Querido diário:
Até hoje sinto-me estranho por ter forçado nova interpretação da primeira sentença de Ulysses, de James Joyce, pois pareceu-me ter percebido um errinho na própria versão em inglês da obra prima do século XX. Depois, pensando mais atentamente com os olhos, vi que poderia haver, no manuscrito, um sinalzinho causado por um fungo, o que impediu que se desse ao tema a vírgula que o contexto requeria (ver aqui). Pois então:
.a. original:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.
.b. correção do Planeta 23 (p.c., id est, postagem citada):
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror, and a razor lay crossed.
Mas muito me aliviou os males de forçar novas leituras por parte de centenas de milhares de comentadores (?). Quem aliviou? A leitura de Jorge Luis Borges e seu conto "Pierre Menard, autor del Quijote". E por que aliviou? Vejamos. (1)
A edição do Dom Quixote que adquiri no início deste ano na gigantesca cidade do México (ver identificação no final desta postagem) permite lermos na página 68:
Mas muito me aliviou os males de forçar novas leituras por parte de centenas de milhares de comentadores (?). Quem aliviou? A leitura de Jorge Luis Borges e seu conto "Pierre Menard, autor del Quijote". E por que aliviou? Vejamos. (1)
A edição do Dom Quixote que adquiri no início deste ano na gigantesca cidade do México (ver identificação no final desta postagem) permite lermos na página 68:
[...] la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.
Não tive acesso à edição original do conto borgeano intitulado Pierre Menard, autor del Quijote, mas considero-o razoavelmente bem reproduzido (por suposição) nas obras completas do autor argentino, orgulho da literatura mundial que referencio no final. Então, nesta obra citada, em sua página 449 lemos:
Não tive acesso à edição original do conto borgeano intitulado Pierre Menard, autor del Quijote, mas considero-o razoavelmente bem reproduzido (por suposição) nas obras completas do autor argentino, orgulho da literatura mundial que referencio no final. Então, nesta obra citada, em sua página 449 lemos:
Es una revelación cotejar el Don Quijote de Menard con el de Cervantes. Éste, por ejemplo, escribió (Don Quijote, primeira parte, noveno capítulo):
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.
Redactada en el siglo XVII, redactada por el 'ingenio lego' Cervantes, esa enumeración es un mero elogio retórico de la historia. Menard, en cambio, escribe:
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.
Borges segue preocupando-se com Menard, deixando o Quijote em paz. Mas os búzios ainda não estavam totalmente sedimentados, pois a primeira vez que li esta obra magistral fi-lo (fi-lo, meu deus?) por meio da edição de las Ediciones Cátedra, de Madri. Transcrevo:
Es una revelación cotejar el Don Quijote de Menard con el de Cervantes. Éste, por ejemplo, escribió (Don Quijote, primeira parte, noveno capítulo):
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo,
depósito de las acciones, testigo de lo pasado,
ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.
E aqui temos a versão espanhola, nas páginas 81-92:
Redactada en el siglo XVII, redactada por el 'ingenio lego' Cervantes, esa enumeración es un mero elogio retórico de la historia. Menard, en cambio, escribe:
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo,
depósito de las acciones, testigo de lo pasado,
ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por-
venir.
Como é que pode uma interpretação tão avassaladora da obra de Cervantes ter uma diferença tão radical, nomeadamente, a separação de "por-venir"? Não há mais de uma hipótese sensível: só pode ter sido obra de um fungo nos originais de Jorge Luis Borges, não é mesmo?
Que podemos concluir de tudo isto? (Rever nota 1) Que faltou mesmo uma vírgula nas reproduções do original joyceano, pois aquele negócio de navalha cruzar-se com um espelho, só bebendo (2)! Ao mesmo tempo, neste caso, o que se torna imperioso é mudarmos aquele iniciozinho de romance e dizer que havia mesmo um espelho, só que se cruzavam sobre ele um pincel de barba e uma navalha de barbear. CQD.
DdAB
(1) A leitora arguta terá observado que estou usando a técnica criada por James Joyce (e milhares de outros) de conduzir um texto na base das perguntas e respostas, como o faz ele no capítulo 17.
(2) "Só bebendo!" é uma expressão que costumo usar para manifestar milhares de estados d'alma, centenas deles ocorrendo simultaneamente: do amor ao dinheiro, da gripe à griffe.
P.S. Meu Quijote é:
CERVANTES Saavedra, Miguel de (2010) El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha. Barcelona: Plutón. (Printed in China, 170 pesos mexicanos ou R$ 40,00 em fev/2014).
E também há o texto eletrônico disponível em: http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Don_quijote.pdf.
P.S.S. Minha primeira citação da comparação borgeana entre Menard e Quijote vem de:
BORGES, Jorge Luis (2004) Obras completas I. Buenos Aires: Emecé. 15a. ed.
E o conto conta-se como: Pierre Menard, autor de Quijote, localizando-se às páginas 444-450 dessa edição que abarcou as obras publicadas entre 1923 e 1949.
P.S.S.S. E a edição de Cátedra tem como:
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