24 fevereiro, 2022

Za Mir: os bons tempos

 


Há muitos anos, os registros perderam-se no tempo, li o livro, com notação mais ou menos acadêmica:

AMADO, Jorge (1951) O mundo da paz. Para mim, s.n.t., mas referenciado no site de Jorge Amado aqui.

E retive traços que, com o tempo, viraram fumaça, falando com redundância, esfumaçando-se, e outros tantos que hoje lembro de modo enviesado. Este livro é o relato de viagem que o autor fez pelo que já se chamou de Cortina de Ferro e auto-proclamado União Soviética, CCCP. 

Muita coisa esfumaçou-se, mas guardava na memória que, na Romênia, tão próxima na língua e tão distante no sistema político, podia-se ir a uma banca de revista e dizer em portuguẽs: "Dê-me um jornal" e o revisteiro entender em seu romeno, dar-nos o jornal e nós sairmos de lá lendo o jornal. Tudo igual. Mas depois veio o desmentido: não é bem assim. E nem lembro como é, mas aqui temos algo. 

Em compensação, também aprendi que "sou pela paz", em russo, escreve-se (transliterado) "Za Mir". E, naqueles tempos em que arrumei tempo para ler montes de Jorge Amado, inclusive seu livro de viagem ao, para mim, desconhecido mundo socialista, tudo eram revelações. Já fui pensando em estudar na Romênia (e tenho o amigo mexicano Pablo que conheci em Berlim e estudou economia lá), na Patrice Lumumba de Moscou, na Polônia, em tudo que era lugar das repúblicas socialistas. E, pensando melhor, fui ficando por aqui mesmo, ainda que acossado pela ditadura militar de 1964-1985, algo assim.

Em compensação, hoje entendo a anexação da Criméia pela Rússia do general Vladimir Putin um descalabro. E outro de mesmo jaez a anexação da Ucrânia. Entendi o oportunismo (no sentido de Williamson) da Rússia ao perceber a fraqueza do governo americano. De sua parte, neste mundo mad mad mad, parece que quem desponta na curva são os republicanos e, com eles, mau, mau, mau, Donald Trump. É um mundo estranho que está a se formar. A China como fiel de balança com viés pró Rússia. E o Brasil de Bolsonaro também. Não é indício de que o fim do mundo deve chegar ainda antes do Gre-Nal deste sábado?

DdAB

P.S. Já usei esta imagem da pomba da paz de Pablo Picasso ilustrando postagens no Planeta 23 milhares de vezes.

13 fevereiro, 2022

O SUS e o Significado de Universalidade

 

Tem muito juiz mal preparado, inclusive sem saber que aqueles óculos redondinhos que vemos estampados no rosto de John Lennon eram distribuídos gratuitamente pelo SUS britânico (ou seja, o NHS - National Health Service) naquele tempo áureo da social-democracia no reino, na Europa e em boa parte do resto do mundo.

Mas tem ainda mais falta de preparação dos juízes, de muitos juízes do desafortunado Brasil: ganham milhões e não estudam. Muitos juízes são especialmente desconhecedores da teoria da escolha pública (TEP). Deixo claro, não são todos os juízes, como posso presumir. Ao mesmo tempo, alinho ao lado deles milhões de estudiosos, formuladores e outros envolvidos com o desenho e aplicação das políticas de governo que desconhecem as reflexões teóricas da citada TEP que podem dar escopo a sua atuação. 

Sem uma base mais sólida sobre as questões das falhas de mercado e falhas de governo é impossível um juiz exarar boas sentenças nos assuntos governamentais. Por exemplo, é sabido que,  volta e meia, ordens judiciais furam a fila de transplantes de órgãos. Outro exemplo: juízes mandam o SUS pagar medicamentos muito caros para uns, enquanto que medicamentos mais baratos para outras doenças são sonegados precisamente pela falta de recursos para tudo.

Falo agora da incompreensão por parte desse grupo do significado do termo "universal" envolvido pela sigla de SUS - sistema, único e de saúde. Agora começa.

Único não é sinônimo de universal. O primeiro termo pode bem estar descrevendo um monopólio, digamos, de tecnologia D.25 para internet com impressão em 3D, algo pirado e só concebido para dar este exemplo. Como sabemos, um monopólio puro, modelado na teoria econômica elementar e, mais recentemente, nos últimos 50 anos, na teoria dos jogos, não existe no mundo. Naqueles tempos dizia-se que havia um monopólio, o único reconhecido como tal, na indústria (de um só produtor) de máquinas para fabricar sapatos, uma empresa americana que, no devido tempo, teve seu poder de mercado quebrado pelos italianos.

Outra instituição universal é a renda básica da cidadania prevista na lei 10.835/2004. 2004! Segundo ano do governo Lula e negligenciada durante todo o lulismo. Pela lei (ainda a ser cumprida por algum governo decente), todos, indiscriminadamente, independente de outros ganhos, serão credenciados a receber certo estipêndio mensal, compatível com o grau de desenvolvimento econômico do país. Todos indiscriminadamente têm acesso a ela, desde o vereador Eduardo Suplicy que fez o projeto enquanto senador a Chico Buarque e Chico Zé, um descendente de portugueses que conheci.

Com universal, a encrenca é diferente: tem que servir para habitantes da Terra e de colônias extra-lunares, além das lunares propriamente. Num sistema universal, todo mundo tem acesso àquilo que está sendo universalizado. Então isto significa dizer que tenho acesso a um iate de 15 pés? Claro que não, pois não tem nenhuma linha de modelos de 15 pés de iates sendo universalizada. E aí chegamos na sempre elogiada por mim teoria da escolha pública: o iate nem precisa ser universalizado para ver sua escassez administrada, pois há dois mecanismos de mercado coibindo seu uso, sua compra: a exclusão e o consumo rival. Exclusão significa dizer que consumidores com poder aquisitivo insuficiente estarão barrados ao consumo de iates. Rivalidade no consumo quer dizer que, se minha avó compra um iate de 15 pés (para permitir-me pular o carnaval embarcado, presumo), tua avó não poderá comprar aquele mesmo que vai parar em meu ancoradouro.

O SUS propõe-se a cumprir o mesmo preceito. Mas existe uma diferença importante entre renda básica e SUS. No segundo caso, precisamos pensar no conceito de hierarquização das necessidades humanas. Tirei a lista que segue da Wikipedia hoje mesmo:

Necessidades Básicas (primárias)
::: Fisiológicas 
::: Segurança
Necessidades Psicológicas (secundárias) 
::: Sociais 
::: Estima 
Necessidades de Autorrealização

Pois então. No caso do SUS, trabalha-se arduamente pela consolidação de seus princípios doutrinários (universalidade, equidade e integralidade nos serviços e ações de saúde), bem como dos princípios que dizem respeito a sua operacionalização (descentralização dos serviços, regionalização e hierarquização da rede e participação...".

E agora termino: juiz mandar hospital furar fila de transplantes de órgãos, juiz mandar o SUS importar remédios caríssimos (em detrimento dos baratíssimos, por exemplo, para acabar com a barriga d'água), tudo isto é uma insanidade geral. Mostra apenas o despreparo, em linhas gerais, do sistema judiciário (da polícia aos juízes).

DdAB