02 outubro, 2009

O Futuro do Universo e o Fio Dental

Querido Blog:
esta foto -preciso deixar claro- veio de uma das ofertas que o Google Images fez a meu pedido de "fio dental". ela origina-se de um certo abril.com.br e -naturalmente- não apareceu em primeiro lugar, que estes eram dominados por verdadeiros fio-dentais, ou seja, les maillots brésiliens. a história é longa, a postagem é longa, mas deixo tudo explicadinho, ainda que não ache razoável imaginar que não terei algum comentário do Prof. Ellahe, que assunto de moda é com Ele-Ela.

pois bem, o fio dental a que me refiro é mesmo um aparelho exossomático, como ensinou-me o Prof. João Rogério Sanson, destinado a qualificar a higiene oral. outro aparelho exossomático, também oral, agora destinado a trabalhar pela dentição que partiu. ex votos, na cultura mais nordestina do que sulista, se bem entendo sutilezas. e principalmente se nelas -sutilezas- envolvo-me em revolutas sem conta, reticênssias, três pontinhos...

e por que falar em fio dental no sentido de higiene oral, nesta postagem preocupada em aquilatar o futuro do Universo? não sei quem nasceu em primeiro lugar, se falar em "Laranja Mecânica" e o futuro do passado ou em Perry Rhodan e, naturalmente, o futuro do passado, as well. o filme "Laranja Mecânica" vi-o em Montevidéu, num dos anos em que lá fui passear, mas não fui assaltado, como na derradeira vez. eles -estou certo- importaram o modelo brasileiro. em, digamos, 1974, estava chegando par automobile na indigitada cidade e, já no clima, vi que o cinema exibia o filme de Anthony Burguess, Malcom McDowell e Stanley Kubrick, se me não falham os 50% ou 60% de funcionamento de meu neurônio, rsrsrs... [rs: terra de fazer rir].

a postagem é longa, repito. pois há uma cena no quarto do Malcom em que um funcionário público que zela por sua regeneração (não do serviço público, como sabemos, que anda de mal [bad] a [to] pior [worse], mas do Malcom himself). o funcionário, se me garante a memória, deita-se à cama, aplica uns corretivos no Malcom, espicha o braço, pega um copo full of water e seus subprodutos, bebe-lhe o conteúdo com sofreguidão, devolve o copo e, no processo, que resta-lhe no fundo uma dentadura. lembra? era assim? a "Laranja Mecânica" estava proibida no Brasil, os assaltos proibidos em Montevidéu, a vida corria plena de churrascos e rivelis. era bucólico, era a juventude, era a distopia charmosa, tanto é que não posso mais ouvir "Singing in the Rain" que não lembre a desagradável cena de tortura dos rapazes upon o mendigo.

não lembro se, na ocasião, aquele traço da distopia, com maravilhas médicas (e.g., o corte que Malcom inflinge a um de seus amigos cicatriza em poucas horas) e atropelos à modernidade dos implantes dentários (e assaltos a velhinhos indefesos em Montevidéu...) chocou-me. hoje, ao pensar em dois tipos de fio dental (o floss e o tape...) e a visão que formamos do futuro, moldando-lhe os contornos em algumas coisas (o submarino Nautilus) e dando ratas homéricas em outras (a corega 100% eficaz para segurar dentaduras, como sonhou o pessoal do romance "O que pensam vocês que ele fez?"). a postagem é longa... mas não posso evadir-me de registrar o visu do filme "1984", que terá sido feito, digamos, em 1980, com aparência de quem faria os cenários com a concepção de um desenhista de cenários trabalhando lá pelos anos 1930 ou 1940. muito me impressionei. o claro-escuro esmaecedor do detalhe em "Blade Runner" foi substituído por um criativo design claramente superado tecnologicamente por qualquer avanço significativo no tempo. este foi o rasgo que me impressionou: como os rapazes do presente pensavam que seus antecessores profissionais iriam desenhar o tempo de seus pósteros profissionais.

para quebrar o encantamento que me provocou a leitura de contato com o livro de Raymundo Faoro sobre Machado de Assis (a pirâmide e o quadrilátero, sei lá), e o bloqueio que sobreveio, decidi fazer o mesmo que ele disse que iria fazer com o Machado. só que, mutatis mutandis, praparando-me para analisar o pentateuco machadiano, começo com algo mais curto. acho que entendi o suficiente de Faoro para fazer valer minha absurda modéstia e começar meu voo individual. consideremos a p.3:

[...] Discernir o perfil na hora transeunte nos caracteres, desvendar, atrás do papel teatral, as funções sociais e espirituais - esse o caminho tentado, para reconquistar, no Machado de Assis impresso, não o homem e a época, mas o homem e a época que se criaram na tinta e não na vida real.

und

[...] Perdido na mudança, no fogo cruzado de concepções divergentes do mundo, sem conseguir armar a teia da sociedade e identificar-lhe os fios, o autor estiliza os fatos e os homens, na armadura de um esquema da própria transição.

pararei por aqui, que às vezes parece-me que a prosa de Faoro é tão refinada quanto a do autor do objeto de sua admiração. ou seja, mutatis mutandis, achei que seria de proveito eu começar minha carreira de crítico literário primaveril (que outubro é meu mês preferido, não que lance os 11 demais ao obróbio, au contraire) com um exame de uma obra mais impregnada pelos requebros da indústria cultural.

pois bem. acabam-se os prolegômenos. começo a relatar. acabei de ler "Xeque mate: Universo", um romance de Perry Rhodan e Kurt Mahr, da Edições de Ouro, de 1977 (P82), numa tradução redigida em excelente português de S. Pereira Magalhães, a partir do original "Schach dem Universum", o que me inspirou a escrever "und" entre as duas sentenças faorianas. o que cito aqui e ali é do exemplar em papel, mas a obra de arte está na internet. se a poesia drummondiana -que sou dado a ele e João Cabral- falava em "a maciez amarela da batata", somos forçados a concluir que há poesia também na frase "o emaranhado fulgurante das estrelas" (p.77). ou ainda o poema que citei em meu site transliterado como "el punto se desplaza a lo largo de la curva".

neste caso, vejamos a p.11-2 do xeque mate em papel:

Julian Tifflor tinha certeza de que jamais vira estes dois homens antes. Eram jovens,vestidos de maneira mais do que simples, cada um deles com uma pistola de raios térmicos na mão, apontando-lhe para o peito.

Num relance de vista, Tifflor percebeu que, nestas circunstâncias, não podia fazer
outra coisa do que obedecer aos dois rapazes, por absurdas que fossem suas pretensões. Não estava, porém, com medo. Encontrava-se mais ou menos no centro da metrópole Terrânia.

É verdade que a rua, onde se localizava o restaurante em que acabara de jantar, não
tinha mais movimento. Já era tarde demais para se ver gente andando pelas ruas. Dois
carros disparavam nas faixas de alta velocidade, mas já iam longe, para seus ocupantes poderem notar o que dois assaltantes faziam com um senhor uniformizado, à beira da calçada.


desconfiado, que fazia bem 20 anos que não lia sobre a turma de Perry -e redescobri que não o fazia há um decêndio-, tomei-me de todas as precauções possíveis. pensei que

.a. Julian Tifflor bem pode ser nome de gente, pois ele "tinha certeza" de algo. claro que robôs não podem ser aclamados com a palavra "certeza", pela simples definição de inteligência artificial: certeza é algo natural e não artificial. a novilíngua que enfrente seus problemas e, se usarmos palavras da língua mundana, precisamos precaver-nos quanto aos tropos. mesmo assim, acho que também animais acalentam lá suas certezas, mas eu não era tabula rasa na leitura das aventuras dos povos astronautas... sabia que, a fim de ver o Universo levar um xeque mate, deveria entender tudo metaforicamente. se o cheque fosse mesmo "mate" (kaputt...), não haveria registro de seu fim, não é mesmo? a própria existência do livro (e agora também em PDF) era a consoladora e saborosa evidência de que seguimos existindo, ou assim pensamos, com determinado grau de certeza. mesmo porque, ainda que eu não estivesse existindo hoje, já teria memória de ter existido em outros momentos no passado (ou no futuro?), pois já lera bem uns 40 livrinhos, nos meados dos anos 1980s, como andei referindo par ici. ok, além de "certeza", Tifflor "vira", ademais, "dois homens". não estaríamos seguros de que Tifflor fosse "homem", mas -aceitando a "certeza", nossos indícios deixam-nos mais perto do que a p. 9: "Coronel Julian Tifflor - Comanda a expedição dos 14 'desertores'".

.b. Tifflor era homem, com capacidades humanas normais, tanto é que viu -atrevo-me a expressar assim- dois semelhantes. estão ambos os três, epa, estão ambos os jovens e o coronel mais velho em um ambiente que contempla homens de diferentes idades, tanto é que o autor descreveu os dois desconhecidos como "jovens", não é mesmo? neste ponto, eu ainda não tinha pistas sobre a idade de Tifflor, presumindo tratar-se de um indivíduo de meia idade. coronel, na ativa da Federação Galáctica, essas coisas.

.c. se os dois homens jovens estavam "vestidos", então Tifflor provavelmente também estaria, ou seja, adivinho que não o capturaram em pleno horário do banhozinho, se é que no futuro ainda tomaremos banhos. e se a vestimenta era "de maneira mais que simples", estamos frente a uma sociedade que convive com a desigualdade. Vinicius de Moraes falara no azul da roupa chinesa, igualando todos/todas numa elegância anti-desigualdade.

.d. pistola de raios térmicos: isto também me parece familiar. aparentemente nós, os humanos, no pedaço chamado de VietNam, também o fizemos. ou seriam diminutas bombas H, de estilo Hiroshima und Nakasaki? não fomos nós? não somos humanos? foi a geração anterior? prá todo pecado há perdão? no velho Perry Rhodan, aprendi que ninguém deve vingar-se de crimes dos pais fazendo os filhos pagarem. pelo menos não no "espaço einsteniano". mas preciso esclarecer "velho". esta postagem não vai acabar nunca. eu lera em 1985 e agora leio algo de 1977 ou 1978, ou seja, se o arrow of time é mesmo do passado ao futuro, primeiro veio Tifflor e apenas então, o bichano que comia pedras que li lá atrás, mas que era lá da frente.

.e. a metrópole Terrânea levará a derivativos diversos do "terráqueos, rendei-vos!", uma propaganda de alimento, que vi há muitos anos e amei, pois "terráqueo" é maravilhoso. se falássemos de "economia política", eu diria que terráqueo e político rimam com batráqueo... epa, a postagem é longa. seja como for, se Terrânea tem centro, é porque também terá periferia e, quem sabe?, esta poderia ser assemelhada ao que hoje chamamos de zona rural e que havia algo parecido no filme Rollerball.

.f. havia um restaurante numa rua. claro que eu poderia explorar este ponto, sob a perspectiva da economia urbana e da nutrição humana, também da economia dos serviços de alimentação e recreação e da urbanização do planeta, dos planetas e vida rural nas astronaves. vendia-se comida? vender-se-á comida? qual o futuro do capitalismo? tudo Perry responderá, in due time.

.g. tem mais: havia gente circulando nas ruas em outros horários e havia carros circulando também. no "Blade Runner", os carros da polícia eram aéreos. e muita gente circulava pelas esteiras rolantes, que seria o substituto ainda hoje previsível para o transporte intra-centro urbano.

.h. na p.13, fala-se em "ignição", com carro chaveado e portas fechadas. se tudo mover-se por meio de energia nuclear tipo fusão atômica, haverá necessidade de "ignição"? mais adiante, o Prof. Lawrence (p.166ss) dá uma aula sobre o que Tifflor ganhou com sua expedição em que jogou "dilema de prisioneiros" com os arcônidas e os druufenetres (gentílico atribuído por mim, agora). o próprio limite dado pela velocidade da luz foi apresentado pelo combativo professor como sendo o limiar de transição de estado. sua analogia -que ele pediu cautela para a expansão dos limites de validade- com o gelo e a água é vibrante. para ele -Lawrence-, se vais elevando a temperatura do gelo, este vai perdendo calor, até que -abruptamente- a zero graus centígrados, deixa de ser gelo e transita para o estado líquido. o mesmo ocorre aos 100 graus Celsius. de modo análogo, uma nave espacial e um cachimbo, se receberem mais aceleração (era isto?) vão deslocar-se cada vez mais rapidamente no espaço einsteniano, até que -pluft!- vão mudar de fase, viajar a velocidades substancialmente superiores à do Prof. Einstein e poderão -just like that- retornar a sua condição de naves ou cachimbos, in due time.

.i. havia, portanto, armas, havia motivações egoísticas, havia solidariedade humana e traição. e por aí andou o livro até seu final. que culminou com o seguinte reclame: "Em 'Planeta Topsid, Favor Responder', próximo volume da série, tal poderio bélico é mostrado de modo inesquecível." Mas eu não responderei ao reclame, passando a dedicar-me a ler o Faoro e reler o P259, nomeadamente, "O Robô Terrrível", também da Ediouro, 1985, que terei lido pela época do lançamento, como sutilmente sugeri. postagem longa!
DdAB

5 comentários:

Unknown disse...

Faço minhas as palavras da Sra. da Paz: adorei! Muito saudável, Professor.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

caro Prof. Ellahe:
pensei que iria receber comentários mais alongados sobre a natureza íntima dos maiôs e sua origem imanente. seja como for, no sábado -dia 3- volto à economia política.
DdAB

Unknown disse...

Caro Professor, desculpe. Na verdade minha especialidade não é MODA, como o Sr. supõe, e sim, da pitaco nos blogs alheios. Estou começando a acreditar que isso faz os blogueiros felizes. A título de reparação, lá vai:
- sabe como chamam o Fio Dental (le maillot brésilien) na Bahia? "Cordão Cheiroso". É, nem sempre moda é sinônimo de elegância, bom gosto, refinamento ...

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

amado professor:
fiz um comentário inteligentíssimo que, aparentemente, was sent to the dogs. insisto apenas na veia poética:
alegria é voltar a receber
teus ardentes comentários
todos, todos bem felizes
em dias tais de aniversários.
que disso dizem que dizes?
DdAB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

É, voltei aqui!
26/mar/2014: para dizer que aprendi há poucas semanas que o maiô 'fio dental' em inglês diz-se G-string. Eles são mesmo solares, né?
DdAB