25 junho, 2023

Ulysses, o outro

 


Em compensação, estou lendo um livro que está me deixando encantado:

ECO, Umberto (1985) Diário Mínimo. São Paulo: Difel. Tradução de Miguel Serras Pereira a partir do original Diario Minimo, Milano: Mondadore.

Uma loucura essa coleção de crônicas. Cada uma cada vez mais surpreendente que a outra. Por exemplo, ele faz, em uma única crônica, a resenha bibliográfica das notas de 50 mil liras e 100 mil liras, impressas em 1967. Vou falar na crônica de encerramento do volume de Eco (não do Banco da Itália...), intitulada Dolenti Declinare (no Google Translate: reduzir a dor).

Trata-se, como diz um subtítulo entre parênteses de "relatórios de leitura para um editor). E qual seria o último, as últimas palavras do amado livro? Não é o "Ulysses", mas é o outro, o "Finnegans Wake". Cito ipsis litteris:  

Joyce, James. Finnegans Wake

   Por favor, digam aos serviços que estejam mais atentos quando enviarem livros para eu ler. Sou leitor de inglês e mandaram-me um livro escrito em não sei que demônio de outra língua. Restituo o volume num embrulho separado.

E não é, ipsis litteris, um comentário 100% válido para o Ulysses, do festejado autor dublinense? Jurei que nunca vou ler o Finnegans Wake. E estou vivendo verdadeiros infernais dire straits para vencer a tradução portuguesa publicada pela editora Relógio D'Água. Mas um dia termino e vou rir-rir-rir por não seguir lendo Joyce, a última obra dele.

Quem quiser saber mais sobre minhas posições sobre o Ulysses poderá usar o motor de busca do canto superior esquerdo do próprio blog e digitar ulysses. E um enorme mundo de atrações literárias se abrirão aos olhos curiosos do leitor curiosíssimo.

DdAB

P.S. Segue-se que em compensação sabe-se lá o que está sendo compensado.

04 junho, 2023

As Rimas Ricas: variações

 


Querido diário:

Faz tempo que não te chamo, blog amigo, de "querido diário". Mas hoje o fiz, pois retomo o marcador Besteirol, um tanto negligenciado nos últimos tempos. Tudo começou num táxi, quando o motorista me indicou o Restaurante Dodô (oslt) em Osório, no Morro da Borússia. Só que, como não conhecia, fui logo escrevendo borúcia. O corretor daqui do próprio blog denunciou, com seu sublinhadinho vermelho ambos os dois: Borússia e borúcia.´

Aí pensei: Borússia rima com Lúcia, ao passo que borúcia rima com astúcia. Achei, claro astucioso. Mas fui além, além de ter inventado coisas besteirolizáveis, inventei de pensar na questão das rimas pobres e ricas. Um exemplo de rima pobre que tirei do caderno de português do primeiro ano do curso científico em 1964 é rimar feijão e pão:

("[...] pode me faltar tudo na vida, 

arroz, feijão e pão; 

pode me faltar manteiga, 

o resto não faz falta, não.

Pode me faltar o amor:

isto até eu acho graça.

Só não quero que me falte

a danada da cachaça."

Então: feijão, pão, macarrão, caminhão, feijãozão, etc., toda essa turma é do clube das rimas pobres.

Mas achei, você nem acredita, o que tachei de rimas paupérrimas no velho L. V. de Camões e também no velho J. L. Borges: ou seja, uma palavra rima consigo mesma. Na postagem que fiz aqui, entusiasmado com a frase de Marcelo Gleiser (que nosso renomado físico não se sinta ofendido), sem sua autorização, transforme-a num hai-kai de rima, assim considerada, paupérrima:


Hai-Kai Independente (do Planeta 23)
O sentido da vida,
meu amor, minha vida,
é dar sentido à vida.

Mas temos ainda outro tipo de rima pobre (um advérbio com outro, com milhões de outros, advérbios:

Hai-Kai da Mente que não Mente

Olhei evidentemente

Para teus olhos somente

Pois tudo amei visualmente.

Aliás, no título deste hai-kai, temos "Mente que não Mente", uma espécie de rima pobre-rica: aquela mente-substantivo e a mente-verbo.

E as rimas ricas? Onde é que elas fica? (Epa!) Diz-se que uma rima rica combina duas palavras de categorias gramaticais diferentes. E a mais famosa, pelo menos para o Planeta 23, é aquela associando "estrelas" com "vê-las": um substantivo com um verbo e um pronome. E o Jorge Mautner que trocou "vê-las" por "comê-las". Romântico Mautner...

E ainda temos a rima pobre-rica: um verbo rimando com outro, mas em tempos verbais diversos: "Aquele beijo que te dei nunca, nunca mais, esquecerei". Dar é pretérito perfeito e Esquecerei é futuro do pretérito. Engenhoso ou causal? Diga você que agora me lê...

Essas reflexões todas são ou não são mesmo do marcador Besteirol?

DdAB

P.S. Aliás, Lúcia também rima com astúcia. Mas, em italiano, Lucia rima com afasia?