13 agosto, 2009

Assistida foi assistida

Querido Blog:Esta efígie origina-se do balé Dom Quixote. Como sabemos, Dom Quixote não é Dom Pixote, nem Arsène Lupin é Herlock Sholmes. Uma vez li uma história inteira e não sabia que Sholmes e Sherlock eram tão diversos quanto "assistir" e "assistir". Ontem voltei a envolver-me na discussão sobre clíticos. Com eles, toda a concepção de língua. Rege-me o mote de Stephen Pinker: não se escreve como se fala:: escreve-se como se lê. O "não" atrai o "se"; o segundo "se" colou-se ao verbo. Por que escrevo com ênclises? Fui treinado. Quem não o faz, começando frases com pronomes átonos é convidado a ingressar no Movimento MFP, ou seja, Me Faz Próclise, te chamo de castelhana.

E que tem isto a ver com as "Estrelas", de Ricardo Silvestrin, publicado à p.6 do "Segundo Caderno", de ZH? É que, na Internet, havia esta manhã 7.680 entradas para "Vende-se Sonhos" e outras 22.300 para "Vendem-se Sonhos". Ricardo citou o nome do grupo de teatro dos tempos antigos como o "vende-se". O grupo vendia ou vendiam, só pode ser uma delas, exceto se tratarmos de filosofia zen, quando poderíamos dizer "Benden-ce çonhos", o que seja, pois -se não existem deuses- tudo é permitido. O que é norma culta da língua escrita? Claro que não podemos ser:
.a. eu
.b. Silvestrin.

Por que não eu? Porque, ainda que cultíssimo, tive textos mutilados por editores incompetentes. Ademais, como editor, fiz incompetências parafrênicas. Por fim, como autor também andei dizendo coisas de corar corais. Sou invocado com
.a. "vende-se flores"
.b. "o fato de a venda de flores ser objeto"
.c. "Me faz próclise".

Por que não Silvestrin? Porque, ainda que cultíssimo, hoje ele disse: "[...] outra ótima peça que foi assistida por muita gene [...]" e "Quando assisti a essa última, eu já era grande." Ora, só pode ser erro de revisão de Zero Herra deixar no texto de um autor cultíssimo o erro de regência do verbo "assistir". Por pura coincidência, dias atrás, um menino de rua disse-me ter entrado com uma liminar para ter uma questão do concurso anulada, pois ele -suspeito de portar ativamente os espirros da gripe A- pois ele "a tudo assistia, quando acabava o samba se escondia". O menino de rua confirmou que, se conseguir mesmo aquela vaga para piloto de jato, sempre que enviar memorando às estrelas e às nuvens, evitará o "assistir", no sentido de "estar presente" como transitivo direto". Anuí, pois "quem sou eu", ingaguei-me?

Então a grande questão para reflexão não é não: não diga não ao ão ão ão! Pode silabadas? Pode próclises? Pode regências? Podem regência? Pode roubo no Senado, na Câmara dos D., na Assembléia, na Câmara dos V., no tribunal, no Tribunal, no Tri-bunal? no bunal, no bananal? O que pode e o que não pode, diga lá, meu senhor do bonfim, e o do menino deus.
DdAB

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