05 outubro, 2012

Linhas Tortas

Querido diário:
No outro dia, em pleno aeroporto de Porto Alegre, comprei o livro

STOKES, Philip (2012) Os 100 pensadores essenciais da filosofia. Rio de Janeiro: Difel.

Pois bem, comecei a lê-lo e o achei um tanto estilo piorado da Wikipedia: uma foto de cada 'filósofo', tudo gente morta, no máximo duas páginas de texto para cada um deles. Gente morta? Gente não é viva? Um morto é um homem? Parece que filosofo, na linha do que andei estudando na disciplina de Instituições de Direito, no ano de 1968, se é que andei por lá.

Como a compra foi mais ou menos induzida pela falta de exame mais profundo do material (inclusive eu iria comprar um segundo exemplar, que, felizmente, não estava disponível na livrariar, para presentear), decidi punir-me pelo atropelo lendo tudo de cabo a rabo.

Pois não é que achei pilhas de coisas interessantes? Isto implica logicamente que sou mesmo filósofo do nível da Wikipedia? Claro que muito menos. Esta enciclopédia século XXI é muito mais sabida do que eu em praticamente todos os assuntos, exceto, claro, minha biografia...

Seguiu-se logicamente à p.305 a p.306, que é o verbete sobre Albert Camus (1913-1960) onde pude ler um troço muito do baixo-astral:

todo o esforço de todas as épocas, toda a devoção, toda a inspiração, todo o brilho do meio-dia do gênio humano estão destinados à extinção na vasta morte do sistema solar, e todo o templo da realização humana deve inevitavelmente ser enterrado sob os escombros de um universo em ruínas.

Autor? Bertrand Russel, citado em pleno verbete de Camus. Quando li isto, pensei: bem que apliquei este dinheirinho neste livrinho, agora, toma na cabeça! E evoquei duas frases que já me fizeram refletir: o pessimismo de Friedrich Engels e o otimismo (?) de Ilya Prigogine:

Engels:
“Em sua ‘Dialética da Natureza’, os vínculos da ciência natural com a dialética são extremamente expandidos. Os manuscritos sobreviventes começam com uma visão do desenvolvimento da ciência moderna e então fazem as mediações entre as origens do sistema solar e antevê um tempo em que a redução do calor do sol não será mais suficiente para degelar o gelo, lançando-o dos pólos às áreas tropicais, quando a raça humana ficará aglomerando-se em torno do equador e nem lá, finalmente, encontrará calor suficiente para manter a vida; quando, gradualmente, mesmo o último traço da vida orgânica desaparecer, e a Terra se tornar um globo gelado, como a Lua, o que sobrará será um círculo da mais completa escuridão e, numa órbita ainda mais estreita, um igualmente extinto Sol. Alguns dos demais planetas terão precedido o colapso da Terra, outros a seguirão. Ao invés do brilhante e aquecido sistema solar, com seu harmonioso arranjo de membros, apenas uma esfera fria e morta vai ainda perseguir seu solitário caminho para o espaço sideral. [...] Esta visão pessimista é contrarrestada pela certeza de que a matéria se mantém eternamente a mesma em todas as suas transformações, que nenhum de seus atributos pode jamais ser perdido e, portanto, também que, com a mesma necessidade férrea, ele vai exterminar na Terra a mais alta forma de criação, a mente pensante, e deve-se em algum outro lugar e em outro tempo produzi-la novamente’.”

Contra isto, Prigogine e Stengers (1990, p. 302-303) apresentam o breve produzido por Charles S. Pierce, em que sequer cabe inserir a palavra pessimismo. Ao contrário, o que há é um vibrante otimismo e mesmo um insight poderoso para a compreensão do capitalismo contemporâneo. Tal é possível, caso seja lembrada a chamada Lei de Gibrat, que sustenta que os processos de mercado levam, por mecanismos puramente aleatórios, da atomização de firmas à sua concentração:

“Todos já ouvimos falar na questão da dissipação da energia. Sabe-se que, em todas as transformações de energia, uma parte é convertida em calor e o calor tende sempre a equalizar sua temperatura. A conseqüência é que a energia do Universo tende, em virtude de suas leis necessárias no sentido de uma morte do Universo, em que não haverá mais força, a não ser calor e as temperaturas idênticas em todos os pontos ...

Mas, ainda que nenhuma força possa contrarrestar esta tendência, o acaso pode e vai exercer uma influência oposta. A força não pode contrarrestar esta tendência, pois a longo prazo ela é dissipativa. Por contraste, o acaso é, a longo prazo, concentra dor. A disseminação da energia através das leis regulares da natureza é, em virtude dessas próprias leis, acompanhada por circunstâncias mais favoráveis à reconcentração através da ação do acaso. Deve ocorrer, assim um ponto em que as duas tendências tendem a se balancear e esta é, sem dúvida, a presente condição do universo na atualidade.”


Parece que chegou a hora de:
.a. fugirmos do colapso do Sol
.b. organizarmos as coisas para também evadirmos do colapso do Universo
.c. mas se não tiver colapso no sentido de Big Crunch ou uma explosão expansiva então haverá uma expansão eterna, o que faz com que a visão de Prigogine seja mais aprazível: daqui a uns tempos, invertemos a entropia e começamos tudo novamente.

Pode?

DdAB
Imagem: aqui.

2 comentários:

Bípede_Pensante disse...

Ei, Profe:

não sei se entendo direito o que todos esses filósofos (e físicos) dizem. Só sei é que gosto bem da ideia que minha descendência longínqua estará salva, daqui a algumas centenas (milhares?) de anos, colonizando algum planetinha de Alpha Centauri. Só fico um pouco apreensiva ao lembrar que não há base racional que sustente a crença de que, se a ciência nos salvou uma, duas, três,..., mil vezes, então ela nos salvará também desta derradeira. Mesmo assim vou continuar torcendo para que assim seja. Hehehe.

Brena.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

oi, B.P.:
se bem lembro coisas que li, já se vão anos e anos (décadas, no plural?) que a/s primeira/s nave/s humana/s deixou/aram o sistema solar. Nâo existe razão para desprezarmos a ideia de que, em mais dois ou três séculos (milênios?) teremos uma migração de, digamos, 10 bilhões de humanos. Se é que haverá tanta gente, o que acredito ser desejável, ainda que não seja provável.
DdAB