30 março, 2012

Negritude e Justiça


querido diário:
ok: não leio apenas a Zero Hora e a Carta Capital. também leio Cláudia, Marie Claire, algumas outras revistas semanais e mensais e outros jornais, tudo de vez em quando. leio sistematicamente o Jornal da Apufsc, o veículo de informação semanal dos professores da UFSC. pois bem, ontem li o exemplar de 26/mar/2012. chamou-me a atenção o artigo de opinião da p.7, de autoria de Marcelo Henrique Romano Tragtemberg, cujo título é 'Ser negro é fator de risco no Brasil'.

fator de risco, da melhor maneira que sabemos, é um termo epidemiológico e quer dizer que existem algumas características sócio-econômico-demográficas que tornam alguns indivíduos mais propensos do que outros à doença e, no caso, ao óbito. ou seja, ser negro ajuda a morrer mais cedo no Brasil. esta é a tese defendida por Tragtemberg.

cito o tópico frasal e o parágrafo seguinte, separados por um simpático mata-burros [...]:

Neste início de ano, tivemos três tristes notícias: um diretor de recursos humanos do Ministério do Planejamento morreu por falta de atendimento, uma mulher deu à luz e foi algemada na maca do hospital e um colega nosso, professor da UFSC, foi espancado e perdeu todos os dentes. [...] Um fio recorre todos esses episódios: os agredidos e violentados eram negros, de diferentes estratos sociais.

o Caso da Vara, de Machado de Assis, já tratou de circunstância parecida à prisão da paraturiente. era o período da escravatura (e até hoje há trabalho escravo no Brasil). fico, neste e nos próximos parágrafos, com o caso do 'negro bem de vida'. diz a notícia que "ele não teria cheque para pagar a conta" numa internação de urgência em um hospital de Brasília.

fiquei pensando no costume brasileiro de não confiar na palavra do cidadão. parece que o povo não está errado, pois há muita falcatrua, falcatrua em excesso. há muito crime, crime em excesso. imagino o que aconteceria comigo se eu vendesse, por exemplo, um refrigerador usado a um desconhecido. poderia fazê-lo em, digamos, cinco prestações. e poderia dizer-lhe o número da conta em que ele deveria depositar as parcelas. e ele pagaria, se tivesse palavra. e se não tivesse? eu perderia meu dinheiro, minha boa fé e, se decidisse obter ressarcimento do prejuízo, desistiria logo. ou seja, seria relutante em fazer meus direitos valerem, dada a morosidade do poder judiciário.

cheguei na causa causans. a causa da causa da morosidade do poder judiciário é o encastelamento característico dos cargos mais invejados do Brasil (chega-se a receber R$ 400 mil por mês para ser juiz). tenho insistido no ponto: a impunidade é a maior causa do crime. no Brasil, há impunidade, logo no Brasil não há desincentivo à prática do crime. volto ao racismo: claro que um problema é o hospital recusar-se a aceitar uma internação como consequência de o paciente ser negro. Lei Afonso Arinos. mas outra é a prática de exigir caução para a internação. esta, obviamente, deve-se ao fato de que não se pode confiar em ninguém. o Brasil é o país mais feliz do mundo (noticiário recente). ao mesmo tempo, é um dos campeões da falta de confiança (conforme o livro de Richard Layard).
DdAB
imagem: aqui.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá, por algum motivo pensei no moral hazard, outro dia ouvi duas mulheres conversando que no Brasil tudo é muito dificil. Somos um dos poucos paises que exige que nossa assinatura seja reconhecida em cartório. Fiquei pensativo naquilo, mas logo pensei, se fossemos um povo confiavel acreditaríamos em nós mesmos, não é?

Enfim...

Abraços

DSC

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

é verdade, Daniel. o oportunismo ex post do moral hazard pode levar-me a pensar (o que eu nunca fizera) que é precisamente aí que reside o incentivo ao crime ou à evasão das regras, ou ao comportamento distante do fair play.
DdAB