17 setembro, 2012

O Eixo dos Tempos e a Velocidade da Fuga

Querido diário:
Pretendo fazer em seguida uma longa tradução de parte das p.4-5 de

ALCHIN, Nicholas (2003) Theory of knowledge. London: Hodder Murray.

E comentários lá embaixo.

[...]

Qual é a diferença entre "Estou certo que..." e "É certo que..."?

Assim, quando e como você sabe que alguma coisa é verdadeira? Em relação a seus estudos, qual das disciplinas é a mais confiável e por quê? Esta confiabilidade requer que se pague um preço por ela? Responder a estas questões é o tema central deste livro, e algumas vezes, a resposta poderá ser bem surpreendente: elas poderão forçar-nos a olhar para o mundo de maneira diferente da que temos feito. Como um exemplo curto, vamos considerar quanto sabemos em relação a quanto tempo estamos circulando na Terra. Os estudantes de história podem às vezes sentir-se esmagados com a extensão da história. Os geógrafos frequentemente comentam como o impacto dos seres humanos pode ser percebido em todo o mundo, mesmo nos sítios mais remotos. Estas duas perspectivas são bastante válidas. Nós, humanos, dominamos a Terra. Sob vários aspectos, somos a espécie mais poderosa da Terra no presente momento da evolução planetária, não havendo dúvida a respeito.

Mas vejamos esta questão sob um foco ligeiramente diverso. Considere a história completa do Universo comprimida em um ano. (Este ano foi construído com base nas estimativas atuais de que o Universo tem 15 bilhões de anos; que a Terra tem 4,55 bilhões de anos; que os seres humanos desenvolveream-se há dois milhões de anos. Estas cifras ainda são sujeitas a controvérsias e muito provavelmente erradas, mas não sabemos a margem de erro! Portanto, consideremos o exemplo no espírito, mais que literalmente!). Neste caso, agora é meio dia de um primeiro de janeiro, e o Universo iniciou exatamente há um ano. Por quanto tempo teria a humanidade estado presente ao longo deste ano? Consideremos o calendário cósmico.

A teoria hoje aceita sugere que nossa galáxia formou-se no primeiro de maio. Foram-se mais quatro meses, até 9 de setembro, até que nosso sistema solar aparecesse. Alguns dias depois, formou-se a Terra, ou seja, em torno de 14 de setembro. Depois que surgiu a vida, no dia 25 de setembro, parece que as coisas se aceleraram, mas foi necessário chegar ao 12 de novembro, a fim de que as mais velhas plantas fotossintéticas se desenvolvessem, e não é até o primeiro de dezembro que existe uma quantidade de oxigênio significativa na atmosfera. Portanto para os primeiros oito meses e meio, não havia Terra, e mesmo então por outros dois meses e meio, não havia qualquer espaço para os humanos sobreviverem, caso eles pudessem ter estado por aqui. Mas pelo menos agora estamos começando a nos aproximar da história humana...

Embora houvesse oxigênio na atmosfera, os peixes não se desenvolveram até o dia 19 de dezembro; as árvores seguiram-se com rapidez, aparecendo no dia 23 de dezembro, e os primeiros dinossauros surgiram no dia 24 de dezembro. Os mamíferos chegaram no dia 26 de dezembro, e tiveram que conviver com os dinossauros até o dia 28 de dezembro, quando parece que um enorme cometa bateu na Terra, causando mudanças climáticas maiúsculas. Os dinossauros, incapazes de lidar com as consequências deste fenômeno, feneceram e a era dos mamíferos teve início. Os seres humanos apareceram no dia 31 de dezembro. Toda a história humana, portanto, teve apenas um dia do ano. Pois bem, pelo menos temos um dia (lembre-se que os dinossauros tiveram quatro!). Ou não temos?

De fato, provavelmente não. Os seres humanos se desenvolveram tardiamente naquele dia, em torno das 22h50min. Hoje se acredita que o Homem de Pequim começou a usar o fogo de maneira controlada às 23h46min, e às 23h59min, surgiram as pinturas nas cavernas europeias. A partir daí, realmente as coisas se aceleram, com a transformação na vida humana provocada pela agricultura às 23h59min20seg, e o alfabeto - permitindo comunicação detalhada entre as gerações às 23h59min51seg. O calendário moderno começou às 23h59min56seg com o nascimento de Cristo. A grande civilização maia e a dinastia Sung na China ocorreram às 23h59min58seg, e um segundo após, às 23h59min59seg, nasceu o mundo tecnológico moderno com o Renascimento e a Revolução Industrial.

Sob o ponto de vista de uma escala cósmica, portanto, é apenas na última fração de um segundo, no último dia do ano inteiro que alguém vivo hoje em dia existiu, que você nasceu. A maior parte da gente sente-se profundamente humilde, face a estas cifras. E onde estes fatos levam os sentimentos humanos de grandiosidade, sentimento de poder e sentimento de certeza?

A. Qual é o papel dos seres humanos no Universo? Quão provável é que os seres humanos tenham encontrado verdades profundas sobre o Universo?

B. Quais são os grandes sucessos da humanidade?

C. Há interesse no conhecimento sobre há quanto temos temos estado circulando?

Não vou responder, não sou aluno, do Alchin, hehehe. Mas vou também falar num ABC.

A. Parece que nos distinguimos de qualquer outro tipo de ente na habilidade de criar metáforas, no caso, a metáfora evolucionária. Somos pó, ganhamos de presente a consciência e arvoramo-nos a buscar mais conhecimento para inverter a entropia numa escala muito mais ampla do que a vida já alcançou nestes poucos segundos do tempo cósmico lá de Alchian.

B. Até agora, comparando com os outros seres vivos (que talvez tenham tido sucessos maiores, como as bactérias móveis ou os lobos caçando em bandos), nossos sucessos são
.b.1 a linguagem
.b.2 o tabu do incesto
.b.3 a disseminação da divisão de alimentos com estranhos, mãe da troca de mercadorias.

C. Sendo mesmo verdade que faltam apenas 14 bilhões de anos para tudo acabar (ouvir "Almanaque"), temos um ano inteirinho para inverter a entropia localmente e nos evadirmos de sabe-se lá o quê para sabe-se lá onde.

Indo além do ABC, bate-me um frio na barriga ao pensar: será bom que alcancemos esta evasão? Nossa condição atual não é a de escravos, pó que costuma voltar ao pó? Átomos organizados em moléculas, tecidos, e por aí vai. Escravos? Não posso deixar de evocar o sr. A. Square do maravilhoso livro de Edwin Abbot intitulado Flatland. O sr. Square era um ente bidimensional que teve acesso ao mundo das três dimensões. Sua relação social -ou que seja de poder- com os tridimensionais colocava-o numa relação de absoluta escravatura. Não mais que um mascote excêntrico. E, no final das contas, ao voltar a seu reino plano, ele foi... queimado por parecer herético. Sempre, depois de ler a história, me pareceu que -para entes da quarta dimensão- também somos absolutamente desajeitados, sujeitos as seus humores.


DdAB
P.S.: já falei neste carinha aqui, gerando uma das postagens que mais teve acessos neste ano-e-meio que se foi desde aqueles saudosos tempos, um nadica de nada em face da vida no Terceiro Planeta de Sol.
P.S.S.: e aprendi que o maior feito dos humanos foi ter-se evadido da atração gravitacional do planeta.
P.S.S.S.: e tá aqui o link citado no comentário do Bípede Pensante.

3 comentários:

Bípede_Pensante disse...

Eu achei isso tudo que vc escreveu simplesmente "absurdante": "um absurdo de tão estonteante", conforme me ensinou o Jesiel. E tão estonteada fiquei, que só consegui ficar lembrando do androide chorando na chuva... http://www.youtube.com/watch?v=MqDTllVYpTw

Brena.

Bípede_Pensante disse...

P. S. Só que o link para a outra postagem do Alchin não está funcionando. Precisa consetar isso, Profe...

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

obrigado, B.P., muito obrigado! o link tá corrigido. também dei acertadinhas no texto. e vi, emocionado a espantosa cena do Blade Runner.
DdAB