23 janeiro, 2021

Os 57 milhões e as 46 milhonas

 


Falo sobre milhões: 57 milhões de eleitores de Bolsonaro e 46 milhões de vacinas encomendadas e refugadas pelo presidente. No Facebook, vejo este manifesto, solicitando que seja passado adiante. Trouxe-o para cá, a fim de lembrarmos, quando o procurarmos no motor de busca do próprio blog, destes tempos amargos, os tempos de Bolsonaro, os tempos de Temer, os tempos do segundo mandato de Dilma. Tempos tristes, tempos que requerem mudança, como todos os tempos, embora as mudanças por que clamo agora sejam necessariamente pensadas, planejadas, organizadas, buscadas, louvadas. A primeira, claro é pensar numa frente ampla, varrendo das esquerdas até o centro.

Eis o manifesto editado por mim aqui e ali:

Estou pensando que não dá pra acreditar que esse governo segue, com tanto sangue nas mãos já devia ter sido afastado para garantir a VIDA! É a Vida ou o bolsonaro!!! 
Em abril de 2020 o Brasil foi convidado a fazer parte da Covax, a Aliança Mundial de Vacinas, uma coalizão de 165 países para garantir vacina contra a Covid-19. Pelas normas da Covax, o Brasil poderia encomendar mais de 200 milhões de doses (o equivalente à 50% da população brasileira). Pela sua população o país automaticamente estaria entre os 5 primeiros países a receber as vacinas. Em 04 de maio o presidente Jair Bolsonaro se recusou a fazer parte da Covax.
Em 15 de agosto de 2020 a gigante estadunidense Pfizer procurou o governo brasileiro para oferecer a venda de 70 milhões de doses da vacina. No e-mail enviado pela Pfizer havia a garantia que estes 70 milhões estariam à disposição do Brasil ainda em dezembro de 2020. Segundo Carlos Murillo, CEO da Pfizer, a empresa nunca obteve uma resposta do governo brasileiro.
Em 20 de outubro de 2020 o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello anunciou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. Em menos de 24 horas após o anúncio do Ministro da Saúde, o presidente da República, Jair Bolsonaro desautoriza Pazuello e suspende compra da vacina CoronaVac.
Se você está comemorando os 6 milhões de doses (que não foram suficientes nem para vacinar metade dos profissionais da saúde na linha de frente), lembre-se que poderíamos estar realmente saindo desta pandemia com os 316 milhões de doses que o presidente Bolsonaro se recusou a comprar!
Para ficar bem claro: 6 milhões de doses foram suficientes para vacinar 1,4% da população! 316 milhões de doses seriam suficientes para vacinar 78% da população! Com estes 316 milhões de vacinas importadas, o Instituto Butantan e a Fiocruz teriam tempo de sobra para produzir as 12% de doses que faltariam para vacinar todos no Brasil (e ainda aquecer a economia com a exportação das doses excedentes). Ou seja, se você ainda não tem a mínima ideia de quando será vacinado, agradeça ao presidente Bolsonaro.



Aqui termina o manifesto. E eu me assino:

DdAB

20 janeiro, 2021

Lembrança: o subjuntivo do presidente

 


(um presidente)

Tudo começou com este anúncio no Facebook:

Lembra que andei falando que 2021 seria um ano para esquecer?
[Exceto que 57 milhões votaram no jacaré]

Falava eu da última postagem de 2020. Então o prof. Conrado de Abreu Chagas entrou no assunto:

Quando daqui a alguns anos (os que sobrevivermos, claro está) nos lembrarmos destes amargos tempos (o tempora! o mores!), alguns de vergonha desejarão esquecê-los. "Em quem tu votaste, vovô?", ou "E a vovó, de que lado estava?", etc. Ai, ai, ai!

E acrescentou:
A propósito, acima aparecem exemplos do futuro do subjuntivo, uma peculiaridade dos que nos comunicamos em português.

Aí, fui perfungando-lhe:
Professor: e aquele "if I were" do inglês?

E ele respondeu, dando-me a ideia de encadear esta explicação nos marcadores de título "Conradianas":

 
Duilio
, bem lembrado. É um caso de subjuntivo, mas não de futuro, e sim, as you well know, de passado do subjuntivo. Creio que em inglês se use ainda, num registro elevado, o futuro com a forma "be", como ilustra a forma praticamente congelada "be it as it may". Observa, ainda, que mesmo a forma subjuntiva aconselhada "if I/she/he were", ao menos na Inglaterra, e com certeza na fala, é muito pouco usada. A galera usa "was" instead. Aliás, há flagrante preferência por "was" em outros contextos, pois não é incomum ouvir os britânicos dizerem "we/you/they WAS" no past simple. Voltando ao subjuntivo, esse modo amplamente usado no latim clássico, vem perdendo espaço nas línguas modernas: no inglês praticamente não existe, no francês se resume ao presente e no português já se lê na literatura do século XIX o imperfeito do indicativo no lugar do do subjuntivo, à moda do que se passou no francês a partir do século XVIII. Pergunta: estaríamos em vias de viver num mundo sem subjuntivo?

Claro que me emocionei e pedi:
Peço permissão para editar tudo isto e colocar no blog, propagandeando aqui, como faço sempre.

E ele:
Claro, Dondo. Mete bronca. Feliz 2021, meu amigo. Abraço
Estávamos festivos. Estávamos ávidos de saber mais e não esquecer o que já aprendêramos. [Como sabemos, "Dondo" é meu apelido familiar que tentei esconder dos amigos extra-família durante 50 ou 60 anos.]

Dias atrás, veio-me à mente o verbo "ornejar", talvez homenagem de fim-de-ano ao presidente Bolsonaro, se bem que nem sei como se chama a voz do jacaré. Olha aqui. Então, quando eu falava em 

Lembro, lembrei, lembrava, lembrara, lembrarei, lembraria
podia ter substituído por ornejo, sempre homenageando o desastrado presidente da república 

ornejo (ele), ornejei (ele), ornejava (ele), ornejara (ele), ornejarei (ele), ornejaria (ele).
E o subjuntivo: que eu (ele) orneje, se eu (ele) ornejasse, quando eu (ele) ornejar.


DdAB

19 janeiro, 2021

O Hino Sul-Riograndense e os Mulatos


(Legenda: Sertanejo João Mulato [...])

Muitos anos atrás, uma conversa inteligente e ampla levou um dos interlocutores a afirmar que a palavra "mulato" era depreciativa para os negros (conjunto que abarca o que o IBGE classifica como "pretos" e "pardos"), pois significava "o homem que cuida das mulas". Achei interessante. E estranho. Desconfiei. E volta e meia, irregularmente, voltava a pensar no tema. E alguns dias atrás, depois que estourou a posse dos vereadores de Porto Alegre, no primeiro de janeiro, um deles, alguns deles, não cantaram o hino estadual sul-riograndense, mantendo-se sentados. 

Os novos edis estavam desgostosos com um dos versos do hino xaropão que afirma: "povo que não tem virtude acaba por ser escravo". Implicação lógica (a afamada backward induction): o escravo origina-se de um povo que não tem virtude. E um político já aproveitou a situação e sugeriu um escalafobético meio de consertar esse disparate poético-patriótico. Eu mesmo desgostoso com a solução oferecida pelo político, aproveitei e dei algumas sugestões de mudar o conteúdo e a métrica do verso tido por negros como racista (aqui).

Com essa encrenca toda rodando na cabeça, desde aquele mundo eivado de julgamentos sobre o que é e o que não é politicamente correto -expressão que, pela primeira vez, vi pronunciada num noticiário da BBC-TV por Jeremy Paxman tipo em 1992, no máximo)- obviamente voltei a pensar no termo "mulato".

A memória retinha um resultado da pesquisa que fiz à época daquela conversa inteligente, como defini. Olhando alguns anos atrás, lembro de ter procurado em meu velho (comprado de segunda mão) dicionário Webster. Só não lembrava bem o que encontrara. Dias atrás voltei a consultá-lo, ao Webster, e descobri a origem da palavra: o espanhol. Então percebi que não foi lá que eu vi a negação de tratar-se do homem das mulas. Mas veio-me a dica: é uma palavra incorporada à língua inglesa, escrita "mulatto" originária do espanhol.

Fala aí, Webster: 

mulatto, n,. pl, mulattos [Sp, mulatto, a mulatto, of mixed breed, from mulo, a mule]

   1. a person one of whose parents is a Negro and Causasian, or white.

   2. popularly, any person with mixed Negro and Causasian ancestry.

Então ontem, ou ante-ontem, dei uma olhada em meu velho dicionário de espanhol. E encontrei:

MULATO, TA adj y s. Nacido de negra y blanco o al contrario. De color moreno. M. Amer. Mineral de plata obscuro o verdoso.

Ou seja, por este lado, nada existe de "homem das mulas". E o interessante é que não fala de negro e branco, mas negra e branco. Este fato vernáculo interessante leva-me a evocar que, no Brasil, a maioria dos descendentes de pret@s ou pard@s tem -pelo que dizem os especialistas e guardo na memória- mais ascendência feminina que masculina.  Óbvio que esta prática de "produção de mulatos" remonta aos colonizadores portugueses.

E aquele "ideal de branqueamento" da população não nega o que Richard Dawkins escreveu sobre a Inglaterra: a cor dos escravos negros foi, ao longo do tempo e sucessivos caldeamentos, absorvidos pela população. Hoje existiria no país de Elisabeth uma enorme proporção dos afro-descendentes que se pode imaginar pela avaliação da cor das pessoas. E, no Brasil, eu, logo eu que não gosto de falar palavrões em redes sociais, lembro a frase presente lá na "Casa Grande e Senzala": "preta para trabalhar, branca para casar e mulata para f....". [sic]. Por curiosidade acrescento que, em 1964, havia intermináveis discussões entre os alunos do primeiro ano do curso científico do Colégio Estadual Júlio de Caudilhos, em Porto Alegre, sobre o livro exibir quatro pontinhos depois do 'f' ou apenas três.

Para concluir minha busca, peguei meu Dicionário Etimológico Nova Fronteira e li:

[...] mulatEIRO sm. 'orig. condutor de mulos, almocreve' XVI; 'jumento de cobrição de éguas para a produção de mus' 1899. Do cast. mulatero. [...] || mulato sm. 'ant. mulo', 'filho de pai branco e mãe preta, ou vice-versa' 1524. Do cast mulato.

E que vim a concluir? Primeiro que houve (e ainda há, lamento dizer) escravos com virtude, embora nem todos. Segundo, que a palavra mulato tem mesmo esses dois significados: rebento da união sexual entre branc@ e negr@ e homem das mulas. Para quem valoriza a problematização do que é e o que não é politicamente correto, recomendo não usar o termo que, deste modo, do homem das mulas, só pode ser ofensivo. Exceto, claro o violonista João Mulato, que ganhou o apelido na mais profunda boa-fé.

DdAB

P.S. Nota no anúncio que fiz no Facebook sobre esta postagem escrita pelo prof. Conrado Chagas:

"Mulo" vem direto do latim "mulus, i", termo com que se fazia referência ao macho, filho de cavalo com burra (asina, ae), ou de égua com burro (asinus, i). Se fosse fêmea, era "mula, ae". Parece que foram mesmo os espanhóis que primeiro usaram a denominação "mulato(a)" para refirem-se aos mestiços de europeus com povos indígenas. "Por su origen híbrido, como el del mulo, dícese del mestizo de las razas blancas y negras" (leio no Anaya). Duas observações: já sabemos que não se tratam propriamente de "raças" distintas, e o adjetivo "negro" não se refere exclusivamente aos indivíduos da África sub-saariana, já que historicamente inclui tbm os indígenas. Aliás, a mestiçagem com os indígenas foi política de Estado. Seja como for, o mestiço sofria e ainda em grande parte sofre preconceito. O termo mulato, no entanto, se impôs e vem, até onde vejo, sendo usado com certo orgulho, apesar de sua origem pejorativa.

p.A. E ainda tem oss americanos chamando as empregadas domésticas latino-americanas de <muchachas>.

12 janeiro, 2021

Mudança do Hino Sul-Riograndense: primeiro tiro n'água


 

Ela, não podia deixar de ser ela, a Zero Hora. Ele, não poderia deixar de ser ele, o Túlio Millmann. Na página 4 do exemplar de hoje do jornal, Túlio tem uma manchete tamanho gigante: "Projeto quer mudar o Hino Rio-Grandense". E diz que o deputado Luiz Fernando Mainardi conversou com duas vereadoras negras*, de Porto Alegre e Bagé, criticando a forma atual do hino:

"povo que não tem virtude acaba por ser escravo"

por

"povo que não tem virtudes acaba por escravizar".

Achei meio imbecil esta proposta de troca. Claro que o primeiro trecho tem tudo a ver com o desprezo que hoje atribuímos a manifestações racistas: como, assim, que escravos estão no clube da turma sem virtude? ... da qual incontestavelmente fazem parte os políticos... Em certas rodas existencialistas, eu já teria nascido escravo, independentemente das eventuais virtudes que posso ter trazido desde meus tempos de nascituro e depois de dado à luz. Entre elas, destaco o choro lacrimejante, a barriga na miséria (vazia de fábrica), e por aí vai Vovó.

Mas, em boa medida, nem me cabe ficar falando no hino sul-riograndense, pois nem nasci nesta quadratura: "eu sou do Rio de Janeiro, diz que Deus diz que dá...". E não me chamo Conrado, mas não posso deixar de registrar que notei que aquela "virtude" poderia mudar para "virtudes", o que me excluiria do clube, como mencionei. Sou contra tascarem o "s" naquela "virtude" do hino racista... Ao mesmo tempo, parece-me que nada há de mais imbecil, como registrei, que trocar aquele 6 por 12/2 é, como direi?, imbecil. 

Não sei classificar linguisticamente, mas sinto -filosoficamente- que "virtude" é um conjunto que abarca todas as virtudes, ao passo que "virtudes" refere-se a um conjunto restrito, como o choro com lágrimas, a saliva com certo conteúdo de bactérias streptococus mutans, e assim por diante.

E a métrica da excelência Mainardi? O original "povo que não tem virtude acaba por ser escravo" tem po-vo-que-não-tem-vir-tu-dea-ca-ba-por-se-res-cra-vo, ou seja, 14 sílabas da contagem poética. De sua parte aquele "povo que não tem virtudes acaba por escravizar" tem po-vo-que-não-tem-vir-tu-de-sa-ca-ba-po-res-cra-vi-zar, conta com suas 15. Perdemos métrica, mas ganhamos uma sílaba poética. Assim não conto um empate: em qualquer caso, conto derrota.

Agora, se é para desrespeitar a métrica do hino que se põe novamente sub judice, proponho:

a) povo que não preza o igualitarismo terminará elegendo governantes que não privilegiam a formação de capital humano, com gastos direcionados aos setores da educação, da saúde, da segurança, do saneamento, das relações diplomáticas,

b) povo que não tem virtude não tem vergonha na cara, como é o caso daquela fração dos 57 milhões que votaram em Bolsonaro em 2018 e até hoje ainda não se arrependeram; que precisa fazer nosso presidente para mostrar a tod@s que ele próprio não tem qualquer virtude (areté, em grego)?

c) a tolice da intelligentsia brasileira é não entender que o verdadeiro problema do Brasil é a desigualdade e não aquela macaquice de casa-grande-senzala ou mesmo a cordialidade e ainda, tudo conforme Jessé Souza, a casa-e-a-rua.

Acho que bastam mais três contribuições para o tema.

DdAB

*Pelo que pude apurar pela própria foto de Mainardi com Laura Sito que compõe a notícia e procurando o nome de Caren Castêncio no Google também lhe atribuo a cor negra (conjunto que abarca pardos e pretos, na linguagem do IBGE).

P.S. Por estas e outras é que sou francamente favorável ao fechamento dos estados e, com eles, as assembleias legislativas estaduais e o senado federal!

P.S.S. A imagem é a tal 'areté' em grego que retirei da Wikipedia.

P.S.S.S. Comentário do prof. Conrado Chagas lá no Facebook: 

A contagem das sílabas (pés) métricas aumenta, Dondo, como observaste. Te pergunto: e a rima como fica no projeto? Sim, pq "escravo" rima com "bravo". Qual é a solução que propõem para rimar com "escravizar"? Entendo que, como está, o hino pode ter uma interpretação racista, já que dá a entender que aqueles que foram escravizados assim o foram por inépcia de virtude. Mas não seria o caso de deixar os poetas resolverem o imbróglio, talvez por meio de um concurso? Gosto do Mainardi, mas não me consta que tenha lidado com versos.

10 janeiro, 2021

Lixo Seco: dicas sempre atuais

 


Lixo seco é reaproveitável: papel, plástico, vidro, metais.
Lixo úmido ou orgânico: é descartado e pode virar adubo: restos de alimento, bebidas, plantas, papeis molhados.
. guardanapo com gordura ou batom não é reciclável.
. caixa de pizza, se estiver suja de gordura, não é reciclável.
. papel higiênico não é reciclável.
:: não é recomendável lavar itens antes de enviar para reciclagem: alternativa é lavar com água de reuso.
:: cestos coloridos para reciclar não facilitam: o ideal é separar lixo seco do lixo úmido.
:: não é recomendável jogar óleo de cozinha na pia: ideal é separá-lo em garrafas PET e chamar cooperativa especializada.
:: lâmpadas, pilhas e aparelhos eletrônicos não devem ir para o lixo comum: há pontos de coleta especiais em lojas ou locais públicos.
:: isopor resíduo é reciclável, mas não há no Brasil muitas cooperativas que trabalhem com este tipo de lixo. 

Uma utilidade pública do Planeta 23...

DdAB

01 janeiro, 2021

Os Três ou Quatro SSSs de Assis Brasil



A cada dia, a gente entra em cada fria... Hoje terminei de ler o livrinho

OSÓRIO, Pedro Luiz da Silveira (1986) Assis Brasil. Porto Alegre: Tchê. Coleção Esses Gaúchos.

O livrinho, claro, não é fria. Mas algo nas páginas 76-7 levou-me a pensar que a querela sobre como se escreve o nome do país Brasil-Brazil talvez seja interminável. Já me dediquei ao tema aqui e, secundariamente, aqui. Na segunda, aquela intitulada "Querelas do Brasil" já vemos a primeira querela nos dois versos iniciais: 

O Brazil não conhece o Brasil

O Brasil nunca foi ao Brazil

Podemos observar a existência de uma incompreensão recíproca entre Brazil e Brasil: quem veio primeiro? Sempre achei que o Brazil antecedeu o Brasil. E alinho argumentos aqui e ali nessas duas postagens. Mas agora vejamos um trecho das páginas 76-77 que acima referenciei. Estamos falando da vida de Assis Brasil, autor prolífico e, se posso usar um termo recentemente incorporado a meu vocabulário, um polímata. E o autor está elogiando sua rica e variada produção literária.

[...] No livreto Brasil escreve-se com S [sic] [Assis Brasil] provou, recorrendo a obras históricas, que apenas o inglês e o holandês adotaram a grafia Brazil [sic]. E espantava-se com o fato de, ao contrário do invasor adotar a língua do invadido, os portugueses e neo-portugueses procedessem de modo inverso: 'É fato talvez único na história, e com certeza o único dos tempos modernos - o dos cidadãos de uma mesma nação discordarem sobre a ortografia do nome do próprio país. É único, mas bem expressivo: no Brasil tudo está por fazer, desde a ortografia do próprio nome', escreveu ironicamente no livro que contém o discurso de Carlos Goicochea, ao assumir a cadeira de AB [Assis Brasil] na academia - publicado pela própria academia, em 1941 - o nome do patrono aparece grafado Assis Brazil. [...]

O tal livreto é Brasil escreve-se com S. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1918 [sic]. Retirei esta referência da Wikipedia no verbete "Assis Brasil". Na pandemia, nem penso em ir à Biblioteca Pública para examiná-lo. Mas penso que meu colega e amigo Pedro Silveira Bandeira, um bibliófilo de qualidade especial pode tê-lo em sua coleção. 

A primeira constituição da república dos Estados Unidos do Brazil é de 1891. O nascimento de Assis Brasil ocorreu em 1857, ou seja, mais velho que ela. Quer dizer, ele - homem espantosamente erudito e leitor contumaz - certamente a conhecia par coeur. E ainda assim ele falava em Brasil. Eu apostaria uma rodada de cachaça num bar das redondezas que a certidão de batismo/nascimento dele deveria registrar Assis Brazil. Só lendo o "livrinho" para saber suas razões para mudar a grafia do nome paterno.

Àquele trecho de cidadãos discordarem do nome do país, acrescento a mudança de Estados Unidos do Brasil para República Federativa do Brasil. Este nome andou colando em meia-dúzia de constituições e, felizmente, naquele ridículo em que se plebiscitava se o país seria república ou monarquia, perdeu a corrente monárquica. Houvesse vitória, veríamos outro nome. Como sabemos, sou contra mudanças ortográficas: não lemos Camões não é porque ele escrever arrevesado (para nosso padrão), mas pela semântica: "armas e barões assinalados": que é isto? Obviamente, portanto, sou contra terem mudado o nome do país para Brasil. E contra Assis de Tal ter usado como seu nome para Assis Brasil.

Prometo que, se eleito vereador for, vou mudar o nome da avenida Assis Brasil para avenida Assis Brazil.

DdAB

P.S. Na constituição de 1934, já do clube da ditadura de Getúlio Vargas, vemos o nome de Estados Unidos do Brasil. Na seguinte (cognominada de 'polaca'), de 1937, também vemos o nome de Estados Unidos do Brasil. Mantêm-se os estados unidos, mas cai Brazil e perfila-se Brasil, que vigora até hoje. No outro dia, falei na seguinte, de 1946, que regeu minhas ações até 1967, quando mantive a cidadania, mas fiquei mais desamparado.

P.S.S. Sou perjuro, pois andei assegurando que a mudança de Brazil para Brasil ocorrera na onda da reforma ortográfica de -se bem lembro- 1943.

P.S.S. O professor Conrado de Abreu Chagas, e poderia ser outro alguém, que não ele?, mostrou-me o artigo 'Brasil', um nome celta que habitava o imaginário medieval, de Pedro Paulo A. Funari, disponível aqui, que me levou a firmar a convicção que o nome do país não tem a ver com o pau-brasil, mas com a terra a oeste da Europa que teria lá suas doçuras e fontes de felicidade. Nesse artigo, o professor Funari (da Unicamp), usa 25 vezes a grafia "Brasil" e nenhuma, a "Brazil". Acho que ele não se preocupava com esta questão, mas não teho dúvida de que, no tempo antigo, escrevia-se mais Brazil que Brasil. Creio ser a esta duplicidade que Assis Brasil se refere quando diz: "cidadãos de uma mesma nação discordarem sobre a ortografia do nome do próprio país".

P.S.S.S. E não seria outro senão o professor Conrado a indicar-me algo mais power sobre quando oficialmente o Brazil passou a chamar-se Brasil. O artigo

FRANCO, Maiara Ferreira Fraga do e SOUZA, Thales Ribeiro de (s.d.) Descobrindo uma pequena parcela da identidade nacional: mudança ortográfica da palavra 'Brasil'. N.B. na página 1 do artigo lê-se: "estudo realizado pelos acadêmicos Maiara F. F. do Franco e Thales R. de Souza para cumprimento parcial da disciplina de “Morfologia e Sintaxe Histórica” do curso de Letras – Língua Portuguesa da UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense), orientados pela professora Dra. Fernanda Cizescki." 

Pois então. Na página 8, podemos ler: "[...] também houve uma reformulação oficial da troca da grafia no país. Esta mudança ocorreu em 15 de junho de 1931, onde se lê no Art. 3, inc. XVI, "a" do Decreto 20108/31, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas que: “Fixar a grafia usualmente dubitativa das seguintes palavras, seus derivados e afins: a) Brasil e não Brazil”. 

Ainda neste P.S.S.S, cabe lembrar que o livro de Assis Brasil é de 1918, ou seja, 13 anos antes do decreto getulista. O decreto está aqui.