Ontem, como não poderia deixar de ser, os acontecimentos se sucederam. Participei do seminário 'Indústria Brasileira: um novo padrão?' na FEE. Ouvi opiniões interessantes sobre a desindustrialização brasileira e sobre a política industrial que podemos esperar venham a ser implementadas pelos governantes. Minha participação no evento não se resumiu a si própria. Explico-me: minha participação motivou acesos debates, alguns ponderados e outros irados. Muito me alegrei com ambos. Merecemo-nos. E houve interessantes manifestações post factum, muitas das quais não pretendo comentar, o que praticamente me levaria a postar estes escritos sob o título de "Conradianas". Poir quoi pas?
Talvez tudo possa resumir-se à resposta que pode ser dada àquilo que Chico de Oliveira, lá em sua 'Crítica da Razão Dualista', coloca como sendo a pergunta do interesse do advogado: cui bono? Ou seja, a quem interessa? Quais são os interesses - ouvert & couvert - que estão presentes quando se fala em política industrial? Claro que minha vida seria diferente se não tivesse lido, no outro dia, a postagem de LeoMon.
Hoje em dia, meu ponto de vista sobre a questão é extremado. Primeiramente, a maior fonte do crescimento econômico dos anos recentes foi a expansão da demanda brasileira. Ou seja, em resposta à memória inflacionária, ao nível do produto potencial e ao que mais seja, a taxa de crescimento da economia brasileira foi medíocre, uns 3,5% ao ano. Ainda assim, a principal responsável foi a demanda (por contraste a outros determinantes: a produtividade dos insumos primários e a mudança tecnológica no uso de insumos intermediários)! Em segundo lugar, a maior parte da mudança do produto e do emprego concentra-se no setor serviços. Terceiro: pulei à conclusão de que devemos elevar a demanda final por serviços educacionais. Esta posição está longe de receber complacência por parte de muita gente. Eu digo que é porque eles foram doutrinados nos anos 1950s e ainda não caíram em si sobre a causa da causa da baixa qualidade da consciência política dos filhos do papeleiro e dos pais do menino de rua.
Pronto. Foi o que bastou. Três de meus amigos tacharam-me de idiota e provaram por a+b não ser uma crítica ad hominem, pois -acusaram levianamente- haveria um laudo médico apontando-me como indelevelmente débil mental. Não contestei-lhes a amizade, mas contestei a qualidade do laudo, hehehe. E fui além, asseverando-lhes que os lobbies como o que salvou a Varig da falência, o que comeu bons recursos que poderiam ter sido servidos ao filho do menino de rua e à avó do papeleiro e similares são -os lobbies, remember?- muito mais poderosos do que os lobbies dos diretores de escola, diretores de presídios, diretores de motoristas de ônibus escolares, essas coisas.
Onde anda a literatice? Parece-me que a questão literária da política industrial mais literal reside precisamente em escolher os vencedores. Serão os filhos dos engenheiros ricos ou os dos papeleiros pobres que vão beneficiar-se dos esforços despendidos pela sociedade para barrar a invasão chinesa. Expressar a questão nestes termos é literária. Entendê-la mais amplamente é precisamente o que diferencia o leitor refinado da comprensão rala do leitor que não consegue mover-se sobre textos mais aprecatados estilisticamente. Sou rápido no teclado, sou rápido na construção de sentenças e imagens literárias. Sou rápído na metáfora. Sou intransigente com o grau de provocação ao intelecto do leitor. Escrevi que estudar é entender o texto, estudar é decifrar o texto, estudar é enriquecer o vocabulário, para não deixar-se derrotar pelo estilo. Um dia cito uma passagem do livro "O Nome da Rosa", em que Jorge insta Adso a expressar-se na linguagem científica, o que o deixará ao abrigo da intransigência dos censores. E hoje digo o contrário: para nos livrarmos das peias de nosso próprio pensamento, precisamos pensar de várias formas, precisamos expressar o mesmo fenômeno de várias formas. Precisamos entender quem são mesmo estas figures du rôle: o menino de rua, seu filho e seu pai, o papeleiro, seu filho e seu pai. Se não pensarmos nele, estaremos deixando de lado os grandes números. Como o fazem aqueles que não pensam na demanda final e nos serviços ao falarem de política industrial.
DdAB
p.s.: nossa imagem é o primeiro de 16 slides (15 dispondo de conteúdo substantivo) da apresentação de ontem. Obviamente, estou reafirmando o padrão 'cubo mágico' que me enquadra desde o seminário de Brasília e a noite em que me apresentei junto com Paul McCartney em Florianópolis. E não é ocioso dizer que não estou dizendo que me apresentei com ele, ou melhor, que apresentamo-nos ambos na mesma noite em Florianópolis, ainda que distanciados de uma ou duas horas e dois ou três quilômetros. Falei verdade? Quem não entende que "noite em que me apresentei junto com Paul McCartney em Florianópolis" é uma sentença brincalhona estará condenado ao opróbio literário, como foi a sentença que depositei na conta desses 'alguns amigos' e do diagnóstico que me assacaram. Não quero amigos na cadeia, mas se os incapazes de entender metáforas forem parar nelas, levar-lhes-ei cigarros com exação.
p.s.s.: ter-se-á tornado claro? quero dizer que ou meu estilo é vago e impreciso ou o leitor é lento e preguiçoso, ou ambos os dois. Nova sentença: os amigos os três ambos os problemas veem.
2 comentários:
Duílio, infelizmente, o argumentum ad hominem é muito comum em algumas paragens ditas acadêmicas e profissionais. Diante dos rinocerontes apontados por Ionesco, só mesmo a razão e a ironia socrática dos teus textos.
ei, anônimo:
muito obrigado! bem que, socraticamente, eu gostaria de induzir esses rinocerontes a nadar num mar de cicuta, hehehe.
DdAB
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