Querido Blog:
Circunstâncias ainda não bem explicadas levaram-me a selecionar esta galinhada para ilustrar a postagem de hoje. Seu caráter é bastante recapitulatório, como sugere a lembrança diária do fruto do trabalho de uma galinha poedeira. Um dia, um menino de rua indagou-me se medimos em dinheiro a quantidade monetária correspondente ao valor adicionado de um ovo. Ele mesmo disse que a pergunta não está bem formulada, mas deixou claro que a produção de ovos é resultado do esforço humano e não da galinha poedeira, com o quê tive de concordar, dado o conceito de valor.
Como tenho dito, valor é M x V, ou seja, o estoque de moeda em circulação na sociedade em determinado período. A rigor, nunca deixei bem claro ao menino de rua que não é bem assim: valor se mede em horas de trabalho, mas o estoque de moeda se mede em unidades monetárias. Meu venerado Andras Bródy, além dos professores de física de meu segundo grau, levou-me a entender que a dimensionalidade de uma equação é seu teste mais banal. Reprovada nele qualquer proposição teórica não tem possibilidade de ensejar qualquer investigação empírica, para não falar da calibragem de parâmetros num modelo expermental.
Seja como for, se os valores (medidos em horas de trabalho) transformaram-se em preços (medidos em unidades monetárias), haverá, de qualquer jeito, algum mecanismo dimensional que permite dizermos que M x V = P x Y. Talvez eu nunca devesse ter dito "=", mas o operador "v" que inventei há alguns anos, ou seja, M x V "vale" P x Y. Seja como for, talvez a chave da compatibilização das unidades dimensionais dos dois lados da equação possa residir em "V", a velocidade de circulação da moeda, o que agradaria Bródy, Georgescu-Roegen, Milton Friedman, e por aí vai... Chove em Porto Alegre, mas -se encontrar o menino de rua ao sair (eu) para o almoço- dir-lhe-ei que aquela objeção da dimensionalidade não deve ser muito pesada.
Se, como tenho suposto, corrigirmos a unidade de tempo adequadamente para a mensuração do valor das mercadorias, podemos considerar que, com suas unidades de medida, V = P, o que faz M = Y, onde vemos diretamente que é o presidente do banco central que determina o quanto vai ser produzido. Claro que M poderia ser algo como M = m x Y, ou seja, um múltiplo ou submúltiplo da renda. Em particular, tenho em mente que a oferta de moeda segue mais de perto a soma do valor adicionado com os insumos, ou seja, o valor da produção.
RODAPÉ AO PARÁGRAFO, ou rodágrifo: eu disse "renda", mas devia ter dito "valor adicionado".
O valor da produção é gerado pelo trabalho, e esta dupla tem a admirável propriedade de, ao articular-se sadiamente, gerar valor adicionado, ou seja, o excedente econômico. O exemplo banal é o cereal: [VP=colheita] = [Ins=semente] + [v=excedente]. Por seu turno, o valor adicionado é um conceito que contribui para a confusão que ajuda a dificultar a vida humana no planeta. Claro que não falo em coisas que aconteceram há 1.000 anos, mas em coisas de hoje e do ano que vem. Podemos mudar o futuro com deliberação, se pensarmos insistentemente em como fazê-lo! Ou seja, valor adicionado não é "produto", mas simultaneamente "produto", "renda" e "despesa". O produto é sua geração, ou seja, não é produção, que produção é do valor da produção. A renda é apropriada, e isto não quer dizer que o trabalhador meeiro que ganhou uns sacos de soja como remuneração de seu esforço produtivo venha a absorvê-los, ou comê-los. Soube do caso de um menino de rua que apropriou-se de uma maçã do pomar da casa de um desafeto (que lhe botou os cachorros), mas não a absorveu, pois um colega de ponte o fez. A confusão é grande, pois estou negando que a maçã seja o valor da produção, mas tampouco estou negando que a maçã seja o valor adicionado, pois o menino de rua não despendeu um pila sequer em insumos!
Quero insistir no ponto do lado real da economia. Pensar em incentivar o crescimento do valor adicionado por meio de incentivos à criação de valor da produção está certo. O erro de alguns apressadinhos (entre eles, o próprio Keynes) é pensar que a solução é incentivar a despesa e apenas a despesa. Ou seja, por exemplo, se tu aumentas o consumo do governo por meio do crédito, estamos aumentando a despesa que, via mecanismos sabe-se lá quais, mas que são mimetizados pelo modelo de Leontief, vai levar a aumentos no valor da produção. Mas o Sr. Menino de Rua disse-me que também podemos conceber modelos em que aumentos na renda (a renda básica que seu pai lhe pede há tantos anos) é que, por meio de mecanismos não mais misteriosos, também estaremos elevando o valor da produção. "Então -concluiu ele, triunfante- esse negócio de promover a Petrobrás e não a escola de mendigos ou o que seja é pura ideologia cuja defesa a classe dominante delegou aos encargos dos economistas apressadinhos (inclusive Keynes)". O pai dele, que a tudo assistia e -quando acabava o samba- se escondia, balbuciou, que bem o vim a ouvir: "Fetichismo!". Anuí, claro.
Quem causa o quê? Eu tenho sugerido que é a oferta monetária, ou seja, o Sr. Henrique Meirelles. Uma das tias do menino de rua de que falei acima olhou-me com desconsolo e exclamou: "Tu, com estas idéias, não serve nem para bucha de canhão das hostes monetaristas." Ainda que, juntamente com os monetaristas, eu defenda a soberania do Banco Central, que garanta a estabilidade dos preços e, como tal, contribua para a execução do orçamento público, senti certo orgulho em não ser alinhado a nenhuma escola de pensamento econômico de nosso conhecimento presente ou passado. O futuro está para ser escrito. "Keep walking, teria dito o whisky Johnnie Walker, a melhor maneira de se prever o futuro é inventá-lo."
DdAB
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