13 outubro, 2012

QALY e Tecnologia

Querido blog:
Antes de escolher o título desta postagem, olhei no buscador de meu próprio blog e ele indicou que fiz duas outras envolvendo esta expressão: quality adjusted life years, ou anos de vida ajustados pela qualidade. O problema é simples: que vale mais a pena - viver 10 anos de um curso de vida com hemodiálise ou viver dois meses e meio de vida normal. Simples, que digo? O problema, claro, é simples, supondo que as probabilidades associadas aos dois eventos sejam unitárias. E a decisão é complicadíssima, se não neste exemplo que dei, mas em outros até mais relevantes.

Um final feliz aconteceu no dia 2/out/2012 em Passo Fundo. As meninas gêmeas Kauany e Kerolyn nasceram unidas pelo abdômen (que pode-se escrever 'abdôme' e pronuncia-se 'abdômem') em 31/jan/2012. Elas foram, para glória do planeta, operadas e separadas, ambas com vida. O caso de gêmeos xifópagos não é nada incomum, pelo que deduzo do que li, ocorrendo em mais de 10 vezes ao ano, em pleno Brasil. Fora a China, a Índia e o resto dos BRICs e demais arcaísmos terráqueos (os países propriamente). Em alguns destes casos, ocorre aborto espontâneo e em outros ainda, quando se tenta a separação, 'perde-se' um dos gêmeos.

No caso de Kauany e Kerolyn, a operação durou nove horas e teve o envolvimento de 20 trabalhadores da saúde. O caderno Vida de ZH, em suas duas páginas centrais tem uma reportagem sobre o evento e uma entrevista com o cirurgião pediátrico dr. Gustavo Pileggi Castro, pelo que entendi, coordenador geral da operação. Destaco uma resposta:

Indaga Vida: Como foi o contato com a mãe e as gêmeas antes da cirurgia?

Responde GPC: O primeiro passo foi ter contato com a mãe. Explicamos que era uma coisa rara e que teria condição, pelo que mostrava na primeira ecografia, de fazer uma separação ideal, sem ter que escolher pela vida de apenas uma das meninas.

Assanhei-me e pensei direto no QALY: e se tivesse que escolher pela vida de apenas uma delas, digamos que, seguindo o critério alfabético, Kauany? Que seria da consciência dela, ao saber, daqui a alguns anos, que vive sozinha, pois sua irmã siamesa foi morta no momento de sua libertação? Patético? A terrível escolha pela vida de A, em prejuízo da vida de B, é casca grossíssima. A solução é usar este método, que jogou a análise de custo-benefício precisamente naquilo que ela tem de mais polêmico: o preço/custo de uma vida humana.

O livro de teoria dos jogos que estou escrevendo em co-autoria com a profa. Brena Fernandez falará, em algum ponto, que -no futuro- todas as nossas decisões serão ajudadas por programas de inteligência artificial. É claro que os enfermeiros muito deles se valerão, a fim de hierarquizar a entrada nos setores de emergência dos hospitais planetários. Da mesma forma, seria muito mais barato (menos custoso) para o tomador da decisão sobre a vida de A ou de B se ele pudesse apenas consultar um tabletzinho perfeitamente confiável, ou o que o valha, indicando-lhe a decisão.

DdAB
E a imagem moebius/escher/transformada é daqui.

Nenhum comentário: