Querido diário:
Esta postagem reúne dois traços da realidade brasileira retirada da internet, ou melhor, de duas fontes idôneas que chegaram a minhas mãos por meio da internet.
Primeira fonte
A primeira é a nova base de dados para comparações internacionais em diversas dimensões, destacando cá eu a distribuição da renda. A postagem de Leonardo Monasterio em que ela aparece está aqui. E a fonte dele está aqui, aliás disponível no próprio site do LeoMon. Não contendo a curiosidade, antes de encomendar minha própria cópia em PDF, uma vez que a base de dados está disponível independentemente da publicação, dela retirei a tabela que nos encima. Eu nunca vira estimativas tão antigas para o índice de Gini da colônia do Brazil, mais tarde império e república, chegando à Federativa do Brasil.
Eu nunca vira estimativas tão antigas do índice de Gini e o atropelo de aposentado em que fui socado não me permitiu ver/ler as notas metodológicas da fonte dos dados. Vou fazê-lo em outra oportunidade, o que não é especialmente relevante para dizer o que agora menciono. Primeiro, aquele 0,55 de 1960 contrasta com a informação oficial, o índice de Gini calculado pela primeira vez pelo IBGE naquele censo cujos resultados até hoje estão sendo processados, pois houve uma greve da modelar instituição estatística nacional bem durante o censo! O número derivado do censo é 0,49. Então há um viés que precisa ser explicado por alguém.
Se os dados são mesmo idôneos, e se esquecermos provisoriamente esta discrepância dos 0,5543 de 1960, poderemos dizer:
.a. era um país desigual (ainda que com os Ginis inferiores a 0,40, o que nos dá, nos dias que correm, a desigualdade dos Esteites,
.b. mas a ruptura para a desigualdade escandalosa veio mesmo foi em 1929, o que não poderia dever-se à crise, que espocou lá pelo final do ano e não poderia ter afetado tão escandalosamente a economia local, pois os dados do PIB real do Ipeadata não mostram variações significativas.
E aditar mais um dado. Nos artigos (1) e (2) abaixo, imiscuí-me sozinho e acompanhado a mexer no Método Delphi. E, em algum daqueles momentos, não resisti à tentação de reconstruir a matriz de insumo-produto de 1949. E, nesse contexto, baseando-me na matriz (existente) de 1959, também fiz estimativas para conhecer o consumo das famílias distribuído por quatro classes de renda originárias de minha tese de doutorado. Então calculei os índices de Gini desses consumos das famílias estimados para 1949 e 1959. Claro que isto correlaciona com o índice de Gini para o PIB. E constatei que o índice do consumo das famílias de 1949 era menor que o de 1959, o que me leva a suspeitar que a renda era menos concentrada em 1949 relativamente a 1959. E eu diria que inferior àqueles 0,49 do banco de dados.
Segunda fonte
A segunda fonte idônea que me chegou às mãos é a letra a canção "Querelas do Brasil", dada aqui na Wikipedia como "Querellas do Brasil". E manda a letra para cá. Pela eufonia capturada na gravação de Elis Regina (aqui), jurei que o início é "O Brasil não conhece o Brazil" e depois "O Brazil nunca foi ao Brasil", e não o que lá consta, supondo que os próprios autores da canção, como de resto, Elis Regina, César Camargo Mariano e tantos outros não soubessem que tivemos "Brazil" até 1943, quando o sr. Américo Pisca-Pisca reformou a natureza e, com ela, a língua portuguesa falada no Brasil, que então passou a ser grafado com "s". Talvez seja esta mesmo a grande querela: será que foram os americanos que nos começaram a chamar de Brazil com z ou fomos nós que nos atiramos aos pés de um ideário de uma língua comum com a Europa que desprezamos a forma com os próprios descobridores grafaram o afamado pau brazil? Em favor do respeito exibido pelos falantes da língua inglesa às grafias originais, temos Brasília que se escreve com s mesmo, pois o termo surgiu precisamente depois daquela sandice de mudar o nome do país de Brazil para Brasil.
Então cá está a letra desta e daquelas querelas. Farei depois alguns outros alongados comentários. Ei-la:
Querelas do Brasil
(Maurício Tapajós e Aldir Blanc,
gravada por Elis Regina em 1978 no disco "Transversal do Tempo"
e editadazinhas do prof. Myself).
O Brasil nunca foi ao Brazil
Tapir, jabuti, liana, alamandra, ali, alaúde
Piau, ururau, aqui, ataúde
Piá, carioca, porecramecrã
Jobim akarore, Jobim-açu
Oh, oh, oh
Pererê, camará, tororó, olererê
Piriri, ratatá, caratê, olará
Pererê, camará, tororó, olererê
Piriri, ratatá, caratê, olará
O Brazil não merece o Brasil
O Brazil tá matando o Brasil
Jereba, saci, caandrades
Cunhãs, ariranha, aranha
Sertões, Guimarães, bachianas, águas
E marionaíma, ariraribóia,
Na aura das mãos de Jobim-açu
Oh, oh, oh
Jererê, sarará, cururu, olerê
Blablablá, bafafá, sururu, olará
Jererê, sarará, cururu, olerê
Blablablá, bafafá, sururu, olará
Do Brasil, SOS ao Brasil
Do Brasil, SOS ao Brasil
Do Brasil, SOS ao Brasil
Tinhorão, urutu, sucuri
O Jobim, sabiá, bem-te-vi
Cabuçu, cordovil, cachambi, olerê
Madureira, Olaria e Bangu, olará
Cascadura, Água Santa, Acari, olerê
Ipanema e Nova Iguaçu, olará
Do Brasil, SOS ao Brasil
Do Brasil, SOS ao Brasil
E tá aqui a lista de palavras que não me parecem de todo óbvias, ou melhor, cujo significado é dado apenas pelo contexto de todo o conjunto da canção:
acari, alamandra, alaúde, aranha, ariranha, arirariboia, ataúde, bachiana, bafafá, bem-te-vi, cabuçu, blablablá, caandrades, cunhã, Cachambi, carioca, camará, Cordovil, cururu, Guimarães, Ipanema, jabuti, jereba, jererê, Jobim akarore, Jobim-açu, karatê, liana, marionaíma, Nova Iguaçu, olará-olerê-olererê, Madureira, Olaria e Bangu, Cascadura, Água Santa, Pererê, piá, piau, piriri, porecramecrã, ratatá, sabiá, saci, sarará, Sertões, sucuri, sururu, tapir, tinhorão, tororó, ururau e urutu.
E aqui um "passo-a-passo" deste negócio todo.
acari: pode ser um peixe ou um mamífero, pelo que entendi do Aurelião,
alamandra: não está no Aurelião, mas a internet dá como um arbusto,
alaúde: procurei este alialaúde no Aurelião e nada encontrei. Fiquei imaginando ser "ali" e "alaúde", ou seria um "ali está o alaúde". Não satisfeito, procurei na internet e achei isto aqui. Tem uma lista que não contempla alaúde. Vou postar aqui e remeter de lá para cá.
aranha: acho que é aranha mesmo, mas tem outro significado interiorano de carroça "esportiva" tirada (gostou?) por um único cavalo,
ariranha: ariranha mesmo
arirariboia: não tem no Aurelião, mas aqui diz que é um peixe (3),
ataúde: é caixão mesmo,
bachiana: estamos falando, claro, de Heitor Villa-Lobos e as peças musicais Bachianas Brasileiras,
bafafá: tumulto, confusão, cf. Aurelião.
bem-te-vi: passarinho
cabuçu: um certo tatu,
blá-blá-blá: aqui até o Aurelião tropeçou, pois fala em uma gíria brasileira, quando é certamente algo universal, a julgar pela língua inglesa (4). Neste site aqui, fala-se bastante no tema e afirma-se que blá-blá-blá origina-se do francês. Meu dicionário de etimologia não fala nada.
caandrades: meu palpite é que isto tem a ver com os irmãos Andradas, em particular Antonio Carlos, aquela negadinha da Independência do Brazil), mas olha só que palpite furado, como constatei ao ler aqui (5)
cunhã: mulher, moça (em tupi)
cachambi: Em tupi, "mata verde",
camará: parece-me ser apenas "camarada", conforme o canto do jogo da capoeira. Ainda bem que eu disse "parece", pois fui olhar no dicionário e achei que é simplesmente um arbusto ornamental da família das verbenáceas (o que me lembrou os shampoos Verbenas),
carioca: em tupi, significa "casa do branco",
Cordovil: é um bairro do Rio de Janeiro, mas também acho que o letrista estava se referindo ao costureiro Clodovil, figura popularíssima no Brasil daqueles tempos de Transversal do Tempo.
cururu: vai de sapo até dança de roda,
Guimarães: naturalmente estamos falando de João Guimarães Rosa e seus sertões, no caso, o Grande Sertão: veredas.
Ipanema: diz-nos o blog de Simone Lima (ver lá prá baixo) que é lago fedorento,
jabuti: cágado,
jereba: é de tudo, desde matungo (epa!) até meretriz,
jererê: baseado (de maconha),
Jobim akarore: dá uma enciclopédia. Jobim é, claro, Tom Jobim, ao passo que akarore está na parada por causa, juro, da canção do disco de Paul McCartney (aqui). Claro que uma análise com carbono 14 pode permitir-nos saber se o disco do Paul é anterior à Transversal do Tempo,
Jobim-açu: volta Tom Jobim; açu quer dizer grande, ergo temos um elogio ao tamanho do talento de Tom. O lado alegre é que há uma rádio (6) que só toca canções de autoria lá dele. O lado triste é que a canção "Triste" é um plagio do segundo movimento do Concerto n. 1 de Mario Castelnuovo-Tedesco (aqui, aos 6min40seg da gravação, composto em 1939).
caratê: Japanese fight,
liana: é uma erva com lindas flores amarelas (só?),
Marionaíma: claro que é Mário de Andrade e seu "Macunaíma", o herói sem nenhum caráter,
Nova Iguaçu: parece que é a queda dágua, mas principalmente a cidade da Grande Rio, onde pinta muita violência,
olará-olerê-olererê: parece-me serem apenas interjeições
Madureira, Olaria e Bangu, Cascadura, Água Santa: mais bairros de ocupação por populações mais para pobres que para ricas. Este Água Santa, não sei, não: poderia ser cachaça...
Pererê: é o saci. E se tem maiúscula deve estar citando o Pererê de Ziraldo,
piá: guri,
piau: vai de peixe a surra, e -como sabemos- o sufixo "i" é o diminutivo em tupi, logo Piauí é algum peixinho ou uma sova de pequeno porte,
piriri: vai de arbusto a churrio,
porecramecrã: olha novamente a Simone Jobim lá no final,
ratatá: não achei bem o significado, que não tem no Aurelião. Mas parece-me uma onomatopeia (na linha de Simone de Lima,
sabiá: claro que sabiá é um passarinho, mas aqui também acho que o letrista está apontando para a composição de Chico Buarque e Tom Jobim cuja letra encontrei aqui,
sarará: diz o Aurelião que, na língua tupi, significa "que tem pelos ruivos", mas que parece que se tornou sinônomo de albino. Mas também quer dizer simplesmente ruivo, "foguinho".
Sertões: claro que fala em Guimarães Rosa e claro que está falando de Euclydes da Cunha,
sucuri: cobra, com mil termos equivalentes, inclusive a anaconda,
sururu: primeiro é um "molusco bivalve", e depois é um quebra-pau mesmo,
tapir: anta,
tinhorão: fala na folhagem e também,claro, fala no crítico musical José Ramos Tinhorão,
tororó: é capaz de ser uma moreia.
ururau: jacaré, um dos deles,
urutu: além do significado da cobra, também conhecida como cruzeira ou cruzeiro, temos o tanque produzido pela indústria brasileira de material bélico.
Pode?
DdAB
(2) BÊRNI, Duilio de Avila; MARQUETTI, Adalmir e CÁNDANO, Fábio. Evolução setorial da economia brasileira entre 2002 e 2020: do passado ao futuro com o método Delphi. Análise Econômica, V. 24 n. 45, 2006.
21 de outubro de 2011
Topônimos de origem tupi:
(ordem em que os topônimos aparecem na letra da música “Querelas do Brasil” (1980)
1. Tapir / Tapira: anta.
2. Jabuti: réptil quelônio; Yabutil: povo indígena de língua isolada, e que habitava a margem esquerda do Rio Branco (RO).
3. Piau / Piaba: pele manchada.
4. Ururau: jacaré-de-papo-amarelo.
5. Piá: índio jovem; menino.
6. Carioca: casa do branco; natural ou habitante da cidade do Rio de Janeiro.
7. Açu: grande.
8. Camará / Cambará: arbusto ornamental.
9. Tororó/ Mororó: "conversa fiada"; aparado em excesso.
10. Piriri: arbusto; diarréia.
11. Jereba: o que se revira; animal ruim de montaria, magro e/ou fraco; indivíduo desajeitado ou desleixado.
12. Saci: popular entidade fantástica do Brasil, negrinho de uma só perna, de cachimbo e com barrete vermelho (fonte, este último, de seus poderes mágicos). E que, consoante a crença popular, persegue os viajantes ou lhes arma ciladas pelo caminho; saci-cererê, saci-pererê, matimpererê, martim-pererê, matintapereira, matintaperereca e matintaperê).
13. Cunhãs: mulheres.
14. Ariranha: mamífero carnívoro, conhecido como onça d'água.
15. Ariraribóia: cobra arara.
16. Jererê/ Jereré: rede para pesca de pequenos peixes, siris, camarões.
17. Sarará: que tem pelos ruivos; cor alourada ou arruivada do cabelo muito crespo característico de certos mulatos.
18. Cururu: sapo.
19. Tinhorão: tajá amargo; erva ornamental; ará, tajurá e tajá.
20. Urutu: ofídio; cobra venenosíssima.
21. Sucuri: cobra, chega à 10,0m. de comprimento, vive na água, rios e lagos, alimenta-se de peixes, aves e mamíferos, que engole após triturar-lhes os ossos por compressão muscular.
22. Sabiá: espécie de ave.
23. Cabuçu/ Cabussu: tatu de rabo mole.
24. Acari: peixe, cascudo.
25. Ipanema: lago fedorento, água imprestável.
26. Iguaçu: rio grande; água grande.
l Akarone/Akarore: significado não encontrado e/ou definido em dicionário, embora pareça de origem indígena.
l Bem-te-vi: o mesmo que pituã (origem tupi), "triste vida".
l Porecramecrã: (topônimo indígena), indivíduo dos porecramecras [Porekramekra], povo indígena extinto, da família linguística timbira, tronco makro-jê, que habitava as margens do rio Tocantins (MA e TO).
l Ujobim: (topônimo indígena) ref. Cajobim, espécie de galinha.
Os topônimos de origem tupi, na canção “Querelas do Brasil” (1980- Aldir Blanc e Maurício Tapajós) podem ser classificados, na sua maioria, conforme o seu significado lexical, como: fitotopônimos (designativos dados em função da flora), híbridos (junção de designativos de origens diversas) e zootopônimos (designativos dados em função da fauna).
Postado por Simone Lima às 21:04.
(4) Em inglês, é blah blah blah. Meu amado Cirne-Lima lá em sua página 142 diz que esta palavra é o original que, em grego, gerou "bar-ba-rô", bárbaro, ou seja, alguém que não fala nossa língua.
(5) Agora olha que maravilha. Então caandrades é Carlos Drummond de Andrade, que leio desde tenra idade (hehehe, que ele não me leia...):
21 de outubro de 2011
Neologismos na música “Querelas do Brasil”
Por: Simone Maria de Lima
O autor, Aldir Blanc, utilizou-se dos neologismos para inventar, criar novos nomes, com a função de homenagear autores importantes para a cultura brasileira, com o intuito de recuperar as riquezas culturais do país. Os topônimos designados pelo autor são:
Jobim-açu: o Grande(açu) Jobim, referindo-se ao maestro Tom Jobim.
Caandrades: o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Marionaíma: o grande escritor Mário de Andrade e sua obra: “Macunaíma”.
Neologismos na música “Querelas do Brasil”
Por: Simone Maria de Lima
O autor, Aldir Blanc, utilizou-se dos neologismos para inventar, criar novos nomes, com a função de homenagear autores importantes para a cultura brasileira, com o intuito de recuperar as riquezas culturais do país. Os topônimos designados pelo autor são:
Jobim-açu: o Grande(açu) Jobim, referindo-se ao maestro Tom Jobim.
Caandrades: o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Marionaíma: o grande escritor Mário de Andrade e sua obra: “Macunaíma”.
(6) Passo a passo para chegar à Rádio Jobim:
.1. clicar no link www.accuradio.com
.2. há um espaço no canto superior direito que diz: "search by artist or keyword"
.3. aí colocas: jazz
.4. e aí desces o cursor até chegar no "Composers": Jobim. É bem lá embaixo. E antes dele tem outra chamada para Jobim, que não é aquela.
P.S. pensei em outros versos:
Boitatá, passapé, Olodum,
Olerê
Leão de chácara, bafo de onça, cangebrina
Olará.
E poderíamos seguir com milhares de palavras que dariam conhecimento do Brasil ao Brazil. Mas não devemos esquecer que o Brazil é que é o original.
Um comentário:
Que mala, hein. Se o Brasil agora é com ''s'' e lá nos States ainda é com ''z'' não há problema nenhum em se aproveitar disso para fazer a música. O que não podemos é negar o inegável! O Brazil está matando o Brasil ;)
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