Tenho falado com certa frequência nas leituras semanais que faço da revista Carta Capital, um latifúndio, se entendo sutilezas, da família Carta, prósperos e intelectualizados representantes da colonização italiana em Sampa. Três gerações, se bem conto. E tenho dito que, pelo fato de poder lê-la, muitas vezes, aos sábados que antecedem a data de circulação estampada na capa, confundo-me em entender se o que consta dos arquivos da revista são predições ou fatos históricos.
Pois ainda ontem li (perdi o pé no sábado) o n.695, de hoje! Depois da leitura, fiz uns cálculos e percebi que a bebida ganhou de 2x1 da sobriedade. Vejamos.
Na p.19, a coluna Andante Mosso (de Maurício Dias) fala o seguinte:
A cunha de Cavendish
O empresário pernambucano Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, protejou-se no mundo dos negócios a partir do momento que transferiu a matriz da empresa para o Rio de Janeiro, em 1955. [...]
Claro que gelei: não apenas um tanto abismado com esse negócio de que a revista circula antes de seu tempo, vi agora que a negadinha também o faz. Como vim a estressar-me com esta questão? Pois bem, sobre a nota que transcrevo, há uma foto de um elegante cidadão de meia-idade, portando nas mãos um capacete white collar (ou seja, vejo ao fundo gente mais humilde portando na cabeça capacetes de outra cor). Nâo sou bom em diagnosticar idades, mas não vacilo em dizer que o sr. Cavendish, dono da Delta, acusada de negócios estratosfericamente abaladores das instituições combalidas da república federativa que habitamos, tem menos de 50 anos. Neste caso, aritmeticamente somos forçados a concluir que 2012 - 1955 = 57, ou seja, sua empresa e -talvez- ele mesmo tenha/m migrado ao Rio de Janeiro com sete anos de idade negativos, ou seja, faltando sete anos para nascer. Como a Carta que nasce alguns dias antes da data de capa.
E gelaria eu apenas por isto? Claro que não, que meu sangue é doce. Neste caso, o que me manteve o atabalhoamento temporal foi a notícia da p.44. Agora a coluna Nosso Mundo tem um artigo de Gianni Carta (mesmo sobrenome do diretor Mino Carta, correspondente, se bem entendo, da revista em Paris e por boa parte do resto da Europa). Antes dos dois pontos que intermediam o tópico frasal, podemos ler:
O PRIMEIRO turno da [eleição] presidencial francesa, em 22 de maio, transcendeu um pleito nacional: [...]
Gelei, degelei, voltei a gelar, parafraseando um poeta da cidade que abriga a revista e sua bem-sucedida (ma maior parte das vezes) família. Pensei: "Pretérito perfeito no 22 de maio? Mas a revista não circulara no final de abril? O número 695 não era de hoje, 2 de maio? Em 22 de maio não estarei lendo coisas do 23 de maio? Como é que o Gianni fez para saber coisas que ocorrerão (no pretérito visto de certo futuro), daqui a três semanas?" Achei que a solução seria achatada se eu empinasse um ou dois copos (de 350ml) de cachaça.
E a sobriedade? Na p.59, tem a coluna de Vladimir Safatle, novo cronista da Carta. O título é "Política de uma nota só" (imagem de Newton Mendonça sobre a música de Tom Jobim). Se bem resumo, ele começa dizendo que a sociedade brasileira foi "despolitizada", pois criou-se "[...] uma espécie de causa genérica capaz de responder por todos os males a sociedade". E diz que esta é representada pelas denúncias de corrupção na república, mas indica que a indignação com este andar de carruagem (imagem minha) impede a plebe rude (imagem de Billy Blanco):
Uma verdadeira indignação teria nos levado a uma profunda reforma política, com financiamento público de campanha, mecanismos para o barateamento dos embates eleitorais, criação de um cadastro de empresas corruptodras que nunca poderão voltar a prestar serviços para o Estado, fim do sigilo fiscal de todos os integrantes de primeiro e segundo escalão das administrações públicas e proibição de o governo contratar agências de publicidade (principalmente para fazer campanhas de autopromoção). Nada disso sequer entrou na pauta da opinião pública. Não é de se admirar que todo ano um novo escândalo apareça.
Pensei: é isso aí, xará. E acrescentaria: a extinção dos estados, do senado e do poder judiciário, o voto distrital, o voto facultativo, o parlamentarismo. Mas, prá começar, a agenda dele até que vai bem. Mais que isto, parece que ele queixa-se, de maneira inovadora, do caos político nacional, o que também o leva a falar da desigualdade. Penso que a equação é: precisamos mudar a causa da causa da falsa consciência. Um troço destes.
DdAB
p.s.: pedi ao Google Images o seguinte: "a + carta + que + bebe". Nada pesquei. Tirei os operadores booleanos e correlatos e bem achei a bela imagem da postagem bem comovente bem aqui.
p.s.s.: agora, em 26/mar/2014, postando a respeito da Carta Capital, voltei aqui e não sei se lá em cima era protejou ou projetou.
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