Querido Blog:
Se me leres em: http://19duilio47.blogspot.com/2009/04/mexico-e-erico-ja-era-tempo.html,
então verás que falei amplamente num trio literário que me interessou olhar mais de perto:
".1. Caminhos Cruzados, de Érico
.2. Contraponto, de Aldous Huxley (que li uma cópia de Walter B. Maia e estou relendo agora, que não acabo nunca, às vezes acho enfadonho e às vezes sublime; o último "tempo" que lhe estou dando ocorre a pretexto de olhar coisas importantíssimas sobre finanças em meu amado livro de Milgrom & Roberts)
.3. Merry-go-round, de William Somerset Maugham (que ainda não li)."
Como sabemos -e registramos aqui?-, esta tríade foi-me transmitida por um artigo (reportagem) de Zero Hora quando da passagem do centenário de nascimento de Érico Veríssimo. Érico teria cultivado este estilo dos entrelaçamentos entre personagens por toda sua obra. O interessante é que ele próprio, com Leonel Vallandro, traduziu "Contraponto".
Como não poderia deixar de ser, como já disse dezenas de vezes, os acontecimentos se sucederam. Parece que foi ontem: pinguei o ponto final (final de "O Senhor Embaixador") em "Contraponto" precisamente às 15h00 de 2 de maio deste ano. Na p.467 do livro da Editora do Globo com capa de Clara Pechansky, ainda escrevi: "Vou ler 'Merry-go-round'? Ou Guimarães Rosa (que prometi a Osmar Tomás de Souza)? ou 'Israel em Abril'? Ou os italianos (Curzio Malaparte, Alba de Céspedes, Vasco Pratolini, nos velhos livros da Editora Civilização Brasileira)? Os latino-americanos (Cortázar e Puig, among others)?
Não vou relatar tudo o que li desde maio. Destaco que li "Israel em Abril". Destacara? Também fiz um voto interessante a respeito da obra de Érico. Vou reler (que li há milhares de anos) os dois volumes do "Solo de Clarineta" e "O Tempo e o Vento" (lido ainda há mais tempo). Ao terminá-los, darei por encerrada a leitura da obra de Érico Veríssimo e, em compensação, recomeçarei tudo novamente, com "Clarissa", seguindo a ordem cronológica da redação, e mantendo os claros a que referi naquela postagem estival. E todos os quatro volumes das obras completas de Machado de Assis (Nova Aguilar, 2008) e finalizar o volume 3 das obras completas de Jorge Luis Borges (Emecé de la Bagunça, que é uma zorra) e rumar ao v.4.
O grande progresso em minha vida literária é que passei a classificar as "leituras de cabeceira" em quatro grupos:
.a. leitura literária (termo que aprendi há pouco tempo): Merry-go-Round, A Pele, de Curzio Malaparte etc.
.b. leitura de escolha pública: Jorge Vianna Monteiro e o livro sobre o conceito de governo
.c. leitura geral: In the Company of Strangers (que falta finalizar e reler com anotações)
.d. leitura de "auto-ajuda": livrinho de psicologia social e outros cognitivistas.
Então vamos a Merry-go-Round. Presumo que não haja tradução para a língua portuguesa. Talvez devido ao fato de que lhe mudam a ortografia com tanta frequencia (eu ia dizer 'freqüência'). Não direi muita coisa. Penso que o carrossel gira em torno de um eixo chamado de Miss Mary (Polly) Ley, uma solteirona que herdou a fortuna de outra solterona, sua tia. No livro, o primeiro encontro entre elas é simplesmente monumental:
TIA: 'You're growing old, my dear', said Miss Dwarris when they sat down to dinner, looking at her guest with eyes keen to detect wrinkles and crow's-feet.
MISS LEY: 'You flatter me', Miss Ley retorted, 'antiquity is the only excuse for a woman who has determined on a single life'.
TIA: 'I suppose, like the rest of them, you would have married if anyone had asked you?'
SOMERSET MAUGHAN: Miss Ley smiled.
MISS LEY: 'Two months ago an Italian Prince offered me his hand and heart, Eliza.'
TIA: 'A Papist would do anything, replied Miss Dwarris. I suppose you told him your income, and he found he'd misjudged the strenght of his affectons.'
MISS LEY: 'I refused him because he was so virtuous.'
TIA: 'I shouldn't have thought at your age you could afford to pick and choose, Polly.'
MISS LEY: 'Allow me to observe that you have an amiable faculty for thinking of one subject at one time in two diametrically opposed ways.'
Cara, bicho, gente. Isto ocorreu, creio, em 1905, quando Somerset Maugham completava apenas 31 anos de idade. Mas idade não é documento, nem para Isaac Newton nem para Rimbaud... Seja como for, vou ler -talvez em português- o livro "Servidão Humana" que terá chegado a minhas mãos em outras oportunidades, que ele -Maugham- era muito popular no Brasil nos tempos em que eu me dedicava à leitura com a mesma sogreguidão com que burros saltam sobre lavouras de azevém... E por interessante que seja, no fim-de-semana que acabamos de passar em Pinhal, encontrei -como terei dito aqui ou acolá- o própro "Contraponto" de Walter B. Maia que li há 40 anos!
Na página 121, há algo que -citado fora de contexto, como o farei- fica maravilhoso, que me parece um breve sublime para quem quer lidar com a velhice:
"I don't know that there's anything much to decide. I dare say I shall soon get used to the idea of not looking into the future...".
Ou seja, pensando no contexto da frase citada fora do contexto: não há muito o que decidir sobre a passagem do tempo. O primeiro teorema da idade, que tenho alardeado, diz simplesmente que "nunca fui tão velho quanto hoje". Quanto teu horizonte de planejamento é de mais 50 ou 100 anos, como pode ser o de um jovem de 20 anos, estas próprias cifras são consoladoras de que o tempo pode ser infinito. Quando se tem, digamos 108, o bom mesmo é not looking deep into the future. Disse o professor que li na "Ciência Hoje", quando ambos existiam: 'viver como se fosse morrer amanhã, estudar como se não fosse morrer nunca'.
Belo motto. Ainda não criei um motto para mim, ainda que mova-me por frases de diversos pensadores que andei lendo. Lembro do de Marx, que teria sido citado pela primeira vez para meus olhos por Erich Fromm: homo sum, humani nihil a me alienum puto. Depois, no livro de estatística de Walpole (?), recordei a tradução: nada do que é humano me é estranho. A lealdade e a traição, o egoísmo e o altruísmo, e por aí vai. Seja como for, minha frase preferida de Marx é "o homem é o único animal que, ao transformar a natureza, transforma sua própria natureza." Se é "Crítica ao Programa de Gotha", então é Marx. Se não é o famoso opúsculo, então estará em outro local. Agora que é Marx, não tenho dúvida. Olhei agora no Google, não me satisfiz e achei que a importância da busca não merece o custo.
Outra citação fora de contexto, mas interessante par elle même: "You wrote and told me that the world was for the living - an idea which has truth rather than novelty [....". Ou seja, nem sempre a verdade esconde-se nas brumas do futuro. Muito já sabemos, ainda que o que catálogo do não sabemos torne-se cada vez caudaloso. Por outro lado, este troço de "for the living" pode estar encapsulando uma moralidade ecológica, pois ursos e quatis são "living beings" e não carecem de ser torturados para o circo ou o churrasco.
Chegamos aos meninos de rua, pois não posso parar de pensar neles. Na p.215, lê-se um maravilhoso discurso de Peggy Ley:
"I should like a class, leisured and opulent, with time for the arts and graces, in which urbanity a and wit and comeliness of manner might be cultivated; I would have it attempt curious experiments in life, and like the Court of Luis XV, offer a frivolous, amiable contrast to the dark strenuousness in which of necessity the world in general must exist. A deal of nonsense is now talked about the dignity of labour, but I wonder that preachers and suchlike have ever had the temerity to tell a factory hand there is anything exalting in his dreary toil. I suppose it is praised usually because it takes men out of themselves, and the stupid are bored when tyey have nothing to do. Work with the vast majority is merely a refuge from ennui, but surely it is absurd to call it nobel on that account; on the contrary, there is probably far more nobility in indolence, which requires many talents, much cultivation, and a mind of singular and delicate constitution."
Ele, Maugham, escreveu isto quase 20 anos antes do opúsculo de Keynes, "As consequências econômicas da paz", em que ele, Keynes, dá-se conta do "desemprego tecnológico", ou seja, a regra é a redução da necessidade do trabalho humano para a geração de bens compatíveis com o nível de tecnologia existente a partir, pelo menos, da Revolução Industrial. Não é à toa que eu digo ali à direita de quem me lê neste blog:
"Penso que chegou a hora da criação da Brigada Ambiental Mundial, uma organização sustentada por verba orçamentária do Banco Central Mundial retirada das contas correntes sob o título de Tobin Tax, ou Imposto de Tobin. Penso que, no futuro, vamos dedicar-nos exclusivamente às artes e aos esportes, pois os valores-de-uso serão gerados por máquinas."
E mais, digo que toda -toda, toda, todinha- a negadinha deve dedicar-se a atividades sociais programadas (algumas, como a maior parte de meus exercícios físicos e estudos, podem ser desacompanhadas...):
.a. três horas de aula por dia (para manter a mente quieta)
.b. três horas de ginástica por dia (para manter a coluna ereta)
.c. três horas de trabalho comunitário (para manter o coração tranquilo).
Trabalho comunitário? É bem diferente daquele troço de meter a mão na máquina e fazê-la fazer o que um programa de computador pode mandar. A máquina é um macaco da natureza que lhe imita o movimento mas não a forma, como disse Umberto Eco.
Há uma diferença fundamental entre o menino de rua que é trancafiado para trabalhar três horas por dia num curtume e ou outro que se propõe a estudar violoncelo por 12 horas ao longo de seu tempo não ligado à Brigada Ambiental Mundial. Não podemos colocar limites na ambição de alcançar movimentos perfeitos, pelo segundo lado, nem podemos permitir que doenças pulmonares relacionadas ao ambiente insalubre de um curtume, de uma mina de carvão, de um açougue, de uma sala de cirurgias hospitalares etc. seja adequada aos seres humanos. Enquanto as máquinas não assumirem todas estas função, digamos, de manutenção, precisamos racionar o tempo que cada invidíduo humano dedica a elas. E caprichar na montagem de programas de inteligência artificial (inclusive robôs) que as assuma, como já assumiram a sucção da poeira da casa, lavar, varrer e encerar, coser, cozer, gelar, gemar, e por aí vai.
Mudando de assunto, nossa agora já indefectível Miss Ley diz a Mrs. Castillyon (p.236-7):
"Never sin; but if you sin, never repent; and above all, if you repent, never, neveer confess. [...] May I suggest that if you're really sorry for what you've done, you can show it best by acting differently in the future [...]."
Fora de contexto é bom, não é mesmo? Para mim, isto soa como um breve contra a hipocrisia e outro contra a culpa, em particular para o sentimento que às vezes nos acode e que não parece finar-se. O fato é que não há culpa sem expiação, exceto provocar a morte involuntária em terceiros. E, para concluir esta:
"Men came and went, and the world turned on; the individual was naught, but the reace continued its blind journey toward the greater nothingness [...]."
Pus-me filosófico: "towards nothing"? Como ele sabe isto? Há, hoje disponíveis, três futuros possíveis:
.a. "reencontro com o criador"
.b. expansão eterna, após o Big Bang
.c. Big Crunch, in due time.
Se é big crunch mesmo, teremos, meu computador, o livro que está ao lado, minha coleção de cachimbos, os átomos que quando comecei a frase constituíam meu corpo, a avó do Badanha, o Badanha, Ice Cube, Hilary Clinton e tudo o mais, que ocupar o mesmo lugar no espaço. Pensando nisto tão circunspectamente quanto pode alguém que acaba de citar Badanha e sua família, cheguei à conclusão de que, se houver mesmo big crunch, é natural que volte a explodir, pois há tanta contradição entre os humanos que já viveram ou viverão que será impossível usarem todos o mesmo Aleph.
Em outras palavras, citando livremente:
.a. a Terra é uma espaçonave cuja tripulação vai trocando (como a Viação Cometa que me levou de São Paulo a Vitória da Conquista)
.b. mesmo que haja um ponto que reúna todos os demais pontos, isto não garante que haja eterno retorno nietzchiano. Aprendi com Jorge Luis Borges que o Aleph pode ser bem diabólico... E que o fato de que o número 3,5 ser o mais provável ao lançarmos um dado infinitas vezes não implica que o obtenhamos em alguma jogada específica. Quer dizer, a probabilidade de que tudo volte a ser como antes é pequeníssima e mesmo assim, mesmo com infinitos Big Bangs, pode ser que esta conjunção entre Sarney, Barbalho, Padilha e meninos de rua nunca mais se repita.
DdAB
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