14 outubro, 2014

Drogas: sobrou algo?


Querido diário:

O que segue será uma postagem ou um paper? Quem aguentar poderá responder. O título quer dizer que, em minha maneira de ver o Brasil destes últimos 30 ou 40 anos (ou seja, os anos adultos de minha vida), a resposta é que sobrou alguma coisa, embora a marca da destruição esteja presente em praticamente todas as dimensões da vida nacional: sistema judiciário, executivo e legislativo, família.

O problema das drogas, portanto, tem dimensões próprias, recendendo à polícia, à medicina e à economia, quando não mais tantos outros. Mas também existe o problema moral: o conceito de droga recreativa mal é assimilado por quem discute o assunto. Sabemos que não é sensato da parte da sociedade dar excessivo poder decisório às crianças, criminosos e loucos, mas -descontando este trio- não há razão que impeça um indivíduo normal, passível de candidatura a algum cargo eletivo (epa!), essas coisas, de, por exemplo, decidir encher a cara no fim-de-semana, ou fumar uns baseados nas férias.

Um bom número de pessoas envolvidas no debate pensa sobre o assunto portando avantajadas viseiras erguidas pelas motivações inconscientes e pela ideologia. Parece óbvio que essas pessoas depreciem tanto os antagonistas no debate que chegam a atribuir-lhes intenções de destruição da família e das instituições e principalmente desejo de ver o consumo das drogas elevado. O que deve pautar um debate respeitoso entre agentes racionais é que todos desejam ver o consumo reduzido, todos desejam ver a corrupção afastada das diferentes dimensões da vida social hoje tão comprometidas pelas drogas.

Claro que as drogas viciantes envolvem o problema do consumo compulsivo já tradado adequadamente na literatura pertinente. Praticamente por definição, um bem de consumo compulsivo requer doses crescentes. Mas, sabendo disto, as pessoas que lidarem com o problema das drogas em outro contexto ideológico e moral deverão criar mecanismos para reduzirem a compulsão. E o mesmo vale para outros bens de demérito, como o jogo de azar (bingo, loto, pôquer).

Tenho dito afanosamente que a lei da oferta e da procura é mais imanente do que a lei da gravidade, quando se trata de explicar comportamentos humanos. No caso, as drogas obedecem maravilhosamente aos imperativos da primeira e seria ilusório pensarmos na criação de uma solução permanente para o problema sem o enquadrarmos nos contornos da lei da oferta e procura. Há mercado para bens de demérito, como esse de consumo extremamente indesejável? A solução que vislumbro para ele é sua destruição: distribuição das drogas gratuitamente para os viciados (os loucos do trio crianças-criminosos-loucos). Na Europa hoje já passa de um milhar o número de cidades europeias que contam com salas de consumo e sabe-se que a primeira consequência desta implantação é que o número de crimes nas áreas tradicionais de comércio de drogas das cidades é notavelmente reduzida.

Depois tem aqueles que dizem que as drogas leves são "porta de entrada" no mundo das drogas pesadas, como se a hipótese alternativa não devesse passar a também ser considerada: apenas indivíduos desequilibrados é que fazem esta escalada na qualidade da droga e em sua quantidade. O interessante é que este debate às vezes aparece na imprensa, como o fez há uns quatro anos nas páginas do jornal Zero Hora. Mas, desde então, há tantos fatos novos, o último deles sendo a defesa da revisão da política voltada ao problema da maconha nos Estados Unidos feita pelo jornal New York Times (aqui). Claro que isto gerará polêmicas longas, mas a vitória será, claro, de mais liberdade concedida ao indivíduo e menos controle governamental sobre banalidades da vida!

Há dois pontos a considerar, para concluir. Primeiro: se as drogas comprometem o funcionamento harmônico de uma sociedade institucionalmente avançada como os Estados Unidos, que dizer de países como o Paraguay ou o Brasil? Segundo: que será de nós se ficarmos esperando pelo que acontece nos Estados Unidos, no dia em que eles decidirem liberar o consumo da maconha, ou fizerem políticas como a que acabo de preconizar, no sentido de distribuir gratuitamente as drogas pesadas e tratar de curar os viciados?

DdAB
Imagem: lá do New York Times.
P.S.: esta é uma postagem que não requer a exclamação "só bebendo", hehehe.

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