04 junho, 2012

Memórias do Graça

Querido Diário:
Li que o chamavam de Graça - Graciliano Ramos. Li coisas várias dele, em alguns momentos de minha vida. Individualizo dois: o final de minha adolescência, digamos que o ano de 1965, e o pós-doutorado em Berlim, na beira de entrar na terceira idade. No final da adolescência, li -juro- São Bernardo, provavelmente Vidas Secas e certamente Insônia. Memórias do Cárcere também é daquele período, só que li os dois volumes (dois em cada) encadernados, de propriedade de meu velho e finado amigo Walter Browne Maia, que o emprestou por meio de seu filho, meu colega for life.

Em Berlim, li pela primeira vez Infância e Caetés (em português, hehehe). Achei por bem, na sequência da qualidade literária de Machado de Assis, reencontrar Graciliano Ramos, outro formalista exuberante, com um português que foi tirado de moda pelo brasileiro. Foi marcante, em estupefaciente contraste com a tentativa de reler Capitães de Areia, de Jorge Amado, que refuguei aos brados. Já no Brasil, segui na saga gracilianesca, com S. Bernardo (pouco lembrava, mas algo ficara), Vidas Secas (claro que lembrava da Baleia e da Sinhá Vitória, dos meninos sem nome, Fabiano, o soldado, o filme). Depois reencontrei Insônia e evocava perfeitamente alguns traços importantes do conto do menino ladrão. Finalmente, cheguei a Angústia e deixei pendente a leitura das Memórias do Cárcere.

Pois bem, decidi ler Memórias do Cárcere neste outono. Já estou adiantado, ele acaba de ficar estupefato com um general que lhe disse: "Eu queria que o governo me desse permissão para mandar fuzilá-lo." Mas o que me trouxe ao blog foi uma reflexão interessante, na linha que costumo fazer, brincalhonamente, com o traço de algumas revistas (e automóveis) lançarem-se ao futuro. Ford 2013 em pleno 2012. Carta Capital da próxima quarta-feira em processo de leitura, jazendo a meu lado neste instante.

O traço que me interessa listar é o seguinte. Em meu exemplar (que, no final das contas, após a morte de Walter, foi-me dado por Adalberto), há uma lista das obras completas do Graça, culminando com as memórias, publicadas postumemente:

.1. Caetés (que li, como falei, em Berlim; tem Luíza na parada): Schmidt: Rio, 1933.

.2. S. Bernardo: Ariel: Rio, 1934 (este andou sendo publicado como São Bernardo e voltou, com a Editora Record, em 2005, a ser chamado de S. Bernardo.

.3. Angústia: José Olympio: Rio, 1936 (doravante, tudo o que falarei é da José Olympio). As Memórias do Cárcere começam no início de 1936 e ele fala que tem um livro em andamento, ou até que tem um livro mal-recebido pela crítica e que, se erro houve, foi de não ter cortado um terço. Não concordo, mas que falou, lá isto falou.

.4. Vidas Secas: 1938.

.5. Insônia: 1947, o livro de contos. Por coincidência, não apenas nasci em 1947, como pude adquirir num sebo porto-alegrense um exemplar desta primeira edição. Não sou dado a valorizar as raridades literárias, mas que tenho esta, lá isto tenho.

.6. Infância: 1945. Por que será que está listado depois daquele de 1947? Meu exemplar, também da Record, não tem data, podendo-se jurar ser posterior a 1980, quando morreu Octávio de Faria, que fez um posfácio.

.7. Memórias do Cárcere (obra póstuma): 1953.

Resumo: na listagem das minhas Memórias do Cárcere, são sete e apenas sete as obras completas de Graciliano. Por que sustentar esta tese? Porque precisamente no primeiro capítulo, página 8, paragrafão iniciado na p.7 com "O receio de cometer indiscrição [...]", lá para diante diz: "Estou a descer para a cova, êste novelo de casos em muitos pontos vai emaranhar-se, escrevo com lentidão - e provàvelmente isto será publicação póstuma, como convém a um livro de memórias." Quero dizer: muito provavelmente, não foi ele que deu a forma final ao que de resto veio. Analogias ao segundo e terceiro volumes do Capital (Engels) e o quarto (Kautsky). Quem é mesmo o autor dessas obras?

Que nos diz o exemplar de S. Bernardo que terminei de ler às 0h15min de 31/jan/2008?

Caetés, 1933, ok.

S. Bernardo, 1934, ok.

Angústia, 1936, ok.

Vidas secas, 1936, ok.

A terra dos meninos pelados. Porto Alegre: Globo, 1939. Epa I: por que minha edição não o registra na contracapa da folha de rosto?

Histórias de Alexandre, Rio de Janeiro: Leitura, 1944. Epa II: também em plena vida do Graça.

Dois dedos. Começa a confusão: no site que citarei abaixo, ele não consta das 12 obras que por lá se listam. No meu exemplar da Record, fala literalmente: "Dois dedos. Ilustrações em madeira de Axel de Leskoschek. R. A., 1945. Conteúdo: Dois dedos, O relógio do hospital, Paulo, A prisão de J ?Carmo Gomes, Silveira Pereira, Um pobre-diabo, Ciúmes, Minsk, Insônia. Um ladrão." Pois bem, este troço é mais ou menos o Insônia, lá dos meus meados dos anos 1960s. Olha agora o que lá diz (agora, digo, agora, estou com o livro de 1997 da Record): Insônia, Um ladrão, O relógio do hospital, Paulo, Luciana, Minsk, A prisão de J. Carmo Gomes, Dois dedos, A testemunha, Ciúmes, Um pobre-diabo, Uma visita, Silveira Pereira. Em outras palavras, que diabos é este R.A? [A internet mostrou-me o seguinte: "Mário de Andrade publicará em 1935 esse mesmo ensaio sob o título “O Aleijadinho e sua posição nacional”, no livro O Aleijadinho e Álvares de Azevedo. Rio de Janeiro, R.A. Editora." Talvez seja a mesma. Ver aqui.

Infância (memórias): tudo nos conformes.

Histórias incompletas. Rio de Janeiro, Globo, 1946. Tempo de vida do Graça, mas ausente de minha primeira fonte.

Insônia. Rio de Janeiro: José Olympio, como já sabemos, 1947.

Memórias do Cárcere, ok.

Viagem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954 (ou seja, após a morte de Graça e um ano após as Memórias do Cárcere).

Contos e novelas (organizador). 1957, Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil. Afinal, não era autor, não era? Organizador post mortem?

Linhas tortas. São Paulo: Martins, 1962.

Viventes das Alagoas. Quadros e costumes do Nordeste. Sáo Paulo: Martins, 1962.

Alexandre e outros heróis. São Paulo: Martins, 1962.

Cartas. Rio de Janeiro, Record, 1980.

Cartas de amor a Heloísa. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

O estribo de prata. Rio de Janeiro: Record, 1984.

DdAB
Num dos livros tem o site: www.graciliano.com.br, onde aprendi que a sinalética que apresento acima não está 100% de acordo com o futuro. Que futuro. Tinha que conferir tudo no site citado. Quando me meterei em algo que não vire confusão?

P.S. de 8/jan/2014: este site, muito maneiro, é maravilhosamente maneiro, como eu disse:
http://www.vidaslusofonas.pt/graciliano_ramos.htm
e uma lição para fazermos no br sites igualmente maneiros. E, vi há pouco, por razões vãs, que ele fala no 'Graça', dando-o como um fait accompli.

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