Querido Blog:
Dias atrás, falei (não lembro se estava sozinho...) que uma das mais lindas cenas do cinema que já vi foi aquela em que o E.T. levitou, acompanhado de uma bicicleta e seu menino, sendo enquadrado, de baixo para cima, alinhando-se em primeiro grau (isto é, y = a + bx) com a Lua. Os pés no chão do cineaste deram-nos, ainda, uns ramos e folhas de árvores, ou seja, seres contingentes que vivem com os "pés-no-chão". Foram segundos de cinema, mas uma foto a tudo captura. Ei-la:
Dias atrás, não estava sozinho quando vi a postagem de Maria da Paz Brasil sobre o filme "Distrito Nove". No flagra da cena primeira desta postagem, temos a estrelinha que a tudo preside, inclusive, no caso, vincula dois proletários: os do planeta distante, altamente tecnologizados e desiguais, e os do planeta que nos atrai e retém, altamente tecnologizados e desiguais. O District 9 é um trecho de Nova Iguassu, Vila Cruzeiro (em POA) ou qualquer cidade com mais de 1 milhão de habitantes no planeta catalogado como portador de vida e de, como tal, Darwin.
O filme do E.T., se bem lembro, tinha seu movimento emulado por uma contradição: aquela entre jovens e velhos. Subsidiariamente, havia a contradição entre o bem e o mal. Bem e mal também se defrontam no Distrito Nove, mas a contradição principal, diria Georges Politzer, ocorria entre pobres e ricos. Para a cidade de Joanesburgo, o conflito entre jovens e velhos não é lá tão relevante, submergido no conflito entre brancos e negros e naquele que observamos entre pobres e ricos.
No Brasil, já se disse, o principal conflito não é centralmente entre brancos e negros mas essencialmente entre pobres e ricos. Terei lembrado que li em Sérgio Buarque de Hollanda, em suas "Raízes do Brasil", que um visitante alemão (esta memória e a mania de não consultar fontes...), subindo de Sampa a Beagá, algo assim, cruzou com um destacamento imperial, com vários infantes e um cavaleiro. Este era negro e paramentado, os demais -negros e brancos- vestindo-se de menos pompa. O alemão indagou: "quem é aquele negro?", querendo saber o CPF do homem a cavalo. Seu acompanhante-intérprete-sei-lá disse: "Não é negro, é um capitão."
Não sou naïve ao ponto de pensar que não há problemas raciais, mas coloco-os numa nave com os problemas sexuais, educacionais, sanitários, artísticos, religiosos, esportivos, e tudo o mais. Negro que se acha inferior tem o mesmo tipo de problema que gremista que se acha inferior e religioso que se acha inferior, o que é o mesmo problema dos negros, gremistas, religiosos, e por aí vai, que se acham superiores. Em qualquer julgamento justo, a sentença média nos dará a pena média, e o assunto acaba. Aprendi em outro filme (em caixinha) que, ao definirmos "homem", não devemos buscar o adjetivo. Homem negro, homem gremista, homem efeminado, homem alto, homem poliglota. E concordo: todos somos iguais perante a lei, ou mais, a lei foi feita pelos iguais. Melhor ainda, a sociedade justa requer o conceito de igualdade, como bem entendeu John Rawls, em seu livro que minha memória situa a publicação original como oscilando entre 1969 e 1971.
A luneta que escolhi como norteadora de minha maneira de ver o mundo coloca no centro de todas as categorizações a polaridade pobre-rico. Tenho razões para acreditar, como suponho esteja bem argumentado no livro de John Wilkinson (tu viu? não era John e sim Richard), que sociedades igualitárias fazem melhor do que as desiguais. Mas, muito antes dele, intuí isto ou alguém me disse. Depois disto, já li milhares de coisas confirmando esta hipótese. E, claro, alguma dissidência, inclusive representantes de alto coturno.
A maravilhosa estátua de concreto armado (?) do caput desta postagem tem uma inscrição cuja última palavra é de difícil visualização, como convém a bons filmes de ficção científica. Talvez seja apenas "Workers of all countries, unite!", como li na tumba do Doutor Karl Marx, no Cemitério de Highgate, em Londres. Talvez o "unite" que está ao final de "Paving the way to unity" não seja "unity". Mas alguma palavra do pidgin ou patois ou créole ou dialeto ou língua que, com 20 anos de convivência, sem dúvida emergiria entre os terráqueos e os alienígenas segregados pela democracia racial sul-africana. Seja como for, aparentemente os bons XXX (definirei em seguida o que entendo por XXX) escreveram o dístico da placa gravada em concreto armado. Not to speak of the anarchyst grafitti, no canto superior esquerdo!
E, como vimos, os bons não eram apenas terráqueos. O herói do filme, que vou chamar de van der Monde (pois esqueci o nome verdadeiro e 'Vandermonde' é um tipo de matriz e 'van der Monde' cheira a afrikaneen, sei lá, esses dialetos...) parecia moscão, mas termina o filme, já "unido" e fazendo os mesmos origamis que um parente de olhinho puxado de Rick Deckard fez, milhares de filmes atrás.
Ou seja, os Extra Large Good Guys (ou simplesmente bons XXX) estavam dos dois lados, podendo manifestar-se apenas em poucas instâncias. Mas dá para sentir que havia gente boa, inclusive entre os nigerianos. Em particular, van der Monde parecia ser um cara feliz e razoavelmente cumpridor das leis, cônscio dos direitos dos outros e, claro, dos dele próprio. Antes, eu ia escrever "o desaventurado van der Monde", mas dei-me conta de que ele tinha o que de melhor pode um homem desejar: o amor de uma mulher. Ou seja, ele foi um vencedor, em vários sentidos. Foi o primeiro unido, lutou, matou, sofreu, causou sofrimentos, mas começou a pavimentar o caminho da paz. Ou seja, fez sua parte para levar-nos ao mundo da paz, conforme a postagem que referenciei acima.
Os economistas da Unicamp, em minha opinião, diriam que o van der Monde foi colonizado pelo FMI, pelo capitalismo internacional, essas coisas. Eu acho que o próprio planeta Terra pode ser submetido a interpretações assemelhadas: seremos todos escravos dos americanos, ou dos chineses, ou dos maias (pois há quem diga que eles é que controlam os banqueiros suíços), e por aí vai. Eu e Guilherme de Ockham preferimos as explicações mais simples. Na falta delas, preferimos as explicações mais benévolas. Somos do bem, somos da paz, somos internacionalistas. Queremos a sociedade justa.
Para mim, Guilherme, John, Karl, Wilkinson e outros, Deckard também poderia ser um andróide. Ou Rachel poderia ser uma andróide produzida de forma a gerar "hijitos" com Deckard. As pradarias do norte da Califórnia seriam o espaço quadrático (não é que o Vandermonde tem as linhas de sua matriz com um termo elevado ao quadrado?) em que floresceria o homem novo, ou seja, o filho de Rachel e Rick, que eles chamariam de Richard, em homenagem ao velhinho da sociedade igualitária. E a filha, que eles chamariam de Joana, em homenagem ao John Rawls. Ou Liberdad, em homenagem à Mafalda e ao elogio do primeiro item da sociedade rawlsiana.
Pernambuco já deu o filho do 'seu Joaquim', mestre carpinteiro, que poderia viver no mangue, como os guanhamuns, um troço assim, um prawn, comme les étrangers. Nosso van der Monde também estava deliciando-se com uma vida de, digamos, baixo conteúdo de limpeza. Mas a questão que me veio, enquanto fazia a postagem de hoje neste mundo de blogs e comentários foi outra. Pensei na possibildade einsteniana de que aquela negadinha (diria a Ministra Dilma) da nave que levitou sobre São Petersburgo (não era isto?) fosse precisameante a mesma nave que seguiu o voo do osso que aquele macacão lá no filme "2001, uma odisséia no espaço" e que virou uma nave da Pan-Am e que quebrou e que, depois dela, quebrou o comunismo, e que danou-se em Júpiter, mas que deixou fragmentos que seguiram ad infinutum, mas outros voltaram, a fim de nos unir a seu universo celestial. Precisamos garantir apenas que só possa unir-se quem quiser, os demais devem ter sua liberdade preservada, pois assim o querem Liberdad e John Rawls.
DdAB
p.s.: o traile do District 9 é o anúncio de uma hagiografia de Luiz Inácio Lula da Silva. depois teremos a do Prêmio Nobel da Paz, Doctor Obama. depois teremos o Banco Central Mundial, a Renda Básica Universal, a Brigada Ambiental Mundial e seremos felizes. Ad infinitum.
3 comentários:
Oi, Duilio:
Adorei as lembranças e a forma que você falou sobre o filme E.T. Vou revê-lo. Depois falo mais sobre o distrito 9.
MdPB
hahaha
Complicado acompanhar a evolução do seu pensamento...
Mas so algo a comentar:
"O filme E.T. passava nos dias próximos ao natal, não sei bem o porquê, mas era divertido, bom filme."
Abraços
Sim, sim. quero saber mais do Distrito 9, ao mesmo tempo que entendo que confundi o DSC pois errei ao escrever "iguaçu", pois coloquei dois "ss", o que terá tornado o texto mais hermético do que a raiz quadrada deste comentário.
DdAB
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