Querido Blog:
Sabê-lo-ia você que sou um dos mais concorridos frequentadores do Parque Marinha do Brasil, onde cheguei a pensar em alojar a República Popular da Marinha do Brasil, a RPM? Pois não é que, dias atrás (16/jan/2009), voltava eu de uma dessas concorridas corrida (ou bicicletada), sendo saudado:
-Tem horas aí?
Respondi:
-Tenho. São 15 para as 9.
Voltei a ouvir:
-Obrigada, bom dia.
Considerando tratar-se agora de uma postagem sob o marcador de "Lixo Urbano", achei que poderia saudar "el reloj" (concorrida peça munsical que enfrento algumas dificuldades para tocar ao violão), indo ao Google Images. Pois não é que veio a cair-me na rede a Igreja Quebrada, cujo nome verdadeiro omito por uma questão de bombardeamento. Ei-la, mais melhor.
Explico-me. Quando fui a Berlim pela primeira vez, em maio de 1990, o Muro caíra mas não notara, um troço destes. Naquela oportunidade, vim a conhecer esta igreja, na antiga (mas ainda ativa) Berlim Ocidental. De tudo o que vi na vida, foi a peça arquitetônica que mais me impressionou.
Mas também fiquei muito impressionado em ter participado do diálogo que acima reproduzi. Ele foi, se bem me acho, uma cena de "Lixo Urbano", pois -na condição de professor aposentado- alguns já me andam considerando alixarado. Outros serão ainda mais alixarados que eu, uma vez que sequer portam o título de usuários de tennis shoes, roupa lavada, banhozinho de água quente esperando em casa com o peculiar sabonete Amazon/Memphis, o.s.l.t..
Você já deduziu que "Obrigada" é uma expressão de polidez originária de uma pessoa humana detentora da condição de gênero feminino. Considerando que vivi em Berlim falando português, portunhol ou inglês, não pude conter o seguinte pensamento: "Why does a bum need to know the time?" Vi-me pequeno, preconceituoso, pondo de lado todo o saber, toda a cultura. Chamassem-me de Roland Barthes, eu diria a frase completa, da p.76 d'"A Câmara Clara", que você já conhece, amado confidente:
"Ponho de lado todo o saber, toda a cultura... vejo apenas a grande gola Danton do rapaz, a ligadura no dedo da rapariga..."
Era a legenda da foto de gente bem nutrida, bem vestida, mas de intelecto muito inferior ao da garota que me indagou as horas. Por que ela não pode desfrutar de um emprego que lhe possibilide existência digna? Porque a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946 (1947 era meu nascimento, n'est ce pas?) foi revogada pelos militares no ciclo 1964 e esse negócio de ambicionarmos uma existência digna para a tribo caiu de moda.
Tenho dito!
DdAB
2 comentários:
Caro Profe: a cada postagem, aprendo alguma coisa com o Sr., razão pela qual sinto-me na obrigação de, modestamente, tentar contribuir para seu prestigioso blog. Sei que o Sr. se interessa pelo tema da civilidade, urbanidade e boa educação, como bem demonstra o episódio ora narrado e comentado. Certamente, o Sr. não ignora obras como as da ilustre Sra. Célia Ribeiro - "Etiqueta na Prática"; "Etiqueta e Sucesso nos Negócios" - que tanto tem contribuído para o conhecimento e difusão do tema entre nós, citadinos.
Permita-me, porém, enfocar o assunto de outro ângulo, evocando A. Comte-Sponville, no seu "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes", quando considera a polidez a mais pobre e a mais superficial de todas. O autor cita, por exemplo, Diderot, que considerava isultante a polidez dos poderosos e desprezível aquela, obsequiosa e servil, dos subalternos. Alertando para o fato de que o execesso de polidez se confunde com a hipocrisia, nos lembra que até os carrascos podem ser (e frequentemente o são) extremamente polidos: que melhor exemplo que o da elite nazista, com seu enorme apreço pelas regras de convivência e hierarquia, com seu refinamento, capaz de assassinar ouvindo Beethoven?
Em qualquer caso, afirma, seria preferível um honesto grosseiro a um canalha bem-educado.
De modo que, para o autor, a polidez não é um valor moral (seria execessivo trazer aqui a fundamentação kantiana dessa tese), mas uma qualidade - e uma qualidade apenas formal. Porém, é necessária e precedente à pratica das verdadeiras virtudes (coragem, temperança, compaixão, justiça, ...)
Segue com frases desafiadoras, como: "A polidez, se levada por demais a sério, é o contrário da autenticidade".
Porém, a polidez é algo indispensável, como C-S. admite, pois "O próprio amor não poderia prescindir totalmente de formas".
Mas conclui com uma advertência: "O saber-viver não é a vida".
Polidamente, peço desculpas por extender-me demais neste comentário.
Gente!
Que comentários mais sofisticados! Fui ao Google e cheguei em:
http://www.zompist.com/ptkitgram.html
Lá vi o que segue:
Todas as culturas têm modos de expressar a polidez, mas elas se diferenciam pelos métodos usados, e quando a polidez existe na gramática.
Segundo Anna Wierzbicka, o discurso polido em inglês se enfatiza muito em respeitar ao outro e evitar imposições. O inglês tem uma vasta gama de formas indiretas de pedir às pessoas para fazerem coisas, e mesmo de oferecer-lhes coisas. Will you have a drink? Would you like a drink? Sure you wouldn't like a beer? Why don't you pour yourself something? How about a beer? Aren't you thirsty? Os anglófonos estão tão acostumados com essas pseudo-perguntas que eles as usam em vez de um imperativo direto, mesmo quando a verdadeira polidez está longe da cabeça: Will someone put this fucking idiot out of his misery? For Christ's sake, will you get lost?
Em polonês, por contraste, um anfitrião cortês empurra a sua hospitalidade ao convidado, considerando as recusas e desejos expressos pelo convidado irrelevantes: Prosze bardzo! Jeszcze troszke! --Ale juz nie moge! --Ale koniecznie! "Por favor, um pouco mais" "Mas eu não posso!" "Mas você deve!" E o polonês é muito liberal com imperativos -- de fato, para realmente forçar é preciso usar o imperativo.
O japonês é quase sempre mais indireto que o inglês, ex.: evita o imperativo "Beba Coca-Cola!" a favor de Koka kora o nomimashou! (lit. "Nós vamos tomar Coca-Cola!").
O japonês também é notável por ter flexões verbais que mudam o nível de polidez (ex.: tetsudau "ajuda"; forma polida tetsudaimasu), bem como elementos léxicos inteiramente diferentes com o mesmo propósito(ex.: iku "ir", forma de modéstia mairu, honorífico irassharu).
Fórmulas de tratamento são um terreno fértil para complicações extravagantes; assim são os pronomes. Em poucas línguas se percebe falta de familiaridade no uso do pronome de segunda pessoa: para ser polido usa-se o plural (francês vous), ou uma forma de terceira pessoa (italiano Lei, espanhol Usted de vuestra merced "vossa mercê", português o senhor), ou um título (japonês sensei "professor", otousan "pai", etc.). Se isso parece estranho, perceba-se que o inglês escolheu a primeira alternativa tão profundamente (pronome da segunda pessoa do plural you) que o pronome da segunda pessoa do singular thou desapareceu.
Tentativas foram feitas para formular teorias universais de polidez, mas isso pode causar enganos. Por exemplo, sugere-se que a polidez envolve evitar a discórdia; mas na cultura judia a discórdia exprime sociabilidade e é tida como algo que une mais as pessoas. Ou então, diz-se que elogios diretos de si mesmo são evitados, e o elogio alheio é aprovado; mas o auto-elogio entre os negros americanos é bem aceito, e o elogio direto de outros é evitado em japonês.
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