16 março, 2011

Camonianas e Outro Luis

querido diário:
tomado pelo espírito poético do sr. Adalberto de Avila (um parente afastado), decido postar mais dois poemas, desta vez com mais pedigree. ontem, falei em rimas paupérrimas, mas hoje desejo:

.a. falar de poemas que não parecem de quem os fez, mas de pósteros
.b. falar dos tipos de rimas que já cataloguei nestes anos de combate às trevas.

eu falava em rimas paupérrimas, como falei que falara. mas as rimas são: ricas e pobres. eu é que inventei a categoria das paupérrimas, que é quando não há rima. mas anteriormente, eu mesmo havia classificado as paupérrimas como aquelas em que se faz a palavra rimar consigo mesma.

então o soneto camoniano que rima "arder" com "arder":

Os olhos onde o casto amor ardia
Ledo de se ver neles abrasado
O rosto, onde com lustre desusado
Purpúrea rosa sobre neve ardia.

O cabelo, que inveja ao sol fazia
Porque fazia o seu menos dourado
A branca mão, o corpo bem talhado
Tudo aqui se reduz a terra fria.

Perfeita formosura em tenra idade
Qual flor que antecipada foi colhida
Manchada está da mão da morte dura.

Como não morre amor de piedade?
Não dela, que se foi à clara vida
Mas de si, que ficou em noite escura.

na classificação de ontem, este é um soneto do tipo
[1-2-2-1]   [1-2-2-1]   [3-4-5]   [3-4-5]

de sua parte, este soneto não parece de Fernando Pessoa? se você disser que não parece, que tal recitar todos os sonetos de todos os autores de língua portuguesa, exceto o de ontem, de autoria de Adalberto de Avila?

Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer

É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É nunca contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade
se tão contrário a si é o mesmo amor

naturalmente, agora estamos defrontando-nos com outro parecido, denominadamente:
[1-2-2-1]   [1-2-2-1]   [3-4-3]   [4-3-4],
não é isto?

pois bem. postagem confusa. já não sabemos se a rima pobre é rimar "feijão" com "pão". parece que sim, mas a dúvida verdadeira parece associar-se à paupérrima. talvez devamos chamar de paupérrima a que rima a palavra consigo mesma e super-paupér-rima a que não rima nada, como "tamanco" e "estrela". apropriadamente, ao falar em "estrela" lembro dos famosos versos de Jorge Mautner, lá no "Maracatu Atômico". ele rimou "estrelas" com "comê-las". achei lindo. o que não me parece lindo são estes cogumelos atômicos que voltam a tomar conta do Planeta 24 (ou seja, da Terra).


prosseguindo, vejamos outro autor de pedigree fazendo lá suas rimas -agora batizadas- de paupérrimas. estamos no poema "Arte Poética", primeira e segunda estrofes (e é tudo assim):

Mirar el río hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro rio,
saber que nos perdemos com el río
y que los rostros pasan como el agua.

Sentir que la vigilia es otros sueño
que sueña no soñar y que la muerte
que teme nuestra carne es esa muerte
de cada noche, que se llama sueño.

pois este carinha é Jorge Luis Borges. além das paupérrimas, JLB ensina-nos que podemos rimar a palavra com outra palavra que a abriga. por exemplo, "briga" e "abriga", "anos" com "ensina-nos" e por aí vai. no caso concreto da realidade tangível, podemos ver o poema "Sherlock Holmes" (disponível num papelzinho). são 12 estrofes de quatro versos cada. a quinta estrofe deixa-se ler como:


No tiene relaciones, pero no lo abandona
la devoción del otro, que fue su evangelista
y que de sus milagros ha dejado la lista.
Vive de un modo cómodo: en tercera persona.

e, na sétima, temos:

(Omnia sunt plena Jovis. De análoga manera
diremos de aquel justo que da nombre a los versos
que su inconstantes ombra recorre los diversos
dominios en que ha sido parcelada la esfera.)

ok?
DdAB

p.s.: fonte dos sonetos: papelzinho dobrado que me passou um menino de rua, um dia destes.
p.p.s.: a linda imagem que espero não tenha signos desagradáveis ocultos veio de: http://www.astormentas.com/PT/multimedia/Lu%C3%ADs%20de%20Cam%C3%B5es.

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