20 março, 2012

Lugares Comuns: vernacular e aritmético

querido diário:
os principais intermediários de minha relação com o outer world, tanto local quanto globalmente, são o jornal Zero Hora e a revista Carta Capítal, mais um pouquinho de televisão e outro de rádio e aí começa a sobrar para as revistas Cláudia, Marie Claire e outras congêneres. quando designo o jornal de Zero Herra, estou manifestando meu apreço por uma leitura paga e fiscalização de fã pagante.

quando vejo lugares comuns em Zero Hora, jamais deixo de lembrar a jornalista Lourdette Hertel, que foi especialista e parece que deixou um séquito em seu lugar. hoje o jornal tem um "Especial" intitulado "Indústria Naval". são 12 páginas naquele conhecido tamanho tabloide do main paper. falar em indústria deixa-me arrepiado, nos dias que correm. como sabemos, lancei-me a uma saga de sugerir que o neo-desenvolvimentismo a partir dos anos 1930s no Brasil foi regido pelo signo do baixo astral. essencialmente terá servido para distorcer em tal magnitude os preços relativos da economia (entre setores e entre fatores) que não seria acaso se este escândalo distributivo que hoje vemos (Gini de 0,51, de acordo com as últimas estimativas, ainda superior aos 0,49 ou 0,50 de 1960) se devesse precisamente ao culto fisiocrático da promoção do desenvolvimento industrial.

uma vez que os recursos são escassos, é natural que cada centavo pingado na promoção do setor industrial signifique um centavo negado ao setor "Educação". e ao "Saúde" e ao "Previdência". e ao "Sistema Judiciário" (policiaise juízes), e a tantos outros serviços. e onde está o fetichismo industrial? na manchete do jornal!

Metade Sul encontra o seu norte.

de doer. talvez pior fosse apenas algo como: metade sul encontra sua outra metade no norte, sei lá. mas isto não é tudo. há um problema de lugar comum aritmético precisamente associado ao culto da promoção governamental do desenvolvimento industrial do país, deixando os meninos de rua mais uma geração sob o cortinado da Lua. deixando os ladrões a atuar na política e na vida privada. deixando a impunidade grassar por todos os cantos. deixando o preço do crime tão risível que a quantidade ofertada desta desagradável mercadoria veio a explodir.

evidências dos descabelamento aritmético. diz-se, por exemplo, que a Petrobrás vai investir US$ 177,5 bilhões até 2015. fiz um cálculo aproximado:

.a. PIB do Brasil - R$ 4,5 trilhões
.b. taxa de câmbio - R$ 1,9/US$ 1,00
.c. PIB do RGS - 10% do PIB do Brasil
.d. investimento da Petrobrás - US$ 177,5 bilhões (até 2015)
.e. participação do investimento da Petrobrás no PIB do RGS em um ano (pro rata)
(US$ 44,38 bilhões x R$ 1,9/US$ 1,00) / (0,1 x R$ 4,5 trilhões) = 19%.

claro que o Programa de Aceleração do Crescimento poderia garantir isto. com o investimento tradicional alcançando, digamos, 11%, ou seja, do nível da Nigéria, algo assim, chegaríamos a 30%, do nível da Coreia do Sul, algo assim. em resumo, tá errado.

mas nao é só isto. o tom apologético de todo o caderno especial é de doer. e faz confissões (eles diriam: informações). por exemplo, os órgãos financiadores deste (não tão escabelado quanto os 20% do PIB) monumental programa de investimento. frase truncada: começo novamente - o financiador desta montanha de dinheiro para a indústria de material de transporte é... o governo. uma vez que a sociedade deve produzir canhões ou manteiga, está claro que eles estão optando por uma delas, não sei qual. canhões seriam os bens de capital da geração presente? e manteiga, seriam os gastos naquela lista de serviços que arrolei acima? gastar em criança, em adulto analfabeto ou desabilitado é formação de gastos de consumo? de capital humano?

então tá na p.2:

Só o Badesul vai garantir mais de R$ 2 bilhões ao setor de petróleo e gás, com carência de até 12 anos. Caixa, Banco do Brasil, BNDES e Banrisul também apresentarão propostas para dar apoio a empresários e governos interessados em apostar no setor.

ouvi bem? empresários e governos? Mao-Tsé-Tung e Coreia do Sul? Bill Gates e Alemanha? you never know. meu problema com este tipo de política é que o crédito entra nas contas da classe capitalista (e seus improdutivos). como poderia entrar na da classe trabalhadora (e seus improdutivos)? parece-me óbvio: gastar em bens de capital voltados à formação de capital humano e também em emprego nos subsetores dos serviços associados a este norte, epa, epa.

parece que faltou mais um lugar comum. só que este parece ter caído de moda. agora atrair capital externo é um must. antigamente falava-se em entreguismo para este tipo de iniciativa. hoje, uma vez que o estado nacional está a ruir para o lado que convém aos poderosos, não há nada de errado com isto. este tipo de consenso é o que inspirou-me a chamar de Chapa Serra-Dilma a que venceria as eleições de 2010. um programa neo-desenvolvimentista que não seria mudado em substância, caso o vencedor daquele embate eleitoral fosse o doutor Serra.

estando, na ocasião, em desobediência civil, não votei em ninguém. mas, se tivesse que votar, escolheria um partido (coalizão) que prometesse precisamente reverter estas prioridades apologéticas do status quo, priorizando a formação de capital humano. hehehe. claro que teria que acabar anulando o voto.
DdAB
imagem: procurei, já que citei, "Chapa Serra-Dilma". vieram pilhas de coisas (tudo copiadinho do Google Images). mas também veio a imagem acima. escolhi-a, pois penso que este negócio de doutrinação de que a indústria é que é a salvação da lavoura deixa-me contrafeito. parece que nos venderam esta ideia que colou-se a nossa ideologia como a tatuagem cola-se no peito do brasileiro contemporâneo.

2 comentários:

Anaximandros disse...

Professor Duílio, esse, sem duvidas, é o melhor texto sobre o escárnio que o pac está cometendo com os brasileiros, a metade sul se conformou com algo que não consegue boiar, muito menos navegar. Lamentável também [são] os cadernos de economia dos jornais brasileiros, zero hora, então...abraços, do s.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

grande professor:
obrigado pelo comentário. já expressei a opinião de que todos os políticos (além da cadeia) deveriam fazer um curso de teoria da escolha pública. se isto é ridículo, talvez seus assessores é que devessem.
DdAB