20 junho, 2012

Plagiário eu?

Querido Diário:
Dá uma olhadinha aqui:

Pouco a pouco, inteirando-se de qualquer coisa, [um sujeito em manga de camisa] entrou a manifestar sinais de inquietação, jogando-nos de soslaio olhadelas descontentes.

Era Graciliano Ramos chegando à prisão em Recife, era a p.47 do primeiro volume das Memórias do Cárcere, escrito em 1953 e que li menos de 15 anos depois. E estou relendo agora. Agora olha aqui:

Tio César, depois de manifestar sinais de inquietação, passou a evitar definitivamente dirigir-se ao pátio de sua casa. Indagado sobre as razões que o teriam levado a adotar tão nefasto proceder, ele disse não poder conviver com galinhas, por ser um grão de milho.

Agora estamos em meu velho livro de teoria dos jogos, frase da p.1. Agora é uma piada que juram ser familiar, não era tio César (embora houvesse um tio com este nome), mas tio Jobim. Escrevi em, digamos, 2000 ou 2001 e publiquei em 2004. Mais de 30 anos depois de ler Graciliano. É plágio?

Bastaria para condenar-me?

Hà dias, comprei de segunda mão o livro "As Três Mulheres de Antibes", de William Somerset Maugham, publicado nos Estados Unidos em 1940 (sete anos antes de minha aparição), traduzido no Brasil em 1956 e que terei lido lá por volta daquele final dos anos 1960s. Segue-se logicamente que achei à p.18:

-Adoro pão com manteiga. Vocês não gostam? - indagou Lena voltando-se para Beatriz.
Esboçou a interpelada um sorriso amarelo e deu uma resposta evasiva. O mordomo tornou carregando um longo e estalejante pão francês. Partiu-o Lena em dois e besuntou-o com manteiga, milagrosamente surgida. Serviu-se um linguado assado na grelha.


Será plágio? Na p. 26 do CAPÍTULO 11A O CONCEITO DE MÉDIA, A MATEMÁTICA DAS FUNÇÕES ECONÔMICAS DE AGREGAÇÃO E OS NÚMEROS ÍNDICES do vetusto Bêrni e Lautert (orgs.) [Mesoeconomia; lições de contabilidade social],

O caso oposto ao das curvas de indiferença em formato de L é o da possibilidade de substituição perfeita entre as duas mercadorias, como o processo de escolha entre dois tipos de chá assemelhados ou de dois tipos de gordura para besuntar o pão que vai transformar-se em torrada.

Besuntar, meu chapa? Só posso ter guardado na memória este termo da admirável história das três senhoras gordas que morreriam de inveja da prima que levou o escritor britânico a usar o verbo.

E à p.22 do mesmo livro, podemos ver mais reclamações das três senhoras gordas contra a prima esbelta:

-Ela é sua prima, não é nossa - interveio Flecha. - Eu é que não vou ficar sentada aí durante catorze dias vendo essa mulher empanzinar-se.

E daí? Daí, leia aqui. Trata-se de notas de aula do curso de Micro III que dei no PPGE/PUCRS nos já afastados anos de 2004-7, algo assim. Ou seja, ficará claro que traduzi trecho de Poundstone, usando precisamente o verbo que aprendi lá no final da adolescência. [E, aparentemente, fiquei com preguiça de pensar mais sobre a tradução de 'fair share', que dei por resolvida com "dividir"]. É plágio?

Vejamos agora mais algum detalhe: Poundstone p.234 – com algo interessante sobre a cooperação: animais que se empanzinam ou que dividem o alimento:
                         ┌───────────────────────┐
                         │     Animal  Beto      │
           ┌─────────────┼─────────┬─────────────┤
           │ Estratégias │FairShare│Se empanzina │
┌──────────┼─────────────┴─────────┴─────────────┤
│ Animal   │ Fair Share       2,2        0,3     │
│   Ana    │ Se empanzina     3,0        1,1     │
└──────────┴─────────────────────────────────────┘
A população de animais que se empanzinam (gorge) vai exterminar a dos que dividem, pois estes vão procriando menos. 

E isto é tudo? Provavelmente não. Seguirei vigilante. E você, caro/a leitor/a, cuidado para não ser aprisionado no dilema do prisioneiro: se cair neste jogo, vá loco começando a empanzinar-se, que é a estratégia dominante e ao mesmo tempo equilíbrio de Nash. Nâo é isto?

DdAB
Imagem: aqui. E olha que uma coisa é plágio e outra é direito autoral. Quanto a este/s, sou a favor de uma mudança radical na política planetária: considera os autores como, por exemplo, os serviços de saúde britânicos consideram os médicos. O pacienta não paga, mas o governo paga. Aí teríamos verdadeira mente a informação a serviço da humanidade.

P.S. Foto: copiar e colar, copy and paste, copy-paste.

2 comentários:

Aline disse...

haha..muito bom! Mas vc sabe, com certa paciência dá pra sustentar divisão mútua, que é quando na verdade os animais vão ficando mais gordinhos :D

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

E aí a gente vai passando eles na faca? Um dia, Aline, viro vegetariano, mas antes devo despedir-me comendo o cervo do outro jogo...
DdAB