querido diário:
há tempos, ganhei uma aula de Gregory Mankiw (fonte: PowerPoint) em que são traçados 10 princípios fundamentais que regem as preocupações da ciência econômica. desnecessário dizer que não sei se os meus seriam precisamente os mesmos, uma vez que já vi listas desta natureza feitas por diversos outros economistas (para deixar apenas em dois, cito Joseph Alois Schumpeter e Joan Violet Robinson, sem falar nas "leis de movimento do capitalismo" de Marx). com minha tradução e comentários (que, nos três primeiros princípios, às vezes se confundirão com os do próprio Mankiw), lá vai o decálogo.
Parte A: os princípios sequinhos
.1. Os agentes (people) defrontam-se com trade-offs (trocas, substituições).
.2. Custo de oportunidade.
.3. Agentes racionais escolhem na margem.
.4. As pessoas respondem a incentivos.
.5. O comércio pode ser bom para ambas as partes (comprador e vendedor).
.6. Os mercados são, em geral, bons instrumentos de organizar a atividade econômica.
.7. Os governos podem, em certos casos, melhorar o desempenho dos mercados.
.8. O padrão de vida da população depende da capacidade produtiva do país.
.9. Os preços sobem quando o governo emite em excesso.
10. A curto prazo, existe um trade-off entre inflação e desemprego
Parte B: os princípios comentadinhos
.1. Os agentes (people) defrontam-se com trade-offs (trocas, substituições).
.a. Venho eu: uma vez que os recursos são ilimitados, não podemos falar em ganhos absolutos. Mankiw diz algo como: podemos expandir o consumo presente, caso destinemos todo o valor adicionado (ou melhor, sua absorção) para tal, em detrimento do investimento, que garantirá mais consumo futuro. Digo eu: no velho livro de Paul Samuelson de Introdução à Economia, da Editora Agir, falava-se em trocar manteiga por canhões (que é a imagem escolhida por Mankiw para ilustrar este ponto; nos tempos de professor de Introdução à Economia, eu falava na conveniência de o governo do Brasil ter uma rede para distribuir gasolina ou outra para distribuir alimentos). Aqui também cabe referir, como ele o faz, as trocas (trade-offs) intertemporais, que fazem o dinheiro viajar no tempo por meio da taxa de juros: só empresto 100 se me pagares daqui a um ano 101, nunca se me pagares 99 ou 50, não é mesmo?
.b. Mankiw também fala no trade-off entre trabalho e lazer. Claro que, como meu dia tem apenas 24 horas (que digo? o do pessoal do Planeta 23 tem apenas 23, claro), se metade das horas são destinadas ao trabalho, sobram apenas os outros 50% para lazer. Se elevo o lazere para 3/4, não poderei dedicar ao trabalho mais de 1/4 das horas do dia). Venho eu: Claro que, quanto maior meu tempo devotado ao lazer, maior será meu bem-estar e quanto mais me volto para o trabalho, menor será meu bem-estar. Quem é doente mental tem compulsão, entre outras distorções, a trabalhar 24 horas por dia.
.c. eficiência ou equidade: parece, para Mankiw, que a existência de um sistema econômico provendo simultaneamente equidade e eficiência é impossível. Por contraste, tem gente que não alinharia este trade-off por aqui, simplesmente por argumentar que há sociedades igualitárias (o Japão e os Tigres Asiáticos, por exemplo) que também são (ou foram) extremamente dinâmicas.
.2. Custo de oportunidade
Volto eu: uma vez que os recursos são ilimitados, não posso usar uma bola de tênis para jogar com meu amigo e, simultaneamente, emprestar a mesma bola para que o amigo jogue com a amiga (deixando-me de fora). Mais circunspecto, Mankiw mede o custo de oportunidade com o montante que se deixa de ganhar se o recurso em discussão (a bola de tênis) fosse usado de modo alternativo, por exemplo, alugando-a ao amigo (e indo tomar um sorvete com a amiga).
.3. Agentes racionais escolhem na margem
Eu: quem são os agentes racionais? Eu: são aqueles que determinam um objetivo a ser alcançado e escolhem o melhor caminho para chegarem a ele. Eu: quem são os agentes irracionais? São as crianças, os criminosos e os loucos (pelo menos haverá uma série de decisões que não lhes serão delegadas).
Mankiw, em minhas palavras: sempre que uma atividade está gerando recompensas ou reduzindo sacrifícios, vou ampliando-a. No primeiro caso, sigo até o ponto em que "as recompensas param de compensar". No segundo, sigo até o ponto em que os custos se tornam proibitivos para meus interesses.
Todos: a contribuição mais importante que os economistas deram à humanidade foi a formalização da análise de custo-benefício, que consiste precisamente em desenvolver procedimentos de determinação dos custos e das recompensas e estabelecer a diferença entre eles. Sempre que os benefícios forem maiores do que os custos, declara-se a viabilidade do empreendimento (nova praça pública, novo convite para o amigo jogar tênis), descartando-a quando o benefício for menor do que o custo.
.a. análise de custo-benefício
.4. As pessoas respondem a incentivos
Eu: anteriormente tomei a liberdade de traduzir "people" por "os agentes". Claro que agora também estamos falando nos agentes, mas não é óbvio que produzir agrados nas pessoas motiva-as mais do que produzir-lhes mal-estar? Se quero que minha netinha estude, dou-lhe um beijinho. Se quero que ela volte cedo para casa, digo-lhe que, se ela não o fizer, não lhe emprestarei o carro no próximo fim-de-semana.
Mankiw: acho que esta explicação do prof. Duilio resolve tudo; caso permaneçam dúvidas, dirijam-se a ele mesmo (se querem respostas em português).
.5. O comércio pode ser bom para ambas as partes (comprador e vendedor)
Eu: claro que "comércio" significa dizer uma atividade em que os agentes se engajam voluntariamente. No caso de -infelizmente ainda presente no mundo- tráfico de escravos, tanto o comprador quanto o vendedor podem envolver-se no estabelecimento de um preço conveniente a ambos. A crueldade deste conceito de "voluntariamente" que estou dando é que o próprio escravo, na condição de mercadoria, não tem direito a expressar sua opinião.
Eu (complementando): quando Mankiw diz que "pode ser bom", claro que ele está implicando que há transações que podem não ser boas para compradores ou vendedores (e até para ambos). E como é que o comércio pode ser bom? O exemplo idílico é pensarmos em dois produtores, um especializado em produzir arcos e o outro especializado em caçar cervos (sem trocadilho com servos e os escravos acima referidos). Então, o produtor de arcos não teria tão bons resultados quanto o caçador na busca dos cervos, ao passo que os arcos produzidos pelo segundo não colheriam os pobres cervos a distâncias razoáveis.
Mankiw: que dizer se nem falo português?
.6. Os mercados são, em geral, bons instrumentos de organizar a atividade econômica
Eu: existem pilhas de maneiras de agregar as preferências dos agentes. Por exemplo, na Farra do Boi Floripense, a diversão, a crueldade, algo assim é o/a responsável. Na procissão do Desterro (?), a fé o faz. No mundo da produção de bens e serviços (isto é, no mundo econômico), fala-se em três agentes agregadores das preferências: mercado, estado e comunidade.
Eu: acho que o primeiro a surgir foi a comunidade, com a transformação da horda de nossos antepassados mal despencados dos galhos das árvores da savana africana em famílias. Depois destas, já estabelecido o tabu do incesto, da exogamia, a comunidade permitiu a troca de bens entre duas famílias, ou seja, a comunidade inventou a troca entre o arqueiro e o arqueirista (ou seja, o rapaz que jogava as flexas no cervo e o garoto que produziu o arco).
Eu: mas o problema com os mercados é que às vezes eles falham, ou seja, eles não exercem adequadamente suas funções. Neste caso, a produção ou, pelo menos, a provisão dos bens e serviços deve ser feita pela comunidade ou pelo estado.
Mankiw: -.
.7. Os governos podem, em certos casos, melhorar o desempenho dos mercados.
Eu: este "em certos casos" é precisamente o que falei acima: quando há falhas de mercado. Por exemplo, a coleta de lixo urbano não pode ser feita sob a égide do mercado. Eu seria o primeiro a rebelar-me contra o pagamento de um preço a uma empresa, a fim de que esta recolhesse o lixo produzido em minha casa. Eu diria que nada do que sai daqui é lixo, sei lá. O que ocorre? O governo administra a coleta do lixo por parte de indivíduos ou contrata empresas. Então: como o governo melhora o desempenho dos mercados? Ele, no caso do lixo, aproximou os produtores de lixo com os limpadores, ou seja, ele intermediou a criação de um mercado de coleta de lixo, tornando-se ele o demandante.
Mankiw: -.
.8. O padrão de vida da população depende da capacidade produtiva do país.
Eu: Este raciocínio deve ser reproduzido com um silogismo concatenado: o padrão de vida é praticamente sinônimo de consumo per capita, que depende da renda per capita que depende da renda total que depende do nível de produção nacional que depende da capacidade produtiva. Um país de 100 habitantes capaz de produzir 100 não permitirá um padrão de vida de 2 por indivíduo. Mas tampouco é garantido que garanta de 1, pois pode não usar plenamente sua capacidade. Ao longo do ciclo econômico é bem provável que haja períodos em que se produz aquém do nível máximo da capacidade e em outros em que se mobilizam horas extras para elevar um pouco além do 1 a produção per capita e o consumo per capita.
Mankiw: é isto mesmo!
.9. Os preços sobem quando o governo emite em excesso.
Eu: estamos agora falando da relação que já referi neste blog algumas vezes. A equação básica que rege a intuição que derivou neste princípio de Mankiw é M * V = P * Q, a chamada equação quantitativa da moeda, pois M é o estoque de dinheiro disponível na comunidade, V é a velocidade de circulação da moeda (quantas vezes, por unidade de tempo, cada unidade monetária passa de mãos entre um agente e outro), P é o nível geral de preços e Q é o produto interno bruto. O que Mankiw diz (e é óbvio) é que o governo controla M e, se começa a elevar este valor, mantidos constantes os valores de V e Q, então fatalmente P deverá elevar-se. Ou seja, os preços sobem, pois há excesso de M relativamente a Q. Sempre gosto de sugerir que, nos casos em que ajustarmos as unidades de medida de V e P, teremos que M = Q, ou seja, o produto interno bruto Q "vale" M. Claro que, se o governo inflar o valor de M, esta equação tem quebra na igualdade. O que Mankiw não disse é que, se o governo emitir mais dinheiro, é provável que esta elevação em M não altere apenas P, levando também a um aumentozinho em Q (e talvez uma mexidinha para cima ou para baixo também em V).
Mankiw: é, eu não disse mesmo!
10. A curto prazo, existe um trade-off entre inflação e desemprego.
Eu: Ou seja, se o desemprego cai, elevam-se os preços, caracterizando a inflação. Claro que Mankiw deixou bem claro que isto ocorre "a curto prazo". E acima eu já falei em "mantendo constantes todas as demais condições", ou seja, a expressão latina ceteris paribus. E que é curto prazo? É um horizonte de tempo relativamente curto que, no caso, impede a capacidade instalada da economia de crescer. Se ela cresce, abandonamos um curto prazo e passamos a outro, com maiores possibilidades de elevar a renda per capita, ergo, o consumo, ergo, o bem-estar, aquela coisa toda que ele referiu no oitavo princípio. Tinha um socialista utópico chamado Ferdinand de La Salle que dizia haver uma "lei de ferro dos salários" que levava precisamente a este fenômeno: mais salários, mais inflação. E como é que haverá mais salários, isto é, maior salário por trabalhador? Isto ocorrerá se houver excesso de demanda por trabalho, o que fará o preço do trabalho -isto é, os salários- subir. Mas será que podemos conceber uma economia concreta em que haja pouco desemprego e nada de inflação? Claro que podemos, bastando pensarmos naquelas condições que haviam sido mantidas constantes para argumentarmos sobre a validade deste décimo princípio. Por exemplo, não dissemos que o emprego aumentou porque a economia expandiu sua capacidade instalada e está produzindo mais, mas ocupando uma mão-de-obra que não era anteriormente ocupada precisamente porque não havia empregos disponíveis. E esse novo emprego acoplado ao aumento da capacidade não requereu maiores salários para ocorrer.
Mankiw: já fiz a seleção dos 10 princípios, né? Então pude deixar o velhinho se esbaldar nos comentários.
Eu dou a última palavra, uma sigla:
DdAB
p.s.: esta linda imagem de uma cornucópia, mitológico símbolo da abundância vem bem por aqui hoje. claro está que a ciência econômica estuda a escassez pensando em ajudar a promover a abundância. e também é claro que a ciência econômica não estuda apenas a escassez, a menos que comecemos a exagerar no uso do termo, a expandi-lo para além de tudo o que é fronteira razoável de ser imposta para a construção do conhecimento científico. por exemplo, poderíamos dizer que a produção da cultura (no sentido de rompimento com os traços animalescos de nossos antepassados) também é regida pelas mesmas leis que regem a escassez e a abundância.
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