Querido diário:
A expressão que nos intutula hoje encontra-se no fnal da p.12 de "Memórias do Cárcere", de Graciliano Ramos, volume 1, capítulo 2. Ele está contando coisas do ano de 1936, quando foi publicado "Angústia". Era a ditadura getulista e ele esteve recebendo "misteriosos telefonemas" com ameaças a sua posição na administração estadual. Ele vai dizendo:
Ocasionara descontentamentos, decerto cometera numerosos erros, não tivera a habilidade necessária de prestar serviços a figurões, havia suprimido nas escolhas o hino de Alagoas, uma estupidez com solecismos, e isto se considerava impatriótico.
Mais adiante, na p.13:
Naquela noite, acanhado, olhando pelas janelas os canteiros do jardim, as árvores da praça dos Martírios, Rubem me explicava que Osman Loureiro, o governador, se achava em dificuldade: não queria demitir-me sem motivo, era necessário o meu afastamento voluntário. Ora, motivo há sempre, motivo se arranja. Evidentemente era aquilo início de uma perseguição que Osman não podia evitar: constrangido por forças consideráveis, vergava; se quisesse resistir, naufragaria. Não presumi que nele houvesse perfídia. Sempre se revelara razoável, nunca entre nós houvera choque. Provavelmente se perturbava como eu. Conversei com Rubem, sem melindres, revolvendo as gavetas, procurando papeis meus. Os integralistas cerravam de cima, era o diabo. Demissão ninguém me forçaria a pedir. Havia feito isso várias vezes, inutilmente; agora não iria acusar-me. Dessem-na de qualquer jeito, por conveniência de serviço.
Fiquei filosofando: tempos amargos aqueles e estes. Mas nem tudo é amargor, alçando-se os braços dos lados alegre e sombrio da vida:
.a. Osman, governador? Será que o nome de meu festejado Osman Lins veio à sorrelfa desse homem que nunca entrou em choque com o Graça? Osman romancista (e economista e falecido no dia de meu aniversário em 1978) nasceu em 1924, 12 anos antes dos fatos narrados. Quem sabe?
.b. olhei a letra do hino na internet e não vi solecismos. Bem podem ter corrigido. Tampouco parece haver solecismos no hino cá do Rio Grande do Sul, ainda que haja exageros literários e até estupidez, especialmente, neste caso, se atentarmos para a ironia de dizeres que hoje são contrariados pelo padrão da política: sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra.
.c. voltando a Graciliano: este negócio de ter que trabalhar, ser obrigado a trabalhar, quando tanta gente que bem que gostaria de fazê-lo não tem espaço, é um absurdo, uma herança maldita do século XVIII que prevejo há de terminar ainda no século XXI, ainda que eu não venha a ser testemunha da conquista.
Prossigo: acharia mais razoável que a renda básica universal permitisse a todos uma existência digna, não necessariamente modesta, pois a riqueza poderia ser distribuída mais equanimemente entre indivíduos que trabalham e os que não trabalham, digamos 60%-40% (fora os rendimentos sagrados dos aposentados, hehehe, que não fazem parte da renda nacional, como sabemos, hehehe^2). Bem sabemos que, se cada brasileiro em idade economicamente ativa ganhasse R$ 1.000 por mês, destinar-se-iam a eles 40% da renda nacional. E Graciliano, na sociedade ideal, tudo mudado, poderia também ter seus rendimentos sem a necessidade de atar-se a um emprego público.
DdAB
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