19 março, 2009
La Vera Ciencia
Querido Blog:
Vejam o que escreveu hoje na p.3 de Zero Hora o amado Luiz Fernando Veríssimo:
"Pode-se especular o que se originará da crise que nos assola. Também teremos multidões de desempregados, mas com poucas chances de serem aproveitados em alguma nova tecnologia, como as cabeleireiras da França. Não haverá investimentos em novas tecnologias. É pouco provável que a crise produza algum tipo de bonapartismo salvador como a revolução, mas é possível que o clima político que virá lembre o da restauração pós-Bonaparte, a nossa frustração com o fracasso do socialismo e agora com esse vexame do capitalismo imitando o desencanto com a promessa libertária esgotada da revolução. Naquela época o espírito da restauração também determinou uma mudança no pensamento econômico. Adam Smith, cuja obra antes de A riqueza das nações podia ser confundida com pregação reformista (ele era invocado até por Tom Paine, um dos teóricos da Revolução Americana) e incluía uma “Teoria do sentimento moral” passou a ser visto como profeta da economia como uma ciência moralmente neutra e um herói da reação, como é até hoje. Ou era até ontem. Talvez um dos efeitos da crise seja o resgate do Adam Smith da primeira fase. Nos discursos feitos hoje contra os desmandos do capital financeiro que deram na crise não se ouve outra coisa a não ser repetidos apelos pela volta do sentimento moral."
Que tenho eu a ver com isto? Penso que diversos pontos, nem todos amplamente explorados no que segue. A decisão de endereçar a ele (artigo/autor) a postagem de hoje prende-se a uma frase: "[...] a economia [política] como uma ciência moralmente neutra[...]". Acho que Veríssimo está simplesmente errado, não em tudo, apenas localizadamente neste ponto espicífico. E acho que Elio Falcão Vieira, que já foi cronista de Zero Hora, também foi uma espécie de interlocutor de Veríssimo para assuntos econômicos, so to say. Não lembro do "pensamento de Falcão", mas tenho razões para tentar adivinhar que não concordaria excessivamente com ele, digamos, no nível em que concordo com Samuel Bowles.
Vejamos. Primeira frase paragrafão copiado de http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=868671&tit=Resgatando-Adam-Smith: "Pode-se especular o que se originará da crise que nos assola." Você já sabe sobre minhas especulações. O melhor que pode ocorrrer é:
.a. criação do banco central mundial
.b. criação do imposto de Tobin (5% da renda mundial mais 25% das movimentações de capital)
.c. criação da Brigada Ambiental Mundial.
Na Brigada Ambiental Mundial (com -no Brasil- pagamento de R$ 500 por pessoa, o que gastará apenas 20% do PIB nativo, teremos:
.a. três horas de trabalho diárias.
.b. três horas de aula diárias.
.c. três horas de ginástica diárias.
Chega? Vamos à segunda frase. "Também teremos multidões de desempregados, mas com poucas chances de serem aproveitados em alguma nova tecnologia [...]. Bem, parece que já respondi esta com a Brigada Ambiental Mundial. Deixemos outras e falemos do que me trouxe realmente a pensar que Veríssimo não é o Todo-Poderoso, como -prá ser sincero- acho que é mesmo, pois um dia falou que estava folhando uma velha "Dissent". Cara!
Bem, onde está meu calcanhar ferido? Feriu-me esta questão de falar em ciência moralmente neutra. Em minha opinião, os triângulos, as ciências, as letras do alfabeto cirílico (?), os sanduíches de bacon, tudo o mais -excluindo a ação humana- é moralmente neutra. Que é moral? Disse o Aurelião de R$ 3,00: "[Do lat. morale, 'relativo aos costumes'.]
S. f. 1. Filos. Conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. "
Como queríamos demonstrar. Mas sejamos analíticos: falei em "ação humana". O dicionário fala em "regras de conduta". Claro que -pelo que sabemos- sanduíches de presunto e queijo, queijos, triângulos, bolitas etc., não têm "conduta", que dizer de "regras". O sanduíche te faz bem ou te faz mal amoralmente, o teu neto engole ou não a bola de gude, mas ela não dá lição de moral nele. Que era que queríamos demonstrar? Que a ciência econômica é uma ciência (como todas as demais, a astrologia, a culinária etc.) moralmente neutra.
Chega? A ilustração veio do Sr. Google Images com "neutralidade da ciência". A vera ciência é mais neutra do que a avó do Badanha.
DdAB
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4 comentários:
Talvez a pergunta que faça sentido seja: "O USO que se faz da ciência é neutro, justo, moral?" Pois uma arma nunca pensou em fazer mal a ninguém, no entanto... Daí, se questionamos a fabricação de algo como um revólver, poderíamos questionar a ciência que serve indistintamente ao bem e ao mal? No fim das contas, o problema é que armas e ciência servem ao homem, ser capaz de matar com uma frigideira, embora ela sirva também para fazer filés acebolados. Qual a conclusão disso tudo? Acho que é: O ser humano é uma bosta. (Sílvio)
Querido comentarista:
Em alguma dimensão, respondo ao comentário final: 40% dos seres humanos,em experimentos controlados, parecem agir altruisticamente. E há 60% que não o fazem, se a aritmética não falha nestas horas. Acho que a analogia entre frigideiras (que têm múltiplos usos) e aves-bala (que também lá o terão) é maravilhosa. Parece-me que os neguinhos que assassinaram o imortal Pres. Kennedy estudaram triângulos para postarem suas aves-bala naquele agitado afternoon. Prometo falar mais no futuro sobre a modelagem de luta por domínio de território por saltitantes passarinhos (o que nos ajudará a entender por que os bons somos (são lá eles?) graúdos 40%.
DdAB
Aí, fotógrafo:
Tu notou a beleza da foto que postei? E tu notou que em minha foto meu dedinho aponta para a esquerda? Que quer dizer esquerda? A BAM!
DdAB
Caríssimo Professor: não é mesmo incrível que, justamentamente quando me retorna às mãos (via pesquisa em sebos) uma antiga coletânea de textos de Durkheim, o Sr. se me revela um durkheimiano? Espero que não se ofenda, pois minha intensão é tão somente, uma vez mais, elogiá-lo. Ou melhor, transferir-lhe os elogios proferidos por Durkheim à classe dos economistas, em seu "Curso de Ciências Sociais - Lição de Abertura" (1888), onde diz - abre aspas:
"Os economistas foram os primeiros a proclamar que as leis sociais são tão necessárias como as leis da física e a fazer desse axioma a base de uma ciência. Para eles, é tão impossível que a concorrência, pouco a pouco, não nivele os preços e o valor das mercadorias não aumente quando a população cresce, como os corpos não caírem na vertical, os raios luminosos não se refractarem quando atravessam meios de desidade desigual."
"Não se pode, por decreto, atribuir valor a um produto que não o tem, que não satisfaz a qualquer necessidade (...)todos os esforços dos governos para modificar a seu bel-prazer as sociedades [a economia?] são inúteis quando não são negativos; assim, é preferível que se abstenham. A sua intervenção só pode ser prejudicial; a natureza não tem necessidade deles. Ela segue sozinha seu curso, sem que seja necessário ajudá-la ou forçá-la, supondo, de resto, que isso seja impossível".
Quer me parecer que Durkheim reverencia Smith como fundador/fundamentador da ciência econômica, e reconhece o papel dos economistas na afirmação das demais ciências sociais:
"O economista não diz: as coisas passam-se assim porque a experiência o estabeleceu; mas elas devem passar-se assim porque seria absurdo passarem-se de outro modo.A palavra 'natural' deveria ser substituída pela palavra 'racional'..."
Durkheim é, pois, grato aos economistas por afirmarem, convictamente, que toda ordem especial de fenômenos naturais, submetido a leis regulares, pode ser objeto de um estudo metódico, isto é, de uma ciência positiva (i.é: racional e neutra!). E mais, ainda, pela consequência: "Generalizai este princípio a todos os fatos sociais, e a sociologia está fundada."
Adiante, porém, D. adverte: "Todavia, não exageremos o mérito dos economistas. [eles]... se detiveram no meio do caminho, porque estavam mal preparados para esse tipo de estudos."
Impossível discutir aqui todas as implicações desta última afirmação, posto que já estou a ultrapassar o limite polido na utilização do espaço de seu blog, com meus comentários. Mas podemos faz6e-lo em outra oportunidade, ser for de seu interesse.
Concluo, não sem antes agradecer por mais esta oportunidade de exercitar idéias, pois é sabido que nem só pão e sexo - digo, circo - vive o ser humano.
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