Como sabemos, sou obrigado a começar esta postagem dizendo que não sou de direita, não sou neo-liberal (o que, dialeticamente, significa dizer que o maior valor humano, a meu ver, é a liberdade). O que sou mesmo é neo-heterodoxo, talvez o único economista que se apresenta sob este título, fundador da escola que, no devido tempo, levará este nome. Nós, os neo-heterodoxos (ou deveria dizer eu, o neo-heterodoxo?), já lemos Marx e até hoje entendemos que ele teve insights maravilhosos sobre o funcionamento do -como ele himself diria- modo capitalista de produção. Marx fala, com frequência, nas leis de movimento do capitalismo. E até hoje não consegui energia e paciência suficiente para examinar-lhe a obra (ou a de comentadores) e chegar a uma lista daquelas do tipo de tantas e apenas tantas leis. Citando de memória, por exemplo, posso falar em duas ou três:
.a. lei do valor
.b. lei coercitiva da concorrência
.c. lei da concentração e centralização do capital
.d. lei da tendência de queda da taxa de lucro
.e. lei da crescente penúria (immiseration) da classe trabalhadora.
Pois tenho para mim que todas elas têm sins e nãos e duas destas que referi são atualíssimas. A lei do valor é espantosamente presente no capitalismo, pois vemos quase que diariamente uma relação inversa entre preços e produtividade: menos trabalho, menos valor, menos preço. A lei da tendência de queda da taxa de lucro já não é tão pacífica: se a encrenca estivesse mesmo caindo, já deveria ter chegado a zero há pelo menos 15 dias, não é mesmo? Mas a lei da centralização do capital é outra que mostra-se ativa de modo bombástico.
E o que Marx não falou? Não lembro se o fez, acho que não, aprendi a enunciar outra lei com Debraj Ray e seu livro de economia do desenvolvimento: existe uma tendência no mundo humano de busca de equalização das oportunidades de consumo, de busca de nivelamento do consumo per capita. Povos que fogem da ação dessa lei passam a viver dias de dire straits e, emocionado, falei dela na penúltima página bem daqui. E que parece óbvio que é o que observamos hoje em todo o mundo, depois de 30 anos de neo-liberalismo (termo que uso apenas por economia de palavras).
A questão que me prende a esta postagem é a indagação de qual é a consequência da elevação do padrão de consumo do capitalista sobre a classe trabalhadora? É razoável considerarmos, em geral, que o capitalista exerce maior consumo de bens e serviços do que o trabalhador. Mas também sabemos que, descontado o lumpemproletariado (e viria aí a lei da crescente miséria da classe trabalhadora), a julgar pela idade média das populações, estas melhoraram seu padrão de vida: come mais, vive mais. Parece que, mesmo sem estar interessado em elevar "os anseios de consumo das massas", o capitalista vive melhor e leva a que surjam novas e superiores formas de sociedade, com mais bens disponíveis e maior variedade de bens. Ele faz isto por altruísmo? Sacrifica-se, quebrando seus próprios hábitos e rotinas apenas a fim de permitir que os trabalhadores mimetizem seus novos costumes?
Esta é fácil de testar, o que não farei tão cedo, talvez nem o faça nunca. Se o que estou falando é correto e adotando como proxy para o consumo dos capitalistas o consumo dos 10% mais ricos (ou dos 1% mais ricos, que seja), então devemos, com alguma defasagem adequada, perceber enorme correlação entre o consumo desta classe (estatística) e os demais 90% ou 99%. Algo como
C/90%/t = f(C/10%/t-n),
com t indexando o tempo presente e n sendo o número de defasagens a inserir naqueles modernos modelos econométricos de que entendo tanto quanto de culinária, quiromancia ou calistenia.
DdAB
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