05 maio, 2012

Escrever (ou Ler?) é Viver ( e Pensar!)

 "Eu sou Francisco Real, que chamam de Curraleiro. Consenti a esses infelizes que me alçassem a mão porque estou procurando um homem. Dizem que nestas paragens há um, que chamam de Pegador, que tem fama de riscar a faca e de durão. Quero que ele me ensine o que é um homem de coragem."

Querido Diário:
Começa o fim de semana. Prepare-se para novo -e inquietante- questionário amanhã. Por ora, juntando-me aos festejos do "dia feriado", ou seja, com féria, mesmo sem trabalho, faço uma postagem mais festiva do que a média. Gostaria de ligar trechos de dois escritos que me parece dizerem muito sobre algumas coisas que não consigo intuir de modo adequado. O que não posso admitir é que eu esteja caindo no auto-elogio, embora minha tentativa de imitar os tais dois trechos esteja documentada até em meu site.

Sou um leitor dedicado de Jorge Luis Borges há uns bons anos e, por coincidência, já que não faz parte de meus hábitos, vim a saber da tradução do conto "Hombre de la Esquina Rosada", conforme publicação na revista Piauí, que referencio mais abaixo. A ilustração que nos encima também vem de lá. E, antes do 'querido diário', coloco-lhe a legenda da publicação. O original das Obras Completas em Quatro Volumes (p.331-336) lê-se como:

Yo soy Francisco Real, un hombre del Norte. Yo soy Francisco Real, que le dicen el Corralero. Yo les he consentido a estos infelices que me alzaram la mano, porque lo que estoy buscando es un hombre. Andan por ahí unos bolaceros, diciendo que en estos andurriales hay uno que tiene mentas de cuchillero, y de malo, y que le dicen el Pegador. Quiero encontrarlo pa que me enseñe a mí, que soy naides, lo que es un hombre de coraje y de vista.

Corta. Entra a frase escrita pelo prof. Conrado na postagem também citada lá em baixo:

Eis aí talvez o próprio cerne da arte literária, my dear friend, es decir: "on fait beaucoup de chose à partir de presque rien". Mas é preciso conhecimento de língua e, sobretudo, muita criatividade.

Entendi. Evoco, neste instante, Paulinho da Viola: "As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender." Há muitos anos, aprendi que é importante desenvolvermos a habilidade de recortar um traço do mundo e usá-lo para refletir sobre sua unidade com todo o resto. Ou seja, aprendi que é importante, o que é mais simples do que aprender a refletir. Foi com este modelo de viseiras que escrevi no site: "Vou postar no blog matérias diárias-ou-quase, de forma a delinear meus mergulhos no cotidiano, [...]". E até me atreveria a inverter a frase en français: poderemos reduzir muitas coisas a um nadica de nada. Volto ao da viola: sei-me incapaz de "capturar a realidade", mas contento-me -ao saber disto- em recortar-lhe traços que ofereçam a meus leitores pistas sobre (já vem mais citação) "o nível mental que estou usando".

Parece-me que é nesta linha que Davi Arrigucci Jr. fala sobre o genial autor argentino:

Desde o início de sua carreira, Borges tem sido visto principalmente como autor de uma obra que se alimenta da própria literatura e dono de "um estilo tão estilo", conforme afirmou Amado Alonso, que sua imagem parece apenas produto da escrita e de suas fontes eruditas. Nada mais equivocado, porém, uma vez que sem as fontes orais a sua obra não seria o que é e não se poderia comprendê-la adequadamente.

Então o problema parece complicar-se. Por um lado, um nadica de nada pode gerar um romance. Por outro lado, as fontes orais não seriam a própria literatura. Saio da reflexão com dois pontos:

.a. minha perturbação ao ler a expressão "leitura literária", o que me durou pouco, pois entendi que volta e meia, escrevo "leitura acadêmica" ou "leitura econômica", um troço destes.

.b. não há dúvida de que a expressão "leitura literária tem 63.200 entradas no Google, por contraste a "literatura oral" que tem 380.000.

E concluo:
.c. uma vez que 380 > 63,2, somos forçados a concluir que um nadica de nada pode mesmo gerar um romance, venha ele do mundo exterior, dos livros ou dos relatos verbais, ou ainda de qualquer outra fonte já imaginada ou a imaginar.

DdAB
:: o trecho borgeano vem daqui: ARRIGUCCI Jr., Davi (2012) Borges na esquina rosada. Piauí. V.6 n.67, abr. p. 72-73 (cito a p.73). E cito como se fosse uma revista acadêmica, srs. da ABNT?
:: o conhecimento da língua vem do comentário do prof. Conrado: aqui.
:: a imagem vem daqui.

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