25 março, 2009

Bolsas para Senhoras de Crocodilo

Ilustríssimo Senhor Blog:
Procurei no Sr. Google Images, entre aspas, o título da postagem de hoje. Em minha infância, falava-se que o rádio falava em "sapatos para senhoras de crocodilo", uma raridade naqueles anos 1950s. Lembrei-me disto ao ler -eu que quase nunca leio a Sra. Lurdete Ertel, na ZH de ontem (p.20), pois não a acho inspirada- o que segue: "Os animais foram comprados pela Angus Trading, responsável pela exportação, ao longo do último mês, de diversos pecuaristas da região sul do estado." Exportação de pecuaristas? Senhoras de crocodilo? Divertido.

Por falar em divertir-me lendo Zero Hora, sempre tenho maravilhosas horas de entretenimento com as charges de Iotti e sua tira (que leio invariavelmente day after day). Mas hoje vi a charge sobre política com uma mensagem que me levou a lançar um protesto, escrevendo-lhe. Liguei sapatos de crocodilo com bolsas de crocodilo e a bolsa família. Ele não se deu por achado, ou melhor, sendo achado por meu e-mail, respondeu no ato (com ligeira edição minha):

Caro Prof. PHD Duilio! Ma che spetacolo. Foi a melhor análise de uma charge minha em os todos tempos. Parabéns! iotti

Eu não vou deixar por isto e responder-lhe-ei: "O Tchê Iotti, tu diz isto para todas?" Vejamos, amanhã, o que ele diz, se ele diz ou não se desdiz. E que diálogo foi este? É que escrevi o que segue:

caro Iotti:
depois de dar muitas gargalhadas e mesmo sentir-me vingado contra baixarias da política a partir de tuas charges, vejo-me profundamente contrariado com a da p.17 da Zero Hora de hoje ("11 milhões recebem Bolsa Família"). eu descreveria assim: parcas cores, sol inclemente, chão carente de água, mãe de olhos luminosos portando um pacotinho minúsculo, cinco crianças enfileiradas expressando emoções benévolas, casebre guenzo e cactus como manifestação singular de área verde circundando o "ninho de amor". [[omiti da mensagem a ele mas ao reler agora vejo que, sem o resto das legendas, o que segue não faz sentido. lá a mãe daquela peonada dizia: "Aprender a pescar pra quê?!!"]].

escrevo para passar informação (sumária) sobre um movimento mundial (muito mais amplo do que o que hoje existe no brasil) chamado de "renda básica mundial". (ver www.basicincome.org). no brasil, este movimento vem sendo defendido pelo Sen. Eduardo Suplicy (não sem lá -naturalmente- seus vacilos...). muitos associam a importância do movimento atual a outros, como a abolição da escravatura e o voto feminino. [[Adendo: a lei 10835 de 8/jan/2004 - de iniciativa do senador - que instituiu a renda básica da cidadania pode ser examinada ao se clicar aqui]].

por que o homem não pode ser escravo? por que a mulher tem que votar? claro que são respostas arbitrárias, pois a verdade é que a humanidade viveu a maior parte de sua história com escravidão e sem eleições. de modo análogo, por que o homem não pode ter renda que lhe é transferida por seus co-cidadãos? quem foi que disse que "quem não trabalha não come?" as criancinhas do Bairro Bela-Vista em Porto Alegre, se bem entendo, não trabalham e comem refeições exemplares. os avós dessas criancinhas, do Bairro Higienópolis, tampouco trabalham e -sim- comem. por fim, nem todo o adulto em idade economicamente ativa trabalha, pois "vive de rendas". quem disse que estas formas de transferência do excedente social é que são as corretas? por que não democratizar o acesso ao excedente econômico, tornando uma parte deste independente do acesso ao mercado de trabalho e aos rendimentos da terra ou do capital?

por fim, há muito adulto que não trabalha porque não consegue emprego. os estudiosos dos mercdos de trabalho têm razões para acreditar que, nestes, haverá permanentes excedentes de oferta, ou seja, o desemprego será um fenômeno eternamente associado ao próprio funcionamento do mercado de trabalho. em outras palavras, não haverá emprego para todos, nem amanhã, nem nunca, como nunca houve, desde que o mercado de trabalho passou a exercer papel maiúsculo na distribuição do excedente social (isto é, há uns 200-300 anos). de minha parte, tenho razões para crer que, lançado ao desemprego durante um bom (mau) período, o homem perderá sua compostura e poderá enveredar por uma senda sem retorno, no rumo da doença.

meus cálculos -tão espantosos que agora mesmo vou revê-los para pensar que não estou incidindo numa burrada homérica- dizem que, no brasil, caso cada brasileiro em idade economicamente ativa (isto é, 80 milhões de pessoas) ganhassem R$ 500 por mês, ainda sobrariam 80% do PIB para serem distribuídos em outras formas de remuneração. por exemplo, maiores incentivos a empresários inovadores, a cidadãos que se destacam em outras esferas que não a produtiva (sacerdotes, artistas, sabe-se lá que mais). R$ 500 é muito mais do que hoje se pensa em "bolsa família".

a própria charge mostra bem os limites das oportunidades de lazer daquelas cinco crianças acompanhadas de sua santa mãe. vejo um terreno arenoso, diferente dos jardins de casinhas, talvez, desenhadas pelas próprias crianças, se escola tivessem (teriam escola as de teu desenho?). esta fábula de "ensinar a pescar" não foi criada por um educador, posso assegurar-te, pois já ouvi dizer que uma criança sem escola (como as de teu desenho?) não sabem distinguir um tubo de cola de uma fruta. quem não come peixe (ou o que seja) tampouco presta atenção nas aulas, quem não toma banho não pode sentar ao lado de outra criancinha na sala de aula etc..

creio que existe um erro sério de compreensão de alguns conceitos econômicos centrais entre os divulgadores do "ensinar a pescar". eles implicitamente estariam dizendo que é necessário que alguém (o governo?) faça gastos de outra natureza (penitenciárias? escolas? restaurantes populares? BNH?) que não o pagamento da renda básica. outros ainda dizem que o governo deve gastar é incentivando a criação de novos empregos, o que geraria renda para a mãe das cinco criancinhas do desenho e, com a renda, ela -mãe- poderia colocar seus filhos no posto de vacinação, na escola, no restaurante, evitando o consumo de crack etc..

ainda há duas tecnicalidades. primeira: gastar 20% da renda nacional em transferências não impede que 100% da despesa nacional seja feita em outras formas de gasto (que, por definição, não são renda, mas despesa propriamente). em segundo lugar: não podemos pensar que o brasil de hoje (nem, talvez, qualquer outro país do mundo) terá capacidade de retirar de sua despesa nacional um montante de dinheiro para investimento que garanta a criação de empresas que gerariam emprego a todos os indivíduos em idade ativa que hoje detêm empregos precários (hoje 22 milhões de brasileiros, ou seja, talvez os mesmos 11 milhões que recebem a bolsa família mais 11 milhões que sequer poderão saber da existência deste mecanismo redistributivo, ou estarem dedicados a negócios escusos que sequer dela precisam).

imagina a carinha de felicidade daquelas cinco criancinhas de teu desenho se a mãezinha delas tivesse dentro de sua parca sacolinha o correspondente em R$ 500 em bens e serviços de outra natureza, como educação, alimentos adequados, essas coisas. minha sugestão para pensares é um programa de três pontos, com indisfarçáveis contornos budistas:
.a. três horas de aula diárias (para manter a mente quieta)
.b. três horas de ginástica diárias (para manter a coluna ereta)
.c. três horas de trabalho comunitário diárias (para manter o coração tranquilo)
tudo isto a ser feito na organização comunitária que chamaremos de Brigada Ambiental Mundial.

de onde vem o financiamento para este programa planetário de renda básica?
.a. da criação do Banco Central Mundial
.b. da cobrança por este de 5% do PIB de todos os países do mundo
.c. da cobrança do imposto de Tobim, um valor de 0,5% de cada transferência de fundos financeiros de um país a outro.

abraços do
DdAB
renda básica mundial
renda básica da cidadania
bolsa família
brigada ambiental mundial
serviço municipal

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