19 setembro, 2009

A Greve dos Correios

Querido Blog:
todos sabemos que o modo obsoleto de atuação sindical no Brasil Contemporâneo é a greve. eu mesmo sempre nutri enorme desprezos pelo que chamávamos de "fura-greve", um rapaz cujo vetor de comportamento era dissonante ao comportamento do líder que exigia que todos os demais entrassem em greve. eu mesmo achei oportuno, in due time, que todo mundo cria juízo, abjurar esse troço de comunismo. já falei no outro dia, a primeira denúncia que vi contra o fim-do-mundo via MELS (Marx-Engles-Lênin-Stálin, o que quer dizer "rússia") foi postada no livro "O Grupo" da americana Mary McCarty (sobrenome que, anos depois, ilustrou ao planeta que o autoritarismo é um atributo planetário, não apenas da terra das noites brancas).

demorei, demorei, mas caiu a ficha. em Santa Catarina, comecei a -como dirá a gente da paz- dar-a-cara-a-tapa. no caso, fui a pelo menos uma assembléia do Centro Sóci0-Econômico (ou o que seja que lá o designava) em que, trêmulo e desarticulado, defendi a sabotagem (já te falei que "sabot" é a origem e que a decisão de sabotar ocorria aos trabalhadores desempregados aglutinados na Praia des Grèves, à Paris?). ou melhor defendi que elegêssemos representantes de nosso Centro juntamente à assembléia geral de todos os centros que argumentasse contra aquela forma de greve que eu via descortinar-se há 20 anos (já se vão mais 10).

eu sugeria que deveríamos encaminhar uma proposta revolucionária, que mostrasse à cidade quem manda, que greve não é espaço de construção de consciência revolucionária, doutrinação, aquelas coisas de porta-de-fábrica e porta-de-centro-acadêmico. que greve é espaço para o enfrentamento, para nós -a classe trabalhadora- enfiarmos a mão nas fuças da classe capitalista. no caso, eu sugeria que todo o entorno do Campus Trindade fosse tomado por nós, professores e o adminstrássemos em benefício da classe trabalhadora e do mundo acadêmico. e mais. que lançássemos um aríete sobre a esquina "killer" da Ilha da Magia (a que seguia da rua fulano de tal para o morro da Lagoa da Conceição e a perpendicular que traria nossas tropas revolucionárias da UFSC para o mar), também fulano (ou sicrano) da mesma família "tal") que a encontrava em ângulo reto. lá, da calada da noite para os esplendores do dia, fincaríamos o primeiro canteiro de obras do povo armado (de pás, picaretas e colheres de pedreiro, fora umas taquaras) e
.a. criaríamos uma rótula que obrigaria os rapazes a reduzirem a velocidade de seus carros para circular ordenadamente
.b. avançaríamos sobre a propriedade privada ou o que seja do outro lado da rua fulano de tal e começaríamos a cavar um túnel daquele espaço geométrico no rumo da Lagoa da Conceição, o que evitaria que milhares de veículos subissem e descessem um morro mais sinuoso do que meu pensamento político, quando a geração futura herdaria dos grevistas uma via de passagem para o mundo moderno.

minha proposta foi colocada em votação no momento em que eu me afastara, para comer um toblerone, que era dado a estes hábitos extravagantes naqueles áureos tempos. derrotado o toblerone, percebi que minha proposta não apenas fora votada como também fora derrotada por unanimidade. não me agastei com os colegas, nem prometi retaliação, apenas jurei-lhes que iria à Assembléia Geral. e o fiz. só que lá -não sou tão burro quanto a Profa. Abigahil achava- não fiz proposta nenhuma, apenas dediquei-me a derrubar um pacote de balas azedinhas, dois toblerones e um cachorro quente com mostarda e quetechupe. desnecessário dizer que saí enojado, pois a greve foi aprovada com um ou dois votos em contra.

agora, que o Departamento de Correios e Telégrafos -ou que diabos de nome o tenha tragado- está declarado em greve, decidi manifestar meu ódio ao líder que induziu uma plêiade de altruístas a lutarem por sua fair share distributiva, iludindo-os e levando-os a uma posição de pleonexia. ou seja, a plebe rude, no dizer de Billy Blanco, ou Billy Waughan, ou Billy, the Kid, um desses billies muito sabidos, está sendo levada a uma postura de falsa consciência, não pelos atropelos do mundo, mas pelo líder que ganhará viagens a Brasília ou vice-versa, hospedagens em hotéis de luxo, carro oficial e tudo o mais para negociar -adivinhe o quê- o fim da greve.

meses atrás, quando houve outra dessas greves -ou do próprio correio ou da avó do badanha- meus gastos com o cartão de crédito (que tanto prezo) não foram pagos, pois a conta não chegou. fui reclamar e disseram que eu poderia cancelar o cartão, mas não iriam perdoar os juros pelos dias de atraso. semanas atrás aconteceu algo parecido com a Unimed: parece que caiu uma ponte entre o Oiapoque e o Chuí e meu aviso de pagamento não chegou. fui saber onde era o furo da bala e disseram que a remessa do "extrato" é uma cortesia, que minha obrigação contratual é ir à internet e baixar o "doc".

eu, que sou chegado nesse troço de teoria da escolha pública, de jogos de estratégia, de problemas de coordenação da ação dos agentes, esse troço todo, pensei: o líder não terá estudado os livros de teoria da escolha pública e nunca terá ouvido falar em meu livrinho introdutório sobre a teoria dos jogos. se ele fosse, digamos, mais educado, já teria entendido que "o capital", diria lá ele, sem os dotes literários e críticos de Mr.X, criara novas e malevas formas de reprimir "o trabalho".

de fato, "o capital" já há anos faz com que muitas contas sejam debitadas no banco, o que ajudou a destruir o Departamento dos Correios e Telégrafos. a incompetência deles, a intervenção manu militari dos militares durante muitos anos, a visão de que greve é obrigatoriamente o que os trabalhadores da tal Praia das Pedras faziam, ou seja, jogavam tamancos nas engrenagens das fábricas que os desempregavam, ajudaram a destruir o movimento sindical. organizar pela base era a palavra de ordem, que nunca foi cumprida, tanto é que o PT, ao tomar o poder, aparelhou a administração pública por ande andou, manu militari, ou seja, tirou o o pessoal do PDS, da Arena e jogou o pessoal do PT.

por que o líder grevista não revoluciona a cidade exigindo que, ao invés de entregar cartas, os rapazes integrem-se à campanha de obediência às faixas de segurança? ou que os brasileiros de todos os recantos dirijam-se à Escola de Formação de Líderes Sindicais do Dieese em Floripa, encham de desaforos os educadores que não sabem teoria da escolha pública e, ato contínuo comecem a cavar o Túnel Itacorubi-Lagoa no local em que tanta gente já perdeu a vida?
DdAB

.p.s.: dias atrás, andrei deblaterando contra uma postagem do blog "Academia Econômica"(clicar ao lado) sobre a questão dos impostos: diretos indiretos, digo mais, progressivos ou regressivos, incidentes sobre os produtores ou os locatários dos fatores de produção ou sobre as instituições, essas tecnicalidades que deixam qualquer cachorro de orelha em pé. Não é que a chave da discussão é, lá naquele ambiente capixaba, a diferença entre "tributo" e "imposto"? E não é que o jornal Zero Herra, na capa do Caderno Vida deste sábado, faz uma chamada para a principal matéria com "Mulheres antes taxadas de frias talvez precisem apenas de mais atenção." Eu ia escrever "capichaba", mas acho que fui compensado, pois eles não escreveram "tachar", o que pareceria mais adequado ao espírito da matéria, se é que espírito existe...

..p..s..:: No poema "O Mapa", Mário Quintana escreveu: "(E há uma rua encantada que nem em sonhos sonhei)" [sic]. eu fiquei a indagar-me se já sonhei algo mais interessante do que esta idéia um tanto rortiana de que o bom é pensarmos tudo, principalmente -disse lá ele- o impensável.

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