a propósito da repercussão do soneto de sua autoria que dei ao conhecimento público e das demais reflexões que andei fazendo juntamente com o prof. Marcelo Baimler sobre o tema, o capitão Adalberto de Avila envia-me o seguinte haikai:
QUEDA DE CAVACO
o cavalheiro,
caindo emplena neve,
encantos teve
haverá semelhança entre um soneto e um haikai, artes em que, podemos bem ver, A.de.A. é bem versado e prosa? ele argumenta que há: o compromisso com uma forma rígida. no primeiro caso, os 14 versos com número de sílabas variáveis (entre sonetos) e rimas (facultativas, dos diferentes tipos já catalogados e outros que o professor Marcelo ainda indicará) e os três versos do haikai (originalmente com cinco, sete e cinco sílabas). adita que o desafio ao poeta é expressar suas emoções dentro desta "camisa de força", desta "máquina de arrancar alegria ao futuro", numa visível referência a Maiakowski. eu não posso deixar de notar que também ajudam a aproximar um e outro o fascínio do rompimento com a forma rígida e o tratamento poético que pode ser dado à rebeldia assim nascida.
neste clima foi que o prof. Marcelo Baimler prometeu-me (para divulgar neste Planeta 23) um soneto de sua paternidade (ainda em composição) em que haverá rimas de ... (deixemos que ele mesmo nos diga o que lhe enrijece as rimas, já que seus movimentos pilatianos são leves como a asa da graúna e suaves como favos de mel...).
a Wikipedia (ver) diz que Afrânio Peixoto introduziu o haikai no Brasil. para mim, quem o fez foi Millôr Fernandes. leio-o desde os anos 1950s, quando aprendi a ler. no caso, foi -talvez, espero- a mais tenra forma de demostração de bom-gosto que o menino fez. eu sabia que estava lendo algo solene naquelas páginas de humor lá da revista "O Cruzeiro", no mais, um tanto estranha...
Jorge Luis Borges tem incursões no mundo oriental. ele fala em "tankas", esclarecendo que são poemas japoneses de estrofes rigidamente formadas por cinco versos, respectivamente, de 5-7-5-7-7 sílabas cada. preocupado com a métrica, vemos na p.465 do v.2 de suas Obras Completas/Emecé:
No haber caído,
como otros de misangre,
en la batalla.
Ser en la vana noche
el que cuenta las sílabas.
esta auto-referência do poema a sua álgebra é -muito me parece- pós-moderna em escopo e intenção. o mesmo Borges também brinda-nos com 17 haikais (grafando "haiku") nas p.333-4 do v.3. trata-se da reimpressão, nas Obras Completas, do livro "La Cifra", de 1981. lá vai, segura ele aí:
I
Algo me han dicho
la tarde y la montaña.
Ya lo he perdido.
II
La vasta noche
no es ahora otra cosa
que una fragancia.
III
?Es o no es
el sueño que olvidé
antes del alba?
IV
Callan las cuerdas.
La música sabía
lo que yo siento.
V
Hoy no me alegran
los almendros del huerto.
Son tu recuerdo.
VI
Oscuramente
libros, láminas, llaves
siguen mi suerte.
VII
Desde aquel día
no he movido las piezas
en el tablero.
VIII
En el desierto
acontece la aurora.
Alguien lo sabe.
IX
La ociosa espada
sueña con sus batallas.
Otro es mi sueño.
X
El hombre ha muerto.
La barba no lo sabe.
Crecen las uñas.
XI
Ésta es la mano
que alguna vez tocaba
tu cabellera.
XII
Bajo el alero
el espejo no copia
más que la luna.
XIII
Bajo la luna
la sombra que se alarga
es una sola.
XIV
?Es un imperio
esa luz que se apaga
o una luciérnaga?
XV
La luna nueva
Ella también la mira
desde otro puerto.
XVI
Lejos un trino.
El ruiseñor no sabe
que te consuela.
XVII
La vieja mano
sigue trazando versos
para el olvido.
também com seriedade, Érico Veríssimo dedicou-se ao tema. em seu "O Senhor Embaixador", de 1965, que cito a partir da cópia de 1997 da Editora Globo (São Paulo). temos
PRIMAVERA (página 42)
Libélulas? Qual!
Flores de cerejeira
Ao vento de abril.
INVERNO (página 110)
Na alva neve,
A rígida mancha azul
Da ave morta.
SERVIÇO CONSULAR (página 187)
Com cartas brancas,
O senhor cônsul solta
Pombos de papel
VERÃO (página 250)
Moscardo verde
Fruta madura no chão...
Ó mel da vida!
SEM TÍTULO (página 286)
Gota de orvalho
Na corola dum lírio:
Jóia do tempo.
OUTONO (página 314)
Bosque de cobre,
Borboleta amarela,
Esquilo fulvo.
JARDINEIRO INSENSATO (página 392)
Passou a vida
A cultivar sem saber
A flor da morte.
neste clima, comecei a procurar outros "would-be" haikais. não demorei e achei o que segue (com título de minha autoria, na página 203 de "O Senhor Embaixador"). em outras palavras, não era um haikai, mas eu é que assim o fiz:
SAIR DO GABINETE
[...] não devo ser pessimista [...].
Estou vivo e com fome.
E o sol ainda brilha.
então achei que a democratização do haikai é uma necessidade para quem não os consegue fazer "from scratch". minha primeira investida deu-se no livro "A Cidade e as Serras", de Eça de Queiroz, que comecei a ler ainda em Lisboa e ainda não terminei os 100% (a modéstia impediu-me de dar um título):
SEM TÍTULO
Com que brilho e inspiração copiosa
Três carneiros retoçavam de pijama
Extasiados com o montão de telegramas.
onde? ver as páginas 139, 176 e 49 da edição Livros do Brasil, de Lisboa, de 2010. um tanto nonsense, admito. um tanto Adalberto de Avila, se ele me perdoa a alusão oblíqua. um tanto perto do nosocômio. em outras palavras:
SEM TÍTULO
um tanto nonsense
um tanto nosso A.de.A.
um tanto nosocômio.
DdAB
não contente -mas mais circunspecto- segui, altaneiro. uma vez que pretendo, assim que terminar de ler as aventuras de Jacinto de Thormes, passar ao intrigante "Correspondência de Fradique Mendes", Resomnia, de Lisboa, de circa 1988. na leitura de contato,campeei o seguinte haikai, a que aditei (odiosas) mutilações:
SEM TÍTULO
Cheia de rugas, cheia de saudade, [...]
Doces srões do céu, entre as estrelas!... [...]
A minha intimidade [...] começou.
trata-se do terceiro verso da primeira estrofe do poema "A Velhinha" (p.7), do segundo da terceira estrofe de "Serenata de Satã às Estrelas" (p.9 e um tanto "Simpathy for the Devil", you know where from...). não é impossível que Adalberto de Avila tenha-se inspirado (ou mesmo plagiado) o haikai "Inverno", de Érico Veríssimo. mas não devemos assustar-nos, pois o próprio verso "da ave morta" tem 3.220 entradas no Google.
quer mais democracia do que citação a comentadores deste blog? veja então o haikai de Guilherme de Almeida (que teria sido o grande divulgador do haikai no Brasil) no site http://pt.scribd.com/doc/47422227/Boa-Companhia-Haicais. dois pontos:
PACAEMBU
Chuva e sol. Repara
Nas giestas atrás das frestas
Das persianas claras.
Das persianas claras.
DdAB
imagem copiada de http://psvsite.com/cronicas/.
imagem copiada de http://psvsite.com/cronicas/.
5 comentários:
giesta:
arbusto com flores amarelas perfumadas;
Planta leguminosa de flores amarelas da subfamília das papilionáceas. O mesmo que retama. Cerca de 100 espécies crescem na Europa, Ásia e África. A espécie cultivada no Brasil é a giesta-das-vassouras ou giesteira-das-vassouras, originária da Europa. A casca de seus ramos produz uma fibra aproveitada na fabricação de vassouras. As flores amarelas têm o formato de borboletas. O fruto é uma vagem que contém uma ou mais sementes. A casa real inglesa dos Plantagenetas recebeu seu nome das palavras latinas planta genista, que significam raminho de giesta.
HAIKAI
O haikai, traduzido para o português como haicai, é a forma de poesia mais tradicional da cultura japonesa. Autores ocidentais tendem a definir o haicai como um poema de 17 sílabas dispostas em três linhas de 5, 7 e 5 sílabas métricas. O haicai deve oferecer um momento de reflexão, de forma que cause no leitor, uma sensação de descoberta. Esse momento está para o haicai, assim como o satori está para o zen e o nirvana está para o budismo. O haicai também deve conter um kigo, palavra que se refere a uma das estações do ano, que indica quando foi escrito. O tema do haicai é principalmente observações de cenas que acontecem na natureza. À medida que o haicai ganhava a simpatia dos ocidentais, algumas de suas características foram sendo deixadas de lado, enquanto que outras foram sendo incorporadas à sua forma. Isto fez com que o haicai fosse moldado ao gosto de seu praticante, conforme as influências literárias de sua cultura.
Duilio: jé se tornou um habito diario ler tuas postagens e tenho participado fazendo contribuiçoes onde tento explicar sobre aquilo q li e entendi...não sei se este é o caminho certo para o conhecimento, mas é assim que falo p meus aluninhos: - Que procurem saber aquilo que ainda nao sabem, que pesquisem, que questionem, que busquem respostas...
abraços
claro, Taninha. é assim que se caminha. epa, eu mesmo passo a fazer rimas. a verdade é que o livro que organizei sobre "metodologia" tem por título "Técnicas de Pesquisa em Economia; transformando curiosidade em conhecimento". tudo começa com a curiosidade: que é giesta? depois é só colher as flres e cheirá-las.
DdAB
será que eu quis dizer instead o seguinte?
o cavaleiro,
caindo em plena neve,
encantos teve.
será que será?
DdAB
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