Querido Blog:
O Prêmio Nobel de Economia de 2009 foi conferido à dupla Elinor Olstrom e Oliver Williamson. Na cultura brasileira, isto se compara a um gol, um gol de Dinamite. Roberto Dinamite, jamais esquecerei -no comentário de Lauro Quadros-, fez um gol de cabeça contra o Grêmio, numa bola que -segundo o comentarista da rádio- "era muito alta" para a defesa. Lauro, abençoado por natureza, apenas comentou: "Bola alta? Mas não para o Dinamite!". Nunca esquecerei, o que me dá direito de usar o marcador "Vida Pessoal" para esta postagem. Mas quero ir além do Dinamite, do criador da dinamite, o bondoso Alfred Nobel.
Já não lembro bem o nome do primeiro ganhador do prêmio dos economistas. O fato é que eu já gravitava em torno desta profissão, significando pelo menos anos 1960s, mas talvez 1970s. Daqueles tempos, veio-me o sobressalto de que Joan Violet Robinson jamais ganharia aquele prêmio ideologizado e avalizado pela ditadura militar brasileira (hoje penso mais na linha do vice-versa). Menos suscetível ao maniqueísmo, no final dos anos 1980s, ainda assim, decidi inserir em minha teoria da grande conspiração contra a esquerda.
Por contraste aos nomes dos primeiros laureados, em 1978, lembro perfeitamente da estupefação de alguns e minha -digamos- discreta aquiescência ao nome de Herbert Simon. Estávamos em Nashville, além de mim, nenhum dos citdos até agora... Simon rima com Williamson, informação, racionalidade, contratos. E também com William Baumol e novas formas de pensarmos a microeconomia e a macroeconomia, ou seja, tudo. Mas Simon também rima com mercados de trabalho incompletos, Samuel Bowles e, voilà, com Elinor Ostrom. Ela distingue-se duplamente: Ostrom é a primeira mulher e -creio- a primeira pessoa laureada que tem razoável extração pela esquerda, pelo menos aquilo que hoje entendo ser esquerda, nomeadamente, um projeto igualitarista para a sociedade mundial do século XXI.
Com Simon, aprendi que, se mercados são ligados por linhas verdes e hierarquias (firmas) são ligadas por linhas alaranjadas, então um marciano, ao sobrevoar o planeta observará apenas as últimas. Para ele, o grosso da atividade econômica ocorre dentro da empresa, fora dos limites do mercado. Claro que ele não disse isto bem assim. Seja como for, o que eu digo é que as organizações econômicas são três: produtores, locatários dos fatores e instituições.
Os produtores organizam-se em firmas ou não. Vão ao mercado dos fatores e alocam os serviços dos fatores que as instituições que lhes (aos fatores, né?) são proprietárias autorizam a irem ao mercado. Ou seja, os produtores compram serviços dos fatores e, com eles, produzem bens e serviços. Estes B&S são vendidos às instituições que os adquirem com o dinheiro que lhes pagam os locatários dos fatores de sua (dela, não falei?, a instituição). E como é que este dinheirinho vai parar nas mãos das instituições? Ocorre que existe um mercado, o de arranjos institucionais, em que as instituições ofertam tais arranjos e os locatários dos fatores os demandam. Se não houvesse ordem no, por assim dizer, galinheiro, ou seja, se não houvesse instituições -no sentido mais amplo do que apenas as instituições de que falei antes (famílias, governo, firmas nacionais e firmas estrangeiras)-, não haveria propriedade privada do produto do trabalho. Numa sociedade de rapina, não há chance de vermos pirâmides ou mesmo leite de saquinho.
Claro que, quando tomo emprestado a Richard Stone este troço que acabo de estilizar acima, estou falando em mercados para tudo o que é coisa que podemos imaginar. Inclusive para bens públicos, por exemplo, cuja produção vai alinhar-se -digamos- na atividade/produtores "Administração Pública". Eu vim montando um quadrinho muito interessante em minha cabeça:
.a. pensamos quase sempre no "mercado", esquecendo outras instituições capazes de agregar preferências coletivas; tal é o caso do "governo" e da "comunidade". li numa revistinha que da horda primitiva, surgiu o bando, do bando a família, da família, as famílias, a exogamia, essas coisas, a troca, o dinheiro e o banco central,
.b. descobrimos que o mercado exibe falhas severas e depois também viemos a constatar que o governo também tem falhas e a comunidade também apresenta lá seus fracassos. Grupos de interesse (e a ladroagem dos políticos, claro), num caso e, por exemplo, lei do silência, no caso da comunidade,
.c. o mercado, além de falhas, tem outros problemas. O primeiro são os custos de transação, o que faz surgir a empresa como forma "econômica" de lidar com eles: entre comprar e fazer às vezes é mais barato comprar e em outras tantas o melhor mesmo é fazer.
.d. o mercado tem outro blim-blim-blim severíssimo, nomeadamente, a Elinor Olstrom. Ou melhor, não é bem isto. Se bem entendo as lições que aprendi inicialmente no livro de microeconomia de Samuel Bowles e depois no livro organizado por Gintis, Bowles, Boyd & Fehr e também nos artigos da própria Olstrom, o que eles chamam de supply crowding out. O primeiro caso, parece, é a doação de sangue na Inglaterra. O segundo, parece, é a creche de Israel.
Ostrom e esse pessoal da economia experimental, economia política, economia austríaca, economia marxista, economia política radical, economia institucional, teoria dos jogos (todas com os epítetos velha, middle age, nova, novíssima e novississíssima) permitiram-me incorporar a meu modelo a noção de que, em muitos casos, a instituição mercado não apenas não resolve o problema como serve para atrapalhar. No caso do sangue -diz a literatura- o NHS (ou o que quer que seja que o tenha antecedido) começou a pagar pelas doações. Aí, os cidadãos portadores de virtude moral disseram para seus paralelepípedos: "vou deixar este troço para quem precisa do dinheiro, pois eu é que não estou afim de vender meu vermelhinho", um troço destes. No caso de Israel, o título do artigo já é 100% marqueteiro: "A fine is a price", ou seja, neguinho achou que meter multa nas creches para quem não buscasse as crianças no horário iria resolver o problema dos atrasos. E o que a multa resolveu foi o problema da culpa dos pais. Neguinho (o outro lado) pensou: "ok, vou ficar bebendo mais umas cachaças e depois pago a multa, o que garante fair trade, de um lado, e tratamento adequado à Sarinha e ao Jacozinho", não era isto?
Mas também extremamente importante é a adesão de Elinor Ostrom à chamada reciprocidade forte. Como sabemos, o mais maravilhoso dos mundos até 1986 foi capturado pela chamada estratégia Tit-for-Tat para a condução das escolhas quando dois indivíduos interagem repetidamente numa situação de dilema de prisioneiros. Pois ela e outros passaram a constatar que um número substantivo de pessoas se comporta de acordo com o que chamam de reciprocidade forte. Quem adota esta estratégia? Resposta:
.a. os jogadores de Tit-for-Tat que, além do mais,
.b. punem comportamentos "anti-sociais" que seus antagonistas adotam com relação a terceiros, mesmo que a um custo pessoal.
Ou seja, de acordo com esta estratégia, se A é falcão e B é pombo e C observa A explorando B, então C sairá em defesa do pombo B, mesmo que saia levando umas bicadas do violento falcão A. Elinor. E meu amado Bowles. À propos, vou dar umas dicas de próximos prêmios nóbeis: Bowles himself, Fehr, Mayr, Frey e por aí vai. Parece que o comitê que outorga o prêmio deu um certo pulo para a esquerda. Ainda assim, aposto que eles nunca mais darão o prêmio a William Baumol, que me parece ser -de todos os seres vivos em 2009- o mais merecendente!
Esta história tem moral? A primeira é que que é que tu faz com os US$ 700.000 do meio-nóbel? Acho que não dá para nada, nos dias que correm. A segunda é que -como disse James Meade- também discutindo instituições, estamos num mundo eivado de dificuldades. Não fosse o Meade do clube do prêmio dinamite, eu nem citaria este terrível lugar comum. Ainda assim, Bowles declara-se sociólogo e Ostrom diz-se economista política. Eu aproveito para dizer que, dias atrás, disse-me artista plástico a um menino de rua, que -por caridade- anuiu.
DdAB
p.s.: não esqueçamos de que, acima, falei em "gravitar em torno da profissão de economista". não negligenciemos que, com tudo isto que falei sobre racionalizar e reduzir o papel do mercado para resolver todos -todinhos- os problemas da vida societária, considero a lei da gravidade menos importante do que a lei da oferta e procura. claro que isto vale para os casos em que queremos descrever fenômenos de agregação de preferências de indivíduos humanos e suas famílias.
4 comentários:
Em cada uma dessas premiações me pego pensando, como seria legal ganhar um premio desse. Imagina! um brasileiro, ex aluno de uma faculdade meia boca, hahahah
Mas sao apenas sonhos
Abraços
Concordo com o Daniel!!
Estudo na UCS, que também é 1/4 de boca!hahahaha
Professor Duilio, por favor, dá uma passada em meu blog...
economiapratica.blogspot.com
aí, Daniel, aí, Matheus: não quero ser pessimista, mas acho que sou apenas 1/8 de boca de professor... o blog do Daniel dá shows incontáveis. o do Matheus vai receber minha visita daqui a instantes.
DdAB
Oi Duilio!
O prêmio Nobel de economia já produziu um grande benefício: bombou a internet com artigos bons sobre o institucionalismo. Olhaí...
dá pra ter esperanças... liberdade, racionalidade e solidariedade formam uma mistura de primeira.
MdPB
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