12 maio, 2012

A Defesa da Indústria Não Nasceu Hoje

Querido diário:
Na medida em que tenho discutido mais  e mais esta questão da desindustrialização do Brasil, minha própria visão sobre todos os problemas -eu, que não sou partidário, nem estou perto do poder, ou seja, nada tenho a ver com a implementação de políticas públicas- tem mudado. Na verdade, o que tem mudado é minha habilidade em expressar cada vez com mais clareza qual é mesmo o problema.

Ultimamente passei a dizer que, por ser um velho professor de economia industrial, não poderia dizer, legitimamente, que sou contra a indústria. Sei bem que é impossível fazer um bife sem um bom fogão e uma boa frigideira, bens industriais. Da mesma forma, não vejo inferioridade nenhuma em seguirmos nossos antepassados fazendo bifes com bovinos. Ou seja, haverá -além dos produtos agrícolas e industriais- serviços de transporte do boi até o frigorífico e o outro do frigorífico ao açougue, do carinha que moeu a soja para podermos fritar o pobre boizinho, essas coisas.

O que digo, por entender que rima com o parágrafo acima, é que o problema é a política pública. Aí é que começam os problemas. Indago qual é a legitimidade de termos políticas públicas enviesadas em favor do "capital industrial" e não do "capital humano" que poderia ser extraído de (ou adicionado a?) um menino de rua. Nesta linha, o próprio gasto público, em minha visão, deveria atender a rigorosos princípios de universalidade: enquanto houver barriga dágua em qualquer cantão da nação, seria proibido, digamos, aplicar vacina anti-gripe A em idosos (para me inserir na história).

Pois bem. No seminário de sexta-feira na FEE, o prof. Fernando Augusto Mansor de Mattos, além de dar-me uma brilhante aula sobre a questão da desindustrialização, agraciou-me com um exemplar do livro

TEIXEIRA, Aloísio; MARINGONI, Gilberto e GENTIL, Denise Lobato (2010) Desenvolvimento; o debate pioneiro de 1944-1945. Rio de Janeiro: IPEA.

Pois bem. Trata-se do famoso debata entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, dois luminares republicanos, cuja obra foi ressuscitada para as novas gerações pelo próprio IPEA em 1977. Este livro tem muita coisa interessante. Fiz a leitura de contato e fixei-me nos trechos selecionados pelos autores dos dois polemistas. Então separei para falar hoje no seguinte trecho de Simonsen, que tá na p.104:

A parte nucleal de um programa [delineado pelas classes produtoras para o progresso do país], visando a elevação da renda a um nível suficiente para atender aos imperativos da nacionalidade, tem que ser constituída pela industrialização. Essa industrialização não se separa, porém, da intensificação e do aparfeiçoamento da nossa produção agrícola, a que ela está visceralmente vinculada. (...) A planificação do fortalecimento econômico nacional deve, assim, abranger, por igual, o trato dos problemas industriais, agrícolas e comerciais, como o dos sociais e econômicos de ordem geral. [Colchete anterior meu e parênteses dos autores do livro].

Seguem os comentadores:

Mesmo que de forma genérica, o industrial [Roberto Simonsen] busca definir as principais alocações de recursos para a concretização de tal projeto:

As maiores verbas da planificação seriam, sem dúvida, utilizadas na eletrificação do país, na mobilização de suas várias fontes de combustíveis e na organização de seus equipamentos de transporte. 
Abrangeria o programa de criação de moderna agricultura de alimentação e a promoção dos meios apropriados à intensificação da nossa produção agrícola em geral.
Seriam criadas indústrias-chave, metalúrgicas e químicas, capazes de garantir uma relativa auto-suficiência ao nosso parque industrial e a sua necessária sobrevivência na competição internacional.
Toda uma série de providências correlatas deveria ser adotada; a montagem de novas escolas de engenharia, a volgarização de institutos de pesquisas tecnológicas, industriais e agrícolas, a intensificação do ensino profissional.
Impõe-se, da mesma forma, a criação de bancos industriais e outros estabelecimentos de financiamento.
Uma imigração selecionada e abundante de técnicos e operários eficientes cooperaria, em larga escala, para prover as diversas atividades, assim como para um mais rápido fortalecimento de nosso mercado interno, pelo alto padrão de consumo a que estariam habituaos esses imigrantes.

Cara, tem tanta coisa. Ao terminar de digitar este trecho, lembrei imediatamente do Alexandre Rands Barros que fez a conjetura de que o maior bem estar do sul com relação ao nordeste tem a ver precisamente com o maior padrão de consumo: quer-se mais tem-se que produzir mais. É cultural! Mas não entrarei mais neste detalhe.

Gostei de ver o conceito hirshmanniano de "indústria-chave" bem acomodado no Brasil em meados dos anos 1940s! E também gostei de ver que, entre as "providências correlatas", encontra-se o que considero principal: novas escolas de engenharia. Acrescento: de administração. Mas também todas as outras. Mas também as de nível fundamental e intermediário. As pré-escola e as de pós-escola, o treinamente permanente de toda a nação. Uma guerra contra a ignorância e a desatualização. Em resumo, a formação de capital humano. Por que não começarmos tudo desta vez buscando os setores-chave para a produção destes serviços? Claro que não devemos esquecer a metalúrgica, a mecânica, a química, a petro-química, e a eletro-eletrônica (que ainda não tinham peso importante para as tecnologias vigentes no Brasil; nem liquidificador era comum naquelas bibocas).

Por fim, eu adoraria ver migrantes bem-formados chegado aos montes. Mas não vejo por que não poderíamos aproveitar a população brasileira e nela investir "[...] para um mais rápidofortalecimento de nosso mercado interno." Entre 1947 (meu nascimento) e 2010 (meu reconhecimento da Itália), o PIB brasileiro cresceu à taxa de 5,1% ao ano. E juro que o Gini aumentou, o que -a partir de 1959- não preciso jurar mais nada, pois era 0,49 ou 0,40 e passou, nos dias que corriam em 2010 para, pelo menos, 0,55. Já não estávamos muito bem na parada igualitária, mas tudo piorou bastante. É provável que todos vivam melhor hoje no Brasil, mas o fosso entre as famílias é tão exuberante que todos vivemos atrás das grades.
DdAB
A imagem que homenageia a estética do medo veio daqui. Editei-a ligeiramente. Parece que os linkages da produção de grades não geram desenvolvimento, hehehe.

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