05 março, 2012

Machado de Assis e o Café Tortoni

querido diário:
hoje não é domingo, mas esta postagem é do clube do lazer. tivesse eu todas as obras de Machado de Assis pdf-zadas, poderia procurar "Tortoni". talvez achasse comendadores e ritos carnavalescos. e tudo o mais. dizem-me que a obra completa em quatro volumes contempla todas as ideias jamais tidas ou a ter por escritores que usam como idioma básico aquele deixado por P. A. Cabral (e suas milhares de variantes, que se aceleraram desde o getulismo, mudando inclusive o nome do Brazil para Brasil. e eu apenas vim a descobrir este golpe no Brazil há uns 20-25 anos, at most.)

na p. 156 daquele mesmo v.2 de que falo desde ontem, estamos lendo o primeiro conto do livro "Histórias da Meia-Noite". o conto conta (epa!) com o título "A Parasita Azul", título que, a certa altura, revela o espaçonávico amor de Isabel por Camilo, que já a amava há algumas semanas, tudo espaçonávico, meteórico, asteroidífico. falei Tortoni? para benefício do -diria o próprio Machado em outras instâncias- leitor inquieto (diria?, se eu tivesse o pedefê, sabê-lo-ia, como ele faria com a mesóclise), transcrevo o parágrafo, que não fala de Isabel, mas deixa clara a natureza parisiense de tal café (que vou guardando na algibeira, diria ele, as razões destes escritos).

Mil singulares ideias atravessavam o cérebro de Camilo. Ora, almejava alar-se com cavalo e tudo, rasgar os ares e ir cair defronte do Palais-Royal, ou em outro qualquer ponto da capital do mundo. Logo depois fazia a si mesmo a descrição de um cataclismo tal que ele viesse a achar-se almoçando no café Tortoni, dois minutos depois de chegar ao altar o padre Maciel. 

[n.b.: fiz duas correções: tirei o acento de 'idéia' e tirei a vírgula que presumo seja os editores destas Obras Completas que postaram entre 'tal' e 'que'; um dia comentarei frases começadas com 'Todavia' e usam vírgulas separando o advérbio do sujeito; e outras com 'e todavia', tudo machadianinho, ou melhor, tudo nestas obras completas. não me assusto, pois um soneto de Camões a LP&M em aquele errinho que o Word inseria em nossos textos há menos de 500 anos.]

a natureza bonairense versus natureza parisiense do Café Tortoni chamou-me a atenção na leitura do conto. e a Enciclopédia Britânica Paraguaya (Wikipedia em inglês) ajudou-me a sanar algumas lacunas, mas não apenas ela. em primeiro lugar, foi o Google que me levou a pensar que Machado teria lido sobre a existência deste tal Café Tortoni parisiense a (Henri-Marie Beyle) Stendhal. publicado em 1830, segundo vim a entender, "O Vermelho e o Negro" refere a vida mundana que muita gente levava no agora afamado café.

é óbvio que, sendo "Histórias da Meia-Noite" publicado em 1873, ou seja, 43 anos após a publicação d'"O Vermelho e o Negro", a obra steindhaliana poderia ter chegado há muito ao Rio de Janeiro. Machado a ter usado como prova incontestável de refinamento da parte de Camilo Seabra, que se formou em medicina em Paris, se não avanço a história, mesmo dedicando-se a esmerada vida de esbórnia e dissipação. mas também é óbvio que amigos comuns, brasileiros, franceses e de tantas outras raças pudessem ter frequentado ou escutado falar no afamado café e cantado a pedra a nosso literato maior. não conheço tanto de Machado de Assis (ainda lerei o Raymundo Magalhães a respeito), a ponto de afiançar que ele nunca saiu do Brasil e mal saiu da própria cidade do Rio de Janeiro. ele poderia ter ido com sua Carolina a Portugal, sei lá onde mais, todavia presumo que não o fez.

ok. Café Tortoni. inaugurado em Buenos Aires por um imigrante francês em 1858 que, claramente, homenageava o de Paris. como, por exemplo, há milhões de Cine Odéon, espalhados pelo Brasil.
DdAB
p.s.: esta foto é da Wikipedia original com a atual posição do Café Tortoni de Buenos Aires. uma casinha que bem poderia estar imitando um arrabalde parisiense. dizque a fachada foi refeita em certo momento. o que é après avant la lettre é a placa do café, que evoca já um Art Noveau de sua parte também reminescente dos letreiros de acesso a muitas estações de Paris.

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