No outro dia, em conversa franca, fui indagado sobre qual minha opinião sobre o capitalismo, o modo capitalista de produção. Claro que fiquei em cima do muro, dizendo nem sim nem não, ou sim, sim e sim, não. Mas nunca disse não, não. Primeiro, na linha de Elias Jabbour e associado, a China é um país contemporâneo que apresenta o modo socialista de produção. Segundo, lembrando que a sociedade humana criou estruturas econômicas que foram classificadas como modo de produção primitivo, modo de produção escravista, modo de produção feudal, modo de produção capitalista, modo de produção socialista e modo de produção comunista.
Sempre pensei que a evolução entre esses modos de produção tinha a ver com os ganhos da sociedade em termos de evolução comunitária e aparente restrição de direitos de propriedade:
modo de produção primitivo: a propriedade dos recursos e dos bens e serviços disponibilizados pela natureza e pela escassa margem de trabalho embutido nos bens de caça, pesca e coleta, são de propriedade comum
modo de produção escravista, com direitos de propriedade praticamente nulos, pois nem a propriedade pessoal era assegurada aos escravos (e talvez aos outros que poderiam também ser tornados escravos)
modo de produção feudal, em que os direitos de propriedade vedam o direito de vida e morte sobre os servos. Estes, no dizer de uma das frases famosas de Karl Marx, são duplamente livres: livres para ir e vir e livres de qualquer propriedade...
modo de produção capitalista, eis que no capitalismo o trabalhador tem o direito de ir e vir, garantindo-se à classe capitalista o direito à propriedade privada dos meios de produção.
modo de produção socialista, quando a propriedade privada é abolida, sendo as máquinas, equipamentos, fazendas, edifícios, todos propriedade estatal
modo de produção comunista, em que os direitos de propriedade individual ou mesmo coletiva são todos abolidos: ninguém é dono das fábricas e nem mesmo de seu trabalho. Claro que para dizer que estamos falando numa sociedade avançada em matéria de abundância de bens materiais, vale a legenda de Marx: a cada um segundo suas necessidades e de cada um segundo suas possibilidades.
Quando esta classificação foi criada, ainda não havia "socialismo real". E quando este surgiu exalando sangue, suor e lágrimas por todos os poros, na União Soviética, ocorreram tantos desmandos, distanciando crescentemente a classe trabalhadora da camarilha dirigente que nem nos admira que tudo tenha ido para o museu dos modos de produção da história da humanidade. Mas tudo recomeçou, sigo Jabbour, com a China.
Então passo agora a falar sobre o tal lado alegre do capitalismo. Claro que, comparativamente ao feudalismo, já vemos um enorme lado alegre: acabou o cerceamento ao direito do trabalhador ir e vir. Mas há mais coisas boas a colher. Vou falar, na condição de professor de economia política neo-heterodoxo, em duas abordagens para a questão. A primeira é o conceito de eficiência que vim a retirar da literatura que dominei da economia de empresas. E a segunda é minha visão do problema sob a ótica marxista.
Para a economia de empresas, os três mais importantes desdobramentos do conceito de eficiência são:
a) Eficiência alocativa - quando o custo marginal é igual ao preço.
b) Eficiência distributiva - quando o custo médio é igual à receita média, ou seja, o lucro extraordinário é nulo.
c) Eficiência produtiva - quando o custo médio é mínimo..
E qual delas me levou a louvar a existência de um lado alegre do capitalismo? Exatamente a existência, em seu domínio de eficiência produtiva. A busca pela eficiência leva as empresas a usarem os recursos a seu dispor da forma que gera maior produto por unidade de insumo utilizado. Em outras palavras, em geral, isto significa produtividade do trabalho elevada, conduzindo ao crescimento econômico (mais recursos ou melhor uso dos recursos existentes).
A segunda abordagem para entendermos o lado alegre do capitalismo também tem a ver com a eficiência produtiva tratada nos moldes como o fiz pela chamada economia neoclássica. Mas agora estamos falando na abordagem da economia política radical, em particular a economia marxista.
Aqui estamos firmando a base de nossa argumentação na diferença entre preço e valor das mercadorias. Sabemos que o valor, para os economistas clássicos e mesmo os economistas políticos radicais contemporâneos, é dado pela quantidade de trabalho socialmente necessário embutido nas mercadorias. E o valor total (V) produzido pela classe trabalhadora em determinado período é dado pela média dos valores dos trabalhos individuais de Li trabalhadores:
V = V1/L1 + V2/L2 + ... + Vn/Ln.
Explicando: a empresa 1 contrata L1 trabalhadores, a empresa 2 contrata L2 trabalhadores, e assim por diante.
De sua parte, passando a falar no preço, temos
RT = pm x qm
onde RT é a receita total obtida com a venda da mercadoria m e qm é a quantidade vendida. Segue-se que
pm = RTm/qm
para o total de mercadorias produzidas, sendo individualizado como:
pm = RTm1/qm1 + RTm2/q2, ...
Sabemos que Marx postulava que Vm = pm,
ou seja, o valor médio da mercadoria é idêntico a seu preço médio. Agora estamos prontos para notar que os valores de RTmj e Vmj não necessitam ser idênticos, mais provavelmente sendo diversos.
Então a empresa que produz um valor Vmj menor que o preço pmj, isto é, que tenha a produtividade do trabalho menor que o preço, produz
Vmj < pmj.
Então ela produz menos valor e mais preço, o que a coloca numa posição privilegiada para acumular mais capitais ou distribuir o excedente de lucro para os proprietários.
DdAB
P.S.1 JABBOUR, Elias e GABRIELE, Alberto (2021) China: o socialismo do século XXI. São Paulo: Boitempo. (Aqui temos uma resenha bibliográfica: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/RFM/article/view/14788/14892)
P.S.2: pedi ao site GPT para conferir minha aritmética. Ele escreveu:
Aqui estabelecemos a base de nossa argumentação na distinção entre o preço e o valor das mercadorias. É sabido que o valor, de acordo com os economistas clássicos e até mesmo com economistas políticos radicais contemporâneos, é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário incorporado nas mercadorias. O valor total (V) produzido pela classe trabalhadora em um determinado período é calculado pela média dos valores dos trabalhos individuais de cada trabalhador:
V=L1V1+L2V2+…+LnVn.
Explicando em detalhes: a empresa 1 emprega L1 trabalhadores, a empresa 2 emprega L2 trabalhadores e assim por diante.
Falando agora sobre o preço, temos:
RT=pm⋅qm,
onde RT é a receita total obtida com a venda da mercadoria m e qm é a quantidade vendida. Daí segue:
pm=qmRTm,
para o conjunto total de mercadorias produzidas, individualizado como:
pm=qm1RTm1+qm2RTm2+….
É sabido que Marx postulou que Vm=pm, ou seja, o valor médio da mercadoria é igual ao seu preço médio. Agora estamos preparados para observar que os valores de RTmj e Vmj não precisam ser idênticos; mais provavelmente, serão diferentes.
Assim, a empresa que produz um valor Vmj menor do que o preço pmj, isto é, cuja produtividade do trabalho seja menor do que o preço, produzirá:
Vmj<pmj.
Isso significa que ela produzirá menos valor e mais preço, colocando-a em uma posição privilegiada para acumular mais capital ou distribuir o excedente de lucro para os proprietários.
Se você desejar mais clarificações ou ajustes em alguma parte específica, sinta-se à vontade para perguntar.