21 fevereiro, 2009

Caxangá e a Demanda: escritos

Querido Blog:
No Caderno de Cultura de Zero Herra de hoje, temos interessante crônica de Cláudio Moreno, respondendo a um leitor português que indaga o que vem a ser
"Escravos de Jó jogavam Caxangá". Sob color de poema, diria o pai, veio-me à mente a expressão "a estrada de Caxangá", que não atribuí ao filho... Escrevi-lhe, a Moreno, antes de campear no Google Images a ilustração acima. Retirei-a de:
http://www.babooforum.com.br/idealbb/files/33696-caxang%C3%A1.jpg,
que respondeu ao chamado de "caxangá" e tem por título "Vejam a Av. Caxangá, em Recife-PE, ...
736 x 666 - 79k - jpg" etc..


Caro Moreno:
Adorei a crônica de hoje sobre Caxangá. Momentos depois de lê-la, veio-me à mente a expressão "A estrada de Caxangá" e também me fui para a Internet. Mas antes, pensei que fosse algo pernambucano, do tipo das "Cacimbinhas".Nesta linha, olhei minha auto-denominada "Grande Enciclopédia Larousse", dessas vendidas em fascículos. Lá, vi confirmarem-se, mutatis mutandis, tuas associações com os siris: caxangá, s.m. (Talvez do tupi) Sin. de SIRIPUÃ. No siripuã, temos, já no Aurelião eletrônico:
[De siri + puã.]
S. m. Bras. Zool.
1. Espécie de crustáceo decápode, braquiúro, portunídeo (Callinectes sapidus), distribuído desde os E.U.A. até o Uruguai, e um dos mais comuns no RJ. A coloração varia do cinzento ao verde-azulado, com tinta avermelhada nos espinhos e dedos.
[Sin.: siri-azul, siri-corredor, azulão, caxangá, puã.]

Desse ponto, fui-me a googlar, pois também me veio à mente a expressão "a estrada de Caxangá". Apenas duas entradas, a primeira em:
http://leaoramos.blogspot.com/2009/01/como-o-motorneiro-joo-cabral-de-melo.html
(que reproduz todo o poema, se minha atenção me não trai, como diria a próclise machadiana).
e um PDF:
http://www4.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista39/art16.pdf.

Descobrindo que era de João Cabral, fui em busca da única obra que dele retenho, com sua ortografia -desde então, 1966- duplamente ridicularizada pela ABL e outros sinecuristas (no tercerio verso da primeira "Volta", vemos um "pôrto". O livro é "Morte e Vida Severina e outros poemas em voz alta". O poema completo intitula-se "O Motorneiro de Caxangá", e o sonido que me veio à cabeça com a leitura da crônica é seu primeiro e, principalmente, terceiro verso.

Quem sou eu para falar de poemas? A prova (válida apenas para mim) de o ter lido é que nessa mesma parte (a primeira "Volta"), tenho glosada a expressão "deve haver", que me desagrada, pois costumo dizer tratar-se do abecê da contabilidade... Como sabes, os economistas adoramos os contadores, pois eles ensinaram insofismavelmente que as vendas são identicamente iguais às compras. Mas também lhes devotamos certo desprezo, pois não sabem que as compras podem ser descritas como q = f(pp, pc, ps, Y, G, O), um troço destes, onde q é a quantidade demandada, pp é o preço próprio da mercadoria de que se trata, pc é o preço dos bens e seerviços que lhe são complementares, ps é o preço dos substitutos, Y é a renda do comprador, G são seus gostos e preferências e O é um vetor constituído por todas as demais milhões (ou bilhões) de variáveis que influenciam q...

abraços
DdAB
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Prof. Duilio de Avila Bêrni, Ph.D.
Economia do Insumo-Produto. Sistemas de Informações Gerenciais.
http://19duilio47.blogspot.com.
https://sites.google.com/site/19ganges47/home.
DdAB

Apêndice:
Vai aqui o que pude recolher do site PoemBlog (coordenadas acima), cuja leitura é mais do que uma necessidade, pois contingente mesmo é apenas a mudança ortográfica que fez "pôrto" virar "porto" e depois "lago", não é mesmo?

Terça-feira, Janeiro 13, 2009

Como o motorneiro, João Cabral de Melo viaja pela estrada de Caxangá. Onde tudo passa ou já passou, o presente e o passado e o passado anterior.

O motorneiro de Caxangá

Ida

Na estrada de Caxangá
todo dia passa o sol,
fugindo de seu nascente
porque o chamam arrebol.

A estrada de Caxangá
é sua pista de aviador;
é a pista que o sol percorre
antes de levantar vôo.

A pista de Caxangá
o próprio sol a traçou,
na substância verde e branda
dos engenhos de redor.

Volta

Mas a estrada não pertence
só ao sol aviador.
É também porto de mar
do Sertão do interior.

Possui hotéis para burros,
hospitais para motor,
cemitérios para bondes,
fábricas para o suor.

Mais tudo o que deve haver
num bom porto de vapor:
armazéns, contrabandistas,
fortalezas, guarda-mor.

Ida

Na estrada de Caxangá
tudo passa ou já passou:
o presente e o passado
e o passado anterior;

os engenhos de outros tempos,
de que só nome ficou;
os sítios de casas mansas,
que agonizam sem rancor;

os quintais de sombra doce
com frutas do mesmo teor,
onde hoje carrocerias
aguardam seus urubus.

Volta

Mas na estrada de Caxangá
nada de vez já passou:
o verde das canas sobra
nos campos de futebol

e ainda nas oficinas
poças do antigo frescor
dos quintais sobram nas úmidas
manchas de óleo de motor:

que a estrada é também a cauda
por onde, ainda em vigor,
o Recife arrasta as coisas
que do centro eliminou.

Ida

Na estrada de Caxangá,
depois que a inaugura o sol,
pares os mais estranhos
todo o dia passam por;

pares como o da raposa
casada com o rouxinol
ou o dos bondes circulando
por entre carros de boi;

caminhões entre galinhas
calam ferralha e furor
e sempre se vê um vaqueiro
olhando um taco de golf.

Volta

Mas na estrada de Caxangá
nem tudo tem tal teor;
por ela passa também
uma gente mais sem cor:

retirantes (sempre a pé)
tirados de todo suor;
imigrantes (de automóvel)
suando, porém de calor;

namorados que passeiam
amadurecendo o amor;
gente que não a passeia,
passa-a, simples corredor,

Ida

A estrada de Caxangá
é também trilhos do sol
(que nem sempre tem o sol)
urgências de aviador):

de cada lado dos quais
um trem de taipa parou,
um trem de casas que lembram
vagões, sem tirar nem pôr;

um trem de casas-vagões
cada um com sua cor
e levando nas janelas
latas por jarros de flor.

Volta

Mas o trem de casas-vagões
passa ou é passado por?
como poder distinguir
do passado o passador?

se na estrada tudo passa
e nada de vez passou?
como saber se é a gente
ou as casas-trem o andador?

ou quem sabe? a própria estrada
rolando com um propulsor?
(pois dela sobe incessante
e subterrâneo rumor).


João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

Mais sobre João Cabral de Melo Neto em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto
posted by JOSE ANTONIO LEAO RAMOS at 12:30 AM

Como podemos facilmente depreender, o Anexo acaba de finitar-se.
O mesmo

2 comentários:

Unknown disse...

Prof. Duílio: a propósito do erudito diálogo que o Sr. mantém com outro ilustre mestre - o Prof. Moreno - eu perguntaria: de Caxangá se vai a Canindé?
Sem a força da erudição de um João Cabral, Luiz Gonzaga (o pai)cantou o fascínio dos viventes pelas estradas, que levam a qq lugar ou a lugar nenhum (o importante é a estrada):
"Ai, ai, que bom
Que bom, que bom que é
Uma estrada e uma cabocla
Cum a gente andando a pé
Ai, ai, que bom
Que bom, que bom que é
Uma estrada e a lua branca
No sertão de Canindé
Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié
Quem é rico anda em burrico
Quem é pobre anda a pé
Mas o pobre vê nas estrada
O orvaio beijando as flô
Vê de perto o galo campina
Que quando canta muda de cor
Vai moiando os pés no riacho
Que água fresca, nosso Senhor
Vai oiando coisa a grané
Coisas qui, pra mode vê
O cristão tem que andá a pé"
Já o Milton Nascimento, mais refinado, capta a dimensão do deslocamento que as estrada propiciam - não se troca apenas de lugar, mas de fase, época, era:
"Ponta de areia ponto final
Da Bahia-Minas estrada natural
Que ligava Minas ao porto do mar
Caminho de ferro mandaram arrancar
Velho maquinista com seu boné
Lembra do povo alegre que vinha cortejar
Maria fumaça não canta mais
Para moças flores janelas e quintais
Na praça vazia um grito um ai
Casas esquecidas viúvas nos portais"
Não há ida nem volta, só tempos e espaços que já não existem e por isso se eternizam. Tudo é presente. E mutável, e ínfimo: "Descobri que as coisas mudam e que o mundo é pequeno, nas asas da Pan Air ...".
Tenha um bom dia.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Querido amigo:
Por erudito, entendo quem já comprou mais de 100 livros (entre novos e usados), o que me coloca nesta categoria. Seja como for, as líricas (!) das canções citadas são enaltecedoras do ego humano, em especial, do gênio popular que inspirou Gonzagão, Gonzaguinha, os Nascimentos, Silvas e -claro- Severinos!
DdAB