05 setembro, 2009

Borges: a idéia fixa

Querido Blog:
Sempre tive como idéia fixa obter um desses posters com milhares de portas, como o acima. Por outro lado, nunca pensara que iria fixar-me a idéias de postagens enfileiradas, como os pintinhos atrás da saia da Sra. Emília, que lhes atira a quirera de milho. No caso, mal comparando, começo agora a concluir a série de postagens sobre minhas novas leituras de Jorge Luis Borges. Hoje, como estou com idéia fixa, procurei "idéia fixa"... Achei estas portas simpáticas.

Quero falar sobre sua -lá dele- relação com a política e os políticos. Vivemos um tempo em que muitos desiludiram-se (como myself) com a ação governamental, por lhe perceberem motivações autoritárias ou rent-seekers. "Lhe"? Digo "lhe" no sentido de que a ação dos agentes que ocupam o "aparato estatal" é eminentemente autointeressada, ou seja, muito egoísmo e pouco altruísmo. Na verdade, funções de preferências "oportunísticas" caracterizam bem os dois grupos: autoritários e ladrões. Ao falar de agentes da política, tenho em mente a classificação que venho aprendendo com Jorge Vianna Monteiro: políticos, burocratas, juízes etc..

Que disse Borges? Na p.125 do livro "Pensamento Vivo de Jorge Luis Borges", da Editora Martin Claret que já citei ontem, lemos no capítulo final intitulado de "Curiosidades":

A Borges não agradava o comunismo. 'O fato é que eu cresci com a convicção de que o indivíduo deve ser forte e o Estado, fraco. Não consigo apreciar teorias segundo as quais o Estado é mais importante do que o indivíduo.'

Não é impossível que eu tenha lido isto entre o final de 1987 e o início de 1998, ou seja, há 150 anos... Digo-o, pois este livrinho da Editora Martin Claret (de excelente padrão da língua vernácula, exceto um errinho de concordância na frase acima que, naturalmente, corrigi) foi adquirido aos 31/out/1987 e, semanas depois, em 29/12/1987, em Barcelona, comprei o "Narraciones", que foi quando verdadeiramente iniciei minhas leituras da ficção borgeana. E, by the way, amei-o apaixonadamente. Ainda que não possa dizer que foi o último a ser lido (não vou olhar nas marcações internas ao volume), fi-lo (epa!) ao último conto, "El Congresso", no dia 24/fev/1988. Possivelmente na praia de Bombinhas.

Não creio ter sido suficientemente influenciado, pois meu rompimento com o comunismo ocorreu apenas muito tempo depois dessa data. Nem sei quando, acho que ao ir para Oxford ainda acalentava a idéia de que tudo poderia resolver-se com uma velha e boa revolução. Meu consolo é que nunca fui convocado a exercer um papel importante na moldagem da história. Aliás, nem -diriam os céticos- não-importante, neutro, o que seja. E minha aflição é que a primeira denúncia de que havia algo de malévolo no stalinismo (esse era o problema, pensávamos que era apenas o stalinismo) foi no livro "O Grupo", de Mary McCarty, outra americana da era do jazz. Depois, li a biografia de Trotsky escrita por Isaac Deutscher e fiquei pasmo ao saber que Nikolai Bukharin (de quem eu já conhecia a crítica ao neoclacissismo) solicitara em seu "processo de Moscou" que o povo o matasse, pois o economista traíra o que Stálin achava ser o melhor para o planeta. Descontada a eutanásia por razões teleológicas -you get it- sempre fui a favor de chineladas para essa negadinha que deseja imolar-se (só pode ser criança, criminoso ou louco...). Ao estudar a teoria da escolha pública, entendi que os grupos de interesse que controlam o estado são um problema muito maior do que qualquer alternativa mais atomizada. Em sua falta, o poder (de monopólio pelo mercado e de tortura por parte do estado) só podem ser contrabalançados pela ação comunitária: education, education, education. Devemos ficar repetindo, ad infinitum.

Mas vejamos o que diz Borges, agora passamos à p. 31 do mesmo "Pensamento Vivo":

Eu nunca ocultei meus ideais, mas nem por isso me rebaixei ao nível dos políticos. Na minha famíia, a vida política foi uma constante: minha mãe e minha irmã acabaram na prisão. Mas eu sou um poeta, não um ativista. (...) Não tenho nada a ver com eles (os políticos), não gosto deles. Para que eles cheguem a um acordo com seus interlocutores, com aquilo que eles chamam vulgarmente de "massa" ou "base", os políticos devem sorrir, mentir, subornar ou aceitar o suborno. Em outras palavras: comprometer-se. Um poeta não pode fazer isso, não deve. Ele deve aceitar seu destino como um rei antigo. Sem compromissos.

Tudo isto eu lera há muito tempo. Tem mais ainda: cada vez mais entendo que o indivíduo, à medida que vai-se diluindo -ele também- em cifras estratosféricas (por exemplo, um chinesinho dividido por um bilhão e duzentos milhões), vai-se tornando mais vulnerável à ação dos poderosos. Uma coisa é "interesse coletivo" e outra, bem diferente, é efeito manada, movimentos totalitários, em que todo mundo é obrigado a participar, sob pena de ter a casa queimada. Este tipo de razonamiento, diria ele, é que me leva a defender a sociedade igualitária, na linha do que John Rawls fala de sua sociedade justa.

Talvez tenham sido estes pensamentos borgeanos, devidamente filtrados, que me levaram a fazer o silogismo:
Premissa Maior: todo político é ladrão
Premissa menor: todo ladrão é político
Conclusão: todo político e todo ladrão são farinha do mesmo saco.
DdAB

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