31 março, 2012

Acertos e Erros da Linguagem do Economista


querido blog:
no outro dia, comemorando algo que já não lembro, dei uma folhada no livro "Economical Writing", de Deirdre N. McCloskey, 2ed. Long Grove: Waveland. e vi que eu já assinalara algo interessantíssimo e que esquecera, na p.10 (além de várias outras anotações sobre passagens sabidíssimas). em minha tradução, temos "[...] quando você está falando em 'eu' (ou 'nós'), você não está falando sobre o assunto." parece óbvio, parece claro, parece que ele não obedeceu: "você", "eu", "nós", é tudo tratamento pessoal. o que acho que ele queria dizer seria: "quando se lança mão de tratamento pessoal, torna-se o leitor mais distante da objetividade".

mas, mexendo e remexendo, estava dando umas olhadas na "Teoria Geral de Keynes" e, em minha edição Macmillan/REC, já fui achando a primeira palavra do primeiro capítulo "Eu": "Eu intitulei este livro de 'Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro'...". parece que, mais do que na linha destacada pela sra. McCloskey, ainda há algo mais grave: parece que não é polite iniciar frases, na língua inglesa, com 'eu'. mas quem sou eu para dizer que Keynes estava errado ou que não tinha educação?

ao contrário, tem outro 'eu' numa frase brilhante que já recebeu exageros de minha parte. digo eu: "economia é a ciência que estuda a oferta e a procura". ok, ok, é exagero, eu bem entendo que o mercado não resolve todos os problemas da vida social (como é dito em Bêrni & Lautert's Mesoeconomia, às folhas tantas). mas é óbvio que a lei da oferta e procura é o centro do mundo da produção de mercadorias. quase tautológico dizer isto. sejamos pacientes e vejamos:

definição alternativa: na nota de rodapé da p.4, ele/Keynes diz que, numa carta de 9/out/1820 a Thomas Malthus, David Ricardo disse:

Political Economy you think is an enquiry into the nature and causes of wealth - I think it should be called an enquiry into the laws which determine the division of the produce of industry amongst the classes who concur in its formation.

embora discorde em grau relativamente menor, ontem mesmo andei citando esta definição ricardiana (quero dizer: nós, aposentados, também clamamos por uma parte do excedente, não é mesmo?, pois não sabemos viver sem ele). mas Ricardo disse.

voltemos ao ponto: na p.xxii e seguinte, em pleno Prefácio, ele diz:

A monetary economy, we shall find, is essentially one in which changing views about the future are capable of influencing the quantity of employment and not merely its direction. But our method of analysing the economic behaviour of the present under the influence of changing ideas about the future is one which depends on the interaction of supply and demand, and is in this way linked up with our fundamental theory of value.

ou seja, valor, oferta e procura. quero dizer, pelo que entendo desses autores, inclusive Marx, quem dá valor às mercadorias é mesmo a lei da oferta e procura, especialmente se pensarmos em todos os mercados citados no livro de Mesoeconomia: bens, fatores e arranjos institucionais (inclusive os monetários). segue-se na p.64 de Keynes o elogio do conceito de equilíbrio para a montagem da análise econômica:

Experience shows [...] that there are habits of psychological response which allow of an equilibrium being reached at which the readiness to buy is equal to the readiness to sell.

em outras palavras quem diz que Keynes era anti-equilibrista não sabe que a página 64 se escreve como 2^5, não é? resumo até agora das palavras, parole, parole: não se deve falar em 'nós', mas se fala; não se devem iniciar frases com 'eu', mas se iniciam. deve-se acreditar que um dos conceitos centrais da ciência econômica é o de equilíbrio, por centrar-se na lei da oferta e procura. esta seria, talvez, o sexto princípio de Mankiw (ver).

finalmente: Keynes estava errado? estava (kkkk): falta uma vírgula nesta frase da p.xxxiv:

The decisions of entrepreneurs, which provide the incomes of individual producers and the decisions of those individuals as to the disposition of such incomes determine the demand conditions.

já que é para falar bobagens, que achas deste erro de Luís Vaz de Camões?

A chaga que, Senhora, me fizeste
Não foi para curar-se em um só dia;
Porque crescendo vai com tal porfia
Que bem descobre o intento que tivestes.

tava assim na p.19 do L&PM Pocket. tá na cara que, se é "fizeste", então não é "tivestes", não é mesmo?

ou melhor, era erro do Keynes ou dos revisores? do Camões ou dos editores? é intolerância minha ou de meus humores?
DdAB
imagem: procurei 'Keynes' 'Camões' e deu este yin-yang aculturado aqui.
p.s.: 15h11min - um leitor irreverente disse-me que McCloskey falou em 'eu' e 'nós', ao passo que Camões não falou em 'tu' e 'vós'.

2 comentários:

Bípede_Pensante disse...

E o leitor irreverente bem que poderia ter continuado a gozação dizendo que o Duilio falou 'ele' e 'ela' referindo-se a atual Senhora (ex-Senhor) McCloskey. Vai ver que os três casos se devem ao fato de que na vida nem sempre é tudo tão preto no branco assim... Não acha, Professor?

E um bom dia da mentira para vc!
Brena.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

oi, BP:
tudo procede. mais indecifrável ainda é o azul pintado de azul. ainda não menti nada hoje. é tarde e preciso começar a fazê-lo.
DdAB