Foi aí onde viajei.

E não pude me furtar de pensar: "paisagem morta?" Só se Lula não vencer Bolsonaro nas urnas.

DdAB

Nota (1) Nos tempos antigos, talvez há mais de 50 anos, lendo tudo o que pude de Érico Veríssimo, invoquei-me com esse tipo de construção: os Albuquerques, os Avilas, os Bernis, e por aí vai. Mas um dia me dei conta de que o adjetivo concorda com o substantivo. Ergo, se o adjetivo está no plural, quem o está regendo é precisamente um substantivo no plural. E assim guardei até hoje, quando essa regra de concordância nominal é quebrada por todo mundo, inclusive por mim.

P.S. A imagem é daqui.

12 setembro, 2022

Que Fazer com R$ 3.000 ou 30.000


Vim a saber que existem certas doenças cuja medicação custa R$ 3.000 por mês. Ao manifestar meu espanto ao narrador dessa triste história, ele disse que isso não é nada, pois há muitos remédios de R$ 3 por mês. Ri, satisfeito, pensando que esses sim é que ajudam a formar a sociedade igualitária. Mas minha satisfação durou pouco, pois o narrador falou em outro medicamento que requer R$ 30.000 para fazer o tratamento por esses 28 ou 29 ou 30 ou 31 dias.

Como sabemos, R$ 30.000 é mais que o faturamento mensal de um juiz do supremo tribunal, e a eles seguem todos os demais enfarpelados do governo, nos encastelados nos três poderes da república. O único poder realmente em falta é o poder do imposto de renda, para não falar no combalido poder popular.

Pois então. Se um juiz pode pagar seu remédio por um mês, que dizer do antigamente chamado Zé Ninguém, que ganha um salário mínimo que apenas em 2023 chegará em R$ 1.300? Que posso dizer? Que será apenas com a sociedade igualitária que veremos esse arco de rendimentos assumir (em não muito menos de 20 ou 30 anos).

E quais as virtudes da sociedade igualitária? Há controvérsias. Eu mesmo considero que ela é a única forma de governança que garantirá não apenas vida eterna a tod@s, mas principalmente meios para fugirmos ao colapso do Sol, à expansão de nosso rei dos astros, buscando tornar-se uma gigante vermelha. E que dizer, para finalizar, da possibilidade tétrica de que Bolsonaro seja reeleito presidente da república? Digo: 30.000 vezes pior que o colapso do Sol. Ou 30.001 vezes e até mais. Esse evento trágico iria, felizmente não irá, afastar-nos ainda mais do mundo igualitário, beneficiando os mesmos de sempre.

Tenho dito que chamar Lula de ladrão é, primeiro, olvidar que os malfeitos que apareceram durante o lulismo se deveram precipuamente à liberdade de ação que o presidente ofereceu ao Ministério Público e à Polícia Federal. Segundo: chamando-o de ladrão, lança-se poderosa cortina de fumaça sobre os malfeitos desde sempre da família Bolsonaro, agora culminando com a acusação de ter pago 51 imóveis com dinheiro vivo.

DdAB

11 setembro, 2022

Elisabeth Regina: observações pessoais

Conheci várias gurias chamadas de Elisabete Regina, umas quatro só em Jaguary. E, por outro lado, um dia lá no antanho, lendo a lista de aprovados no vestibular da Universidade de Caxias do Sul, encontrei uma garota chamada de Doroti Malone (Dorothy Malone, *29.jan.1924; +19.jan.2018). E o jogador de futebol Alandelon (Alain Delon, *8.nov.1935), do Esporte Clube Vitória. Este jogador, a.k.a.Allan Dellon Santos Dantas, nasceu em Vila Velha aos 16 de fevereiro de 1979.

Elisabeth Regina é a Elisabeth II (*26.abr.1926; +8.set.2022). Ao nascer (!), era filha do Duque e da Duquesa de York, depois tornado Rei George VI, acompanhando-o a Rainha Elisabeth (Queen Mother, como dizem). A rainha- mãe foi mais longeva que a rainha filha, pois viveu quase 102 anos. A então futura rainha casou-se com o já Príncipe Phillip, que ainda ganhou o título de Duque de Edinburgh.

O Rei George VI ascendeu ao trono em 1936, pois Edward VIII, seu irmão, abdicou do trono britânico. Esta saída e a entrada tornaram Elisabeth Alexandra Mary a primeira herdeira na linha sucessória. 

Como sabemos, o late Mr. Andrew Glyn, meu inesquecível orientador do doutorado, era filho de um barão e presumo que tenha deixado o título em vida para seu filho do primeiro casamento Barão Miles Glyn.

Pois então. a Princesa Elisabeth casou com o Príncipe Phillip em 20 de novembro de 1947. Em 1952, ela ascendeu à condição de rainha e foi coroada em 1953.

Com meus pouco mais de quatro meses de existência, não fui ao casamento por falta de convite. O noivado foi proclamado em 9 de julho de 1947, agora sim, eu tinha um dia de vida e não pisei, por assim dizer, nos salões do festejo por razões óbvias.

Pois então II. Cometi meia dúzia de erros na postagem de 9.set.2022 que fiz no Facebook. Um quarto de dúzia, pelo menos, deveu-se a minha parca visão, dado que porto óculos de lentes vencidas (o que vou corrigir em breve). Primeiro, a legenda da foto que lá nos sucedeu e aqui nos antecede - vejo com o auxílio de uma lente de aumento é:  

A FAMÍLIA REAL - o Rei e a Rainha da Inglaterra, vendo-se também as duas princesas inglesas. [Elisabeth e Margareth, claro]. 

Segundo: então podemos formar uma linha do tempo com eventos selecionados:

1926 - nasceu Elisabeth.

1936 - seu pai tornou-se rei.

01946 - um ano que passou batido, com eventos que mereceram destaque no Anuário A Nação.

1947 - deu ensejo ao lançamento do Anuário A Nação correspondente ao ano de 1946.

Quem está na foto? O rei, a rainha e as princesas Elisabeth e Margareth. E quem eu pensei? Pensei? Apressei-me... Pensei que já fosse a Elisabeth casada com Phillip.

E que faço agora? Peço desculpas a minhas/meus leitor@s. E prometo fazer a consulta a@ oculista.

DdAB

P.S. Na postagem no Facebook, recebi o corrigendum de Claudio Medaglia e Luciano Feltrin.

07 setembro, 2022

Clarissa de 1933 e as Eleições de 2022


No tresontonte (dia 5/set/22), fiz uma postagem falando em Clarissa, ou melhor, em "Clarissa", o primeiro romance de Érico Veríssimo publicado em 1933. E hoje faço outra... Daquele TOC que me impele a fazer leituras de Érico a partir do outono, livrei-me, pois este ano estou iniciando a fazê-las beirando a primavera... E me sinto feliz ao inserir esta leitura no meio de dois ou três outros livros. Cada um deles tem seus momentos de minha predileção locacional (cama, sala, banheiro...).

Neste momento pré-eleitoral, achei uma jura que deve levar-nos a pensar em que tipo de Brasil queremos não apenas para o dia dos 200 anos da independência, mas especialmente qual a herança que queremos deixar e a que deixaremos para as gerações futuras. Nos 150 anos, fez-se um daqueles hinos civis de louvor à ditadura militar: "o Brasil faz coisas que ninguém imagina que faz". Se naquele tempo eu não imaginava, hoje tenho bem claro: 50 anos e o traço básico da desigualdade, do viés na oferta de oportunidades, segue perfeitamente igual. Houve melhorias, é certo, e muitas delas não duram 10 anos e já vem novo retrocesso.

"Clarissa" é um romance romântico, mas também tem suas pegadas de filosofia política. Vejamos uma, residente nas páginas 91-92. Dona Eufrasina (a.k.a. Zina), tia de Clarissa leva a garota à missa. Na saída, o autor inicia o assunto que com uma espécie de discurso indireto livre:

Moleques apregoam os diários. Clarissa acha graça nos vendedores de jornais. Têm uma voz grossa, rouca, disforme, parecem todos papudos, pescoços descomunais, de veias dilatadas. E como pronunciam o nome dos jornais que vendem! Dizem as palavras pela metade. Gritam:

-rrê... dia... amanhã!

Ou

-Corrê-m'nhã!

-Tia Zina, que engraçados esses guris que vendem jornais!

D. Zina encolhe os ombros:

-Não vejo nada de engraçado. São uns pobres diabos que desde pequenos andam lutando pela vida. Não são como outros que conheço que não fazem nada por achar trabalho.

Clarissa sorri.

Isto é com o tio Couto - pensa. -Também acho, coitado, não tem culpa. Não trabalha porque não acha emprego.

Não deixa de ser a expressão de visões (d. Zina e Clarissa) que se complementam: não tem emprego para todos, nunca teve. Nem haverá!

-Não haverá?, indaga o Planeta23.

Depende. Depende da entrada do país no modo igualitarista de funcionar. Sendo a variável chave do igualitarismo precisamente o emprego, monta-se um círculo virtuoso: o emprego de policiais para prender os políticos agatunados requer infra-estrutura: cadeia, manutenção dos prédios, restaurante, lavanderia. A manutenção dos prédios requer gente, talvez casada, com filhos. Os filhos vão estudar clarinete, além da escola tradicional. A professora terá filhos que poderão usufruir de uma visitinha ao Beto Carreiro. O vendedor de cachorro-quente do Beto mandará o filho à escola, à aula de violino, e por aí vai.

A maneira de se construir uma sociedade igualitária é escolher governos social-democratas, que o neoliberalismo já mostrou que nem se preocupa com a desigualdade,tampouco -menos ainda- querendo a igualdade. Isto implica logicamente que no dia 2 de outubro não temos alternativa a não ser votar em Lula-13.

DdAB

A imagem é, pelo que me consta, da cantora Clarissa. E nada mais sei. Ia escolher a Clarissa Garotinho, mas -bem devia suspeitar- é candidata pela União Brasil a algum cargo pelo estado do Rio de Janeiro.

05 setembro, 2022

Um Voto Literário


 

Estamos em plena campanha eleitoral, quando vamos eleger Lula como presidente da república de 2023 a 2024, e, então, teremos nova copa do mundo de futebol. Parece óbvio que votar em Lula é uma obrigação ética de todos os brasileiros que ficam inconformados com os bolsonaristas xingarem Lula de ladrão, mesmo sabendo que foi ele que agilizou os mecanismos de investigação dos malfeitos. E que a família -alguns falam em 'famiglia'- Bolsonaro é bastante aquerenciada e beneficiada como uma rapaziada amiga do alheio.

Em compensação não quero adentrar-me na seara política neste quintalzinho em que pretendo tornar esta postagem. Quero falar de um voto -não na eleição, mas- no sentido metafórico ligado ao mundo religioso, conforme aprendi com o dicio.com.br:

a) Promessa que, de modo solene, se faz a certa divindade (santo).

b) Aquilo que se faz para pagar (cumprir) uma promessa.

c) Tipo de dever ou compromisso que se assume, de modo voluntário, em adição ao que já se encontra estabelecido pelas normas de uma religião.

Embora eu não seja religioso, faço minhas promessas no sentido de fortalecer meu processo decisório, comprometendo-me (commiting myself) com certas ideias ou ações. Por exemplo, há alguns anos, fiz um voto de ler minha obra selecionada de Érico Veríssimo nos sucessivos outonos de minha vida (ver aqui). Claro que já desisti, claro que não consegui. Mas agora, com a primavera apitando na curva, recomecei a seguir a promessa, lendo "Clarissa". Vejamos até onde percorrerei essa encrenca.

Em tempos de incertezas gerais (Putin vai ser escorraçado da Ucrânia-Crimeia? Lula vai ganhar no primeiro turno? No segundo? etc.), achei oportuno quebrar a ansiedade que me traz um romance/novela nov@ quando percorro um trajeto já conhecido. E saboreando o prazer que emerge de sucessivas leituras. Na postagem que indiquei, na condição de "meu primeiro Érico", temos: 

.a. Clarissa (1933)
.b. Música ao Longe (1935)
.c. Caminhos Cruzados (1935)
.d. Um Lugar ao Sol (1936).

E que achei neste início de leitura de "Clarissa"? Algo interessante, que se liga a viajações que fiz sobre meus plágios, ou até mais benevolamente, as influências de minhas leituras literárias na expansão de meu vocabulário. Então agora achei na página 21 da edição (sem data?) da Companhia das Letras o verbo "besuntar" de que já falei na postagem de 2012. Mas também falei sobre "meus plágios" em 2015 e talvez até em outras datas. Aqui estão elas:

https://19duilio47.blogspot.com/2012/06/plagiario-eu.html
e aqui:
https://19duilio47.blogspot.com/2015/09/mais-plagios.html),

Moraleja: Ler e reler faz a gente pensar e repensar.

DdAB

30 agosto, 2022

Crenças, Escolhas e Política

 


Que seria de nós sem nossas crenças? Creio que estamos no mês de agosto e penso que poderemos comer uma macarronada ao jantar. Creio que acordei, que arrumei a cama, que lavei o rosto (esperando o café para -apenas depois- lavar os dentes e não enxaguar a boca, pois creio que o fluor do creme dental veio proteger-me da proliferação de streptococus mutans, como se diz hoje, o bichinho da cárie 

Creio-te que te creio. Creio em tanta coisa que nem penso a respeito da maior parte das crenças e até que talvez seja mais fácil listar nomes em que não creio. Que o centro da Terra é oco, que no centro do Sol tem uma fogueirinha com nó de pinho atiçada pelos sete anõezinhos, que vou e voltarei da praia sem acidentes, sem incidentes.

Se pudesse quantificar a probabilidade de acidentar-me, eu poderia adiar o passeio ou mesmo avaliar se é um risco aceitável. Digamos que eu o aceite riscos de até 1% [lembrar que caí na amostra do censo demográfico de 2022, uma probabilidade de 5%, ou seja, uma a cada vinte residências respondiam o questionário ampliado]. Creio em probabilidade (pero no mucho). Essa viagem de 1% leva-me a filosofar se é mesmo segura, pois o que estou lendo é que poderei ter um acidente a cada 100 viagens, o que daria uma zebra a cada dois anos das viagens semanais. E também poderei ter, mas não tendo...

E se p = 0,0001 O "mil invertido" é 1/1.000 ou 0,001, o que dá para ler aquele p = 0,0001 como um décimo de milésimo. Ainda assim, pode não acontecer, mas é provável que ocorra, tipo um acidente de trânsito com danos materiais. Mas com p menor, entendo que um incidente/acidente ao longo de toda a vida não vai me fazer desistir da praia. 

E será que eu creio em Deus? Se houvesse prova de sua existência, não precisaria crer [ouvi esta sensacional ideia na TV dita pelo padre Fábio de Melo]. Bastaria dar uma olhada na forma com que essa prova foi obtida. Crer, como nos micróbios ou na fusão nuclear no centro do Sol.

Ainda assim, um cético poderá indagar o que me leva a crer nas provas que aprendi nos livros. Nesta linha devemos indagar o grau de validade de eventos que não podem ser provados, ou melhor, não podem ser justificados.

Como todos sabem, tento especializar-me em "introdução à filosofia", lendo e relendo uma boa meia dúzia de livros, ergo, introdutórios. Um deles de que já falei aqui:

ALMEIDA, Aires e MURCHO, Desidério (2014) Janelas para a filosofia. Lisboa: Gradiva. (Coleção Filosofia Aberta, 26).

Pois então. Estamos no capítulo "Fundamentos da Fé" e chegamos na página 144 onde, na seção inicial, intitulada "Acreditar sem provas", lemos:

[...] a crença em Deus envolve afectos profundos de reverência, por exemplo, o que significa que a fé é muito mais do que a mera crença. Além disso, é pela fé que se sustenta a crença em Deus e não pela razão, pelo que crer sem provas é perfeitamente adequado.

Agora vamos mais a fundo nas alongadas considerações iniciais que fiz. Então estamos falando agora em, título da seção, "A fé como risco". E os autores começam com uma citação de Soren Kierkegaard:

Sem risco, não há fé. A fé é precisamente a contradição entre a paixão infinita da interioridade do indivíduo e a incerteza objectiva. Se eu for capaz de apreender Deus objetivamente, não acredito; mas precisamente porque não posso fazer isto, tenho de acreditar.

Bem na linha do que falei sobre a frase do padre Fábio de Melo. Sem a ambição de transcrever todo o livro para o Planeta 23, falarei apenas de William James, das páginas 146-147 do livro. Como sabemos, James (1842-1910) é um dos mais importantes filósofos pragmáticos americanos (e do mundo...). Em 1896, ele escreveu "A vontade de acreditar", que serve de epígrafe para a seção que estamos lendo:

A tese que defendo é, em poucas palavras, a seguinte [itálico no original] a nossa natureza passional não só pode, legitimamente, como deve decidir uma opção entre proposições, sempre que se trata de uma opção genuína [negrito adicionado por mim] que não pode, pela sua natureza, ser decidida numa base intelectual.

Seguem Almeida e Murcho (p.147):

James pensa que as opções genuínas são diferentes dos outros tipos de opções. Considere-se, por exemplo, a opção entre acreditar ou não que há extraterrestres. Para muitas pessoas, esta é uma questão interessante, mas não é uma opção genuína, no sentido em que nosso interesse é meramente intelectual, digamos. Em contraste, quando uma opção é genuína, [ela] tem três características: é uma opção viva, momentosa e forçosa.

Para  ver o que é uma opção viva, contraste-se a opção entre acreditar ou não na divindade cristã, para um europeu, e a opção entre acreditar ou não em Zeus, ou nas divindades egípcias. O primeiro caso, para um europeu é uma opção viva, mas o segundo é uma opinião sem qualquer força. Uma opção é viva quando nos afecta emocionalmente, quando é muito mais do que uma mera questão intelectual.

Quanto à noção de momentosa, considere-se a opção entre acreditar ou não que devemos mudar o óleo do motor do carro quando está quente. Esta não é uma opção momentosa porque nenhuma das duas opções é particularmente importante. Pelo contrário, no que respeita a Deus, a opção é muito importante, quer acreditemos quer não, pois é de suma importância saber se somos fruto do acaso num Universo indiferente, por exemplo, ou se existe uma divindade providente que nos criou a nós e ao Universo com propósitos definidos.

Por fim, o que é uma opção forçosa? Imagine-se que alguém nos oferece um emprego muitíssimo bom, mas se não respondermos no prazo de três horas, perdemos a oportunidade. Neste caso, ficar indeciso e sem tomar posição é equivalente a rejeitar a oferta. James defende que optar ou não pela crença religiosa é semelhante a este caso: ser ateu é o mesmo que ser agnóstico, no seguinte aspecto: em ambos os casos, não acreditamos em Deus. Por isso a crença em Deus é uma opção forçosa.

Recapitulando, uma opção é genuína quando tem estas três características, e James pensa que é precisamente o caso da crença religiosa. Ora, James defende que, no caso das opções genuínas, é adequado acreditar sem provas, (desde que não tenhamos também provas contrárias). Mas é adequado porquê? Porque, se não o fizermos, perdemos a possibilidade de acreditar numa verdade de suma importância só porque temos medo de ter uma crença falsa.

Um segundo argumento de James a favor da adequação da crença sem provas parte de uma analogia com outros tipos de crenças motivadoras, a favor das quais também não temos provas. Por exemplo, a Daniela é chamada para um emprego muitísismo bom, mas tem de fazer várias provas de seleção difíceis. Caso não acredite que será bem-sucedida nas provas, isto acabará por ter um impacto negativo no seu desempenho. Como acontece no caso dos desportistas, convencemo-nos a nós mesmos de que seremos bem-sucedidos contribui, em muitos casos, para o sucesso. Caso nos limitemos a avaliar as provas disponíveis, suspendendo a crença, teremos uma maior probabilidade de insucesso.

Em seguida, os autores fazem duas críticas à visão de William James que deixo para mim mesmo como teste de compreensão do tema, de sorte a fazermos por nós mesmos a crítica.

Que podemos tirar dessas digressões sobre a fé, com ênfase na crença na existência de Deus, sobre a política e o voto de 2 de outubro para presidente da república? Sim: crer que o bolsonarismo pode resolver os problemas brasileiros é realmente não saber quais exatamente são eles. Tenho insistido há talvez 35 anos,  que o verdadeiro problema do Brasil é a desigualdade. Da constatação de que acreditar na capacidade do bolsonarismo não é uma opção genuína, podemos simetrizar as três características (opção viva, opção momentosa e opção forçosa) e ver como pessoas racionais irão afastar-se dessa visão de mundo que leva a mais fome, miséria e imperialismo:

a) contestar o bolsonarismo é uma opção viva, pois nos afeta intelectualmente, por exemplo, a tristeza pelas mortes provocadas pelo fracasso das políticas públicas que nunca foram prioridade do Ministério da Saúde;

b) contestar o bolsonarismo é uma opção momentosa, pois ao fazê-la estaremos criando condições para a retomada do estado de bem-estar social e outras policas social-democratas;

c) contestar o bolsonarismo é uma opção forçosa, pois a eleição de 2 de outubro definirá os rumos da ação do governo pelos próximos quatro anos. É agora ou nunca!

DdAB

P. S. Tomei a linda imagem que nos encima da Wikipedia, ilustrando o verbete "contradição". É uma mistura do quadrado lógico medieval com o diagrama de Euler, também conhecido como diagrama de Venn.

P.S.S. Aquela inserção da sabedoria do padre Fábio de Melo dizendo que, se houvesse prova da existência de Deus, não seria necessário acreditar: hoje vendo um episódio da série O Jovem Sheldon, ouvi que essa ideia remonta a Platão. (Em 30/out/2023=segunda-feira)

25 agosto, 2022

Renda e Riqueza: desespero sobre desigualdade


Na aba de meus sites preferidos, consta o de Michael Roberts. Volta e meia leio suas reflexões, explicações e também previsões sobre a evolução do que ele chama de modo capitalista de produção. Diferentemente de mim, que aprendi que a social-democracia é a salvação da humanidade da geração presente, Roberts considera que as contradições do capitalismo avolumam-se letalmente. Tão severas seriam elas que a ordem estabelecida deve ser rompida com a construção do socialismo, o que requer, de início, a abolição da propriedade privada.

Como sabemos, uma das leis gerais da acumulação capitalista fala na crescente exploração da classe trabalhadora, sua crescente pobreza. E também sabemos que, em boa medida, essa crescente pobreza, especialmente nos países capitalistas avançados, é relativa: a renda e a riqueza tendem a concentrar-se nas mãos da classe dominante. Nesta linha é que li, con gusto, ou melhor, contristado, meia dúzia de postagens em que Roberts fala na concentração da riqueza, usando fontes de que nunca ouvi falar.

Embora eu me dedique a estudar o que posso da distribuição pessoal da renda (e alguns desdobramentos da distribuição setorial, da funcional e mesmo da regional/mundial), não conheço dados para o Brasil sobre a desigualdade na riqueza. Li há alguns anos um artigo/livro de Márcio Pochman, da Unicamp, em que ele diz não haver dados que justifiquem o título do livro, mas considera alguma proxy que não me apeteceu. Talvez até eu seja proprietário de um exemplar desse livro, mas estou divorciado dele. No entanto encontrei esta referência que dá uma ideia, pelo menos, do período em que o tema andou sendo tratado por ele (aqui). É um seminário apresentado por ele em 2015:

O economista e doutor em Ciências Econômicas, Marcio Pochmann irá abordar a “Distribuição da Riqueza no Brasil”, durante sua palestra no XXI Congresso Brasileiro de Economia (CBE). O evento, que será realizado entre os dias 09 e 11 de setembro, na Universidade Positivo, em Curitiba, tem como tema central “A Apropriação e a Distribuição da Riqueza – Desafios para o Século XXI”.

Nada mais procurei, pois hoje quero falar é de Michael Roberts. Entrei no tema com este artigo (aqui). Dali ele remete para outras páginas de seu blog, iniciando aqui. Deixo por conta d@s leitor@s interessad@s acessar o que achar bem de direito.

Eu quero pouco, apenas falar algo depois de mostrar um gráfico, aquele que ilustra a postagem de hoje. O assunto começou há pouco tempo, quando vi uma notícia sem muito detalhe sobre a diferença de magnitude dos índices de desigualdade de Gini da Suécia pertinentes à renda e à riqueza. Claro que todos sabemos a diferença entre uma e outra: a renda é um fluxo de recebimentos de remunerações (salários, lucros, juros e aluguéis, mais impostos indiretos líquidos de subsídios), medido por unidade de tempo, como é o caso de um ano para as cifras que originam os índices da figura. A riqueza mede o estoque de bens, propriedades e posses dos indivíduos. A renda é a água que corre pela torneira e a riqueza é o montante de água disponível dentro da caixa d'água. 

Quando vi as cifras assemelhadas ou as próprias disponíveis na figura para a Suécia, fiquei derreado. Os países nórdicos a acompanham, um breve para pensarmos a social-democracia com outros olhos, corrigir os erros sem pular para a pregação socialista. Eu sempre soube que a distribuição da riqueza é e foi mais elevada que a da renda. Mas, modelo de igualitarismo na distribuição da renda, os países escandinavos têm desigualdade estonteante na distribuição da riqueza.

Quem lê este blog com frequência sabe que também frequentemente divulgo minha receita para o alcance da sociedade igualitária, sob o ponto de vista da tributação:

a) substituir os impostos indiretos pelos diretos (indiretos apenas para bens de demérito), 
b) imposto sobre heranças
c) imposto sobre a propriedade
d) imposto progressivo sobre a renda

E, claro, a chave do igualitarismo é o emprego. O emprego do governo deve centrar-se na produção/provisão de bens públicos (saneamento, segurança) e bens de mérito (educação, saúde). 

DdAB

23 agosto, 2022

Ressentimento e as Eleições de Outubro

(imagem da escola João Batista de Almeida)

Maria Rita Kehl, uma brilhante intelectual brasileira, deu uma longa entrevista ao caderno DOC do jornal Zero Hora (edição de sábado e domingo, 2 e 3 de julho/2022, páginas 2-4). Já sabemos que leio e às vezes a intitulo de Zerro Herra precisamente por erros grosseiros neste e naquele aspecto e um indisfarçável toque de reacionarismo, o que faz que aquele "leio" ali do começo da frase seja um tanto exagerado. Muito provavelmente leio talvez um terço do que é publicado ou talvez até menos. Por exemplo, como poderia eu ler, nesse mesmo caderno DOC, os pontos de vista de Eugênio Esber (who?) ou Leandro Karnal (him!)? 

Maria Rita Kehl, eu dizia. Ressentimento é a palavra-chave de metade da entrevista. Em 2004, ela lançara e eu comprara e lera em diagonal profunda

KEHL, Maria Rita (2004) Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Primeira providência: olhar o verbete no dicio.com.br:

Significado de Ressentimento substantivo masculino Ação ou efeito de ressentir; em que há mágoa, angústia ou rancor. Angústia ou mágoa ocasionada por uma ofensa, por uma desfeita, por um mal causado por uma outra pessoa; rancor: o rancoroso sempre carrega consigo seus ressentimentos.

Recolho trechos da entrevista sobre o tema, pois o considero altamente iluminado, ajudando-nos a entender taras de gente como Donald Trump, Vladimir Putin e Jair Bolsonaro e, o que é mais chocante, seus admiradores. O texto vai todo com fundo azul, mas também contempla algumas passagens de minha autoria/redação misturadas com as reflexões da própria Maria Rita:

Ressentimento: afeto, é um sofrimento mental e se liga ao atual cenário da política brasileira. Quem não consegue esquecer ou perdoar uma ofensa? Aquele que não reagiu à altura quando ela ocorreu. Então fica remoendo e depois ressentindo a mesma mágoa, a mesma ofensa.

O ressentimento se origina de uma pretensão de pureza moral que impede o sujeito de reagir. E uma reação possível é o desprezo. Isto difere do caminho da agressão física ou psicológica que se confunde com brutalidade.

A dificuldade que o sujeito ressentido encontra para perdoar a ofensa é diversa da busca por justiça. Na verdade, o ressentimento é um afeto que resulta da/s ação/s do próprio sujeito que o prejudicaram, mas ele não quer admitir, interesse ou covardia, que se deixou prejudicar. Ele re-sente, não querendo superar a mágoa: 'nunca vou esquecer o que me fizeram...' O sujeito se ressente para não se arrepender da ação ou omissão, por covardia ou interesse escuso. 

Na democracia, o pressuposto da igualdade de direitos que raramente se realizam, os excluídos lutam para conquistar direitos ou, quando se acomodam, tendem a se ressentir, que é uma forma neurótica do arrependimento. A revolta é ativa, combatendo a opressão, ao passo que o ressentimento é passivo. Sustento a hipótese de que os antipetistas, os que odiavam Dilma e comemoravam o impeachment, os que acreditaram na Lava-Jato e votaram em Bolsonaro, acreditando que ele representa o oposto de tudo o que aí está. E também os que anseiam pela volta dos militares. Parte desse grupo votou em 2018 em Bolsonaro por representar sem ressentimento, inclusive elogiando o torturador de Dilma.

Estamos em campanha eleitoral. Na próxima sexta-feira, começa a propaganda no rádio e TV. Claro que, dado que  retirei as candidaturas de Tatiana Roque, Renato Janine Ribeiro e Sílvio Almeida precisamente para enturmar na candidatura de Lula, agora torna-se claro que espero que, com ele, aquela turma ressentida persigne-se ante "um valor mais alto que se alevanta" e mudem o voto. E que os indecisos deixem vejam nesta argumentação o sinal para cair do lado certo, da esquerda igualitarista, da esquerda que promete fazer reforma tributária progressiva e reforma administrativa (especialmente no funcionalismo público).

DdAB

19 agosto, 2022

Elitismo Desfeito

 


(já vou informando: o marcador desta postagem é Besteirol, por contraste à imagem da Wikipedia que selecionei para ilustrar a tensão criada por Bolsonaro)

Primeiro:

Nestes tempos de pandemia, caí mais fundo nas leituras de duas ou três obras de Amartya Sen. Em setembro de 2018, aqui no blog, citei seu livro "The Idea of Justice", que andei reputando como o mais interessante que li na vida. Na Pandemia vim a ler mais alguma coisa. E tudo me faz rever o conceito de "abordagem das capacitações". Por sinal, li em Flávio Comim que aquele "capability" da língua inglesa foi-lhe desvelado pelo próprio Sen como sendo a cruza de capacidade com habilidade, uma chave do entendimento da abordagem.

Nesse clima de capabilidades e na leitura de "Home in the World" que sigo fazendo agora, ressalta a ideia de que o homem não pode ser entendido sob uma única perspectiva, digamos, "o cara é bolsonarista". Ele terá muitas outras dimensões que podem ter relevância para algo, quando não seja para sinalizar com uma luz vermelha. Bate na mulher? Bebe? 

Eu de minha parte, tenho várias, por exemplo, professor de economia política, ex-corredor de rua, torcedor simultaneamente para o Grêmio e o Internacional, da seleção brasileira de futebol, admirador do vôlei feminino na TV, cozinheiro especializado em molho de macarrão, e por aí vai.

Segundo:

Aliás, antes de ler Sen e a abordagem das capabilidades, no bar do bairro, desenvolvemos uma teoria tetra-dimensional para descrever namoros de adolescência, usando quatro critérios, quatro dimensões para descrever o objeto do amor, e não dezenas delas, como ilustrei com minha humilde pessoa:

PESO     ALTURA     SALÁRIO     IDADE

Faltaram atributos, é óbvio. Por exemplo, grau de instrução, mas o garçom salvou o modelo tetra-dimensional da escolha de namorada argumentando que existe enorme correlação entre salário e grau de instrução: nunca vimos um analfabeto, exceto o presidente da república, ser eleito para presidente da república, hehehe. Ou seja, tendo passado uma temporada nos EUA fritando hamburgers, o garçon falou em inglês: o salário é uma proxy para o grau de instrução. E já foi traduzindo

WEIGHT     HIGHT     WAGES     AGE

Mas ele mesmo indicou que outras dimensões, a rigor, quase todas correlacionadas entre uma ou outra das quatro modeladas, como religião, clube de futebol do coração, residência no verão, elegância ao trajar, prodigalidade ao dar gorjeta, etc.

Fiquei pensando em solicitar a assessoria do prof. Adalmir Marquetti para modelar quantitativamente essa viagem toda cujo significado político é inegável: se todo mundo tem diferentes dimensões a dar título a seus atributos, não há como manter critérios univariados que invariavelmente são elitistas.

DdAB

17 agosto, 2022

Minha Bolha e as Redes

 


Esta foto que nos encima vale milhões. Milhões de suspiros de felicidade. Divulguei-a para minha bolha do Facebook, eis que foi publicada no mural de Graça Brito, criando mais uma conta em um colar encantado. Lá escrevi:

O lado alegre da vida é observado em muitos momentos de nosso cotidiano. Hoje deparei-me com uma postagem de minha grande amiga Graça Brito que me renderá bons momentos por muito tempo, aquecendo meu coração:. Na publicação da amiga via-se o texto que segue:
"Marquinho Mota da Amazônia está com Alex Paiva e
.Fofurice para aquecer nossos corações
Escola infantil em Juruti/PA - Projeto de estímulo a leitura para crianças.
Via Facebook de Marilei Costa"


Então: Graça, Marquinho, eu, você.
Eu comentei: Para um sulista é mais que apenas formidável!

E vim rapidamente para cá, pois estou certo de haver muita gente fora de minha bolha do Facebook.

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