10 abril, 2012

Desindustrialização e Retransportização


querido diário:
não é que foi só eu propagandear o aparecimento, para salvação dos Estados Unidos, do prof. Adalmir no New York Times, que já rolou minha contribuição para o emaranhado esquerda-direita brasileiro (ver)? de minha parte, há três partes (e nenhum disparate?).


Primeira Parte: Circunscrevendo o Feriadão Pascal
há cerca de duas semanas, enviei um artigo (como faço com frequência) a Zero Hora (que os publica com parcimônia). em boa medida, ele-artigo- foi embalado no paper em que venho trabalhando há uns dois anos (desde Pescara, actually) e que há uns bons 11 meses me vê associado ao prof. Joal de Azambuja Rosa. tudo começou, na verdade, quando da divulgação do livro de Mesoeconomia, que levou a um seminário que apresentei no IPEA. que chegou aos ouvidos do jorn. Gustavo Patu (que publicou alguma coisa que falei e outras tantas que ele queria que eu o fizesse...)quem olhou estes links já viu que o jornalista Patu inseriu-me no grand monde, eis que já recebi, sem exagero, milhões de telefonemas pedindo detalhes sobre o ocorrido.

ou melhor, o feriado pascal foi cercado por dois eventos importantes para a divulgação de minhas ideias: o artigo em Zero Hora (que transcreverei na Terceira Parte desta postagem) e a entrevista/reportagem de Gustavo Patu, na Folha de São Paulo. mas nem tudo começou nesta páscoa, nem nela há de acabar-se, como sabemos. nem sei bem em que dia tudo começou. talvez tenha sido em algum momento de fevereiro ou março de 1982. na oportunidade, transferido da UFSC para a UFRGS, jogaram-me a ensinar Introdução à Economia, além de Microeconomia, logo eu, que tinha todas as aulas preparadinhas para a segunda, fora outras disciplinas em que, à época, pontificava leigamente. tal foi o caso de -ironia?- "Economia Industrial", que ministrei na UFSC.

naquela oportunidade, ou seja, 30 anos atrás, eu troquei aquele pueril exemplo da curva de transformação entre canhões e manteiga por "rede que distribui gasolina" versus "rede que distribui alimentos". ou seja, minha intuição quanto ao custo de oportunidade da petrobrás em termos de escolas (e por aí vai) é velha. hoje, com todos estes festejos, dei-me conta de que estou, desde então, e totalmente agora, discutindo a "causa da causa" (para usar a expressão dos epidemiologistas). parece-me óbvio que "o brasileiro não sabe votar" e parece-me ainda mais óbvio que o político é que não vai priorizar a educação. (por frívolo e profundo que seja, ver o silogismo do modo barbaquá que deduzi há alguns anos, aqui e mais recentemente aqui).

com medo de ser processado ainda por mais gente, não vou dar o nome de uma enorme plêiade formada por colegas, alunos e professores, além de amigos diletos, que me permitiram chegar àquele tipo de retórica (gasto público na Petrobrás ou na escola, talentos gerenciais numa ou noutra, recursos, recursos escassos). mas não posso deixar de referir a tradução do artigo de Stephen Hymer (intitulado "Robinson Crusoé e o Segredo da Acumulação Primitiva") que fiz em co-autoria e por indicação de Adalberto Alves Maia Neto. divertido e profundo, sapientíssimo e crítico, Hymer foi dos primeiros "marxistas econométricos" que ajudou-me a fazer sentido de todo o conhecimento que eu já adquirira sobre a economia neoclássica e as escapadas para a economia marxista. distribuído o artigo aos alunos, espero tê-los ajudado a preparar o espírito para não se deixarem levar por balelas, algumas das quais, à época, eu nem sabia que iria apostatar. nesta área, by the way, também devo muito a Ernest Mandel e Samuel Bowles, como sabem os que me acompanham no blog. e que tudo isto me levou, há uns 15 dias, a criar a escola do pensamento econômico designada como neo-heterodoxia. pensamentos frívolos, outros profundos? vocês está mesmo lendo o Planeta 23!

preocupo-me em explicar qual é o problema com estes trenzinhos de alegria (lembro-me daquele que rodeou a queda da Varig), acho que estou avançando rumo à raiz do problema, com esse negócio de causa causans. ou seja, sabemos que "o brasileiro não sabe votar". se soubesse, não teríamos políticos de qualidade tão baixa, um sistema eleitoral evolucionariamente estável, essas coisas. pois bem: qual é a causa da causa da incapacidade brasileira de melhorar seu sistema político? pimba! os políticos!!! mas, para não ser acusado de 'negativista', hoje vou partir para a postura de bom-moço, dando um exemplo de alternativas igualitárias para este oba-oba cepalino de confundir setor externo com setor dinâmico, setor dinâmico com financiamento público e financiamento público com rumos igualitários. ok, ok, eu já fui cepalino, marxista, troskista. e hoje me declaro igualitarista. mas não nego certos pendores anarquistas ("mudar o governo dos homens pela administração das coisas"). mas posso mudar o rótulo (e o conteúdo) a qualquer momento, hehehe.

falo agora sobre o título da postagem. bom-mocismo? parece que há tanto mal-entendido que sinto-me obrigado a tentar agitar o ambiente.

Segunda Parte: Neologismo (Desindustrialização) e Arcaísmo (Retransportização)
vou fazer algumas notas, não elaborarei, em forma de artigo, os pontos. busco em todos os escaninhos de minha mente as ideias que me levaram àquelas intuições originais espelhadas na retórica dos recursos alocados na Petrobrás comprometendo os recursos alocados nos restaurantes populares. a fome acabou. mas vive-se mal no Brasil. eu aposto que o experimento contrafactual de jogarmos a população num país de renda per capita seis ou sete vezes maior, trazermo-la de volta e oferecermos-lhe a possibilidade de escolher vai: .a. deixar a galera num país de renda per capita ligeiramente inferior à americana de hoje e .b. elevar ainda mais a auto-avaliação do grau de felicidade (campeã do mundo) do brasileiro. nunca esquecerei que, aos 19 anos de idade, ouvi o prof. Sarmento Barata dizer que "o brasileiro é tosco e bizarro". claro que depende de qual brasileiro. o filho de Jader ou o filho de José Antonio da Silva?

.a. a idolatria da industrialização é um pecado menor, pois é óbvio que indústria é bom. mas é pecado, pois não consegue ver que a indústria de material de transporte pode começar com automóveis (anos 1950s) ou com tratores (bem posterior). pode começar com ferrovias e apenas depois é que pode começar a forjar seus trilhos e produzir as locomotivas e vagões.

.b. para o transporte da carga nordestina ou sulista para Sampa ou para a Europa, não faz a menor diferença se os dormentes e trilhos da estrada de ferro são nacionais ou importados, tampouco sendo relevante a nascente geográfica da locomotiva

.c. o modelo de substituição de exportações não é mau, parece até óbvio; o que não é sensato é ter-se feito disto um cavalo de batalha, ter-se fechado a economia, protegendo a "indústria nacional", como se o automóvel nacional fosse nacional, como se o velho Gurgel tivesse a seu reboque as multinacionais americanas e alemãs. mas penso em substituição de importações na linha de deixarmos de comprar dormentes da Noruega e passarmos a produzi-los em algum lugar no Brasil. Amazônia? cuidar da floresta significa aproveitar suas riquezas. e as locomotivas? fazê-las no Brasil? por que não, se houvesse especialização, se houvesse deliberação, se não houvesse pressão de grupos de interesse hostis à educação.

.d. o que importa não é a origem do capital físico, mas seu uso, o que importa não é a produção mas o consumo. no caso, precisa-se formar capital, o que pode ser feito pela importação ou pela produção local. o ponto que estou discutindo é em que condições é necessária a existência de produção local. insisto no ponto de que, ao contrário do capital físico, o capital humano e social é que exibem maiores dificuldades de serem importados.

.e. para lidar com capital físico, de qualquer jeito, precisa-se de formação de capital humano (e social). capital humano sozinho forma capital físico (ver o modelo de Lewis), mas capital físico (nacional ou importado) é incapaz, sozinho, de formar capital humano. o que interessa saber é qual é o capítulo da economia política que permite quebrarmos a causa (o povo) da causa (o político) da causa (como gastar em educação, saúde, transporte de passageiros e carga, previdência, segurança, saneamento, habitação, escola, escola, escola, educação infantil e de adultos).

.f. voltando à produção, se houvesse demanda por consertos de tratores, de aviões agrícolas, de vagões graneleiros, criar-se-ia um setor de "serviços prestados às empresas" muito mais forte do que o brasileiro foi há 50 anos.

.g. grupos econômicos não estão centrados em 'indústrias', mas em projetos. o importante é haver flexibilidade no uso dos recursos, o que não pode ser deixado integralmente à conta do capital físico, pois quem realmente tem mobilidade física e mental é o capital humano. jamais esquecerei o exemplo dos agricultores de São Borja: podemos ser auto-suficientes em trigo de um ano para outro, basta acenarem-nos com os incentivos adequados a produzir tanto quanto o Brasil precisa.

.h. trigo nacional? por que a Embrapa não cria o tropical, como já criou a soja? agricultura nacional? nunca esquecendo que pode valer a pena a sociedade 'subornar' certos produtores para não produzirem.

.i. na linha da nota .g., insistir muito em 'indústria' é deixar-se enganar por um problema conceitual e de classificação estatística. a 'indústria', do jeito que aparece nas estatísticas, exibe um falso lado da oferta. na verdade, a classificação origina-se do produto que gera o maior faturamento da empresa. lã dá mais que couro? então é lã. o couro é que fatura mais? então a lã fica submergida dentro daquela empresa e mal-classificada. mais ainda: tênis de couro ou de borracha. são duas 'indústrias' diferentes (couro e calçado e produtos de matéria plástica), mas como é que vai classificar assim? o fato é que há dois produtos, o mercado reconhece dois. o do couro e o do prástico. em resumo, indústria não é mercado. proteger este falso lado da oferta é adivinhar excessivamente as intenções dos agentes econômicos.

.j. ou é colocar a finalidade do sistema (o consumo) como subserviente aos interesses dos produtores.

.k. o exemplo de que o grupo econômico não se centra no conceito formal ou estatístico de indústria encontra-se nas lições de Jack Welsh: a G.E. especializou-se em gerenciar pessoas e não reatores e turbinas. o velho Mandel, o velho Hymer, o velho Bowles e o velho Marx diriam que tá na cara: é do emprego da força de trabalho que nasce a mais-valia. por isto vivo falando do maravilhoso artigo de Tauille, que coloca no centro da acumulação de capital precisamente o setor financeiro.

.l. prochainement sur cet écran...

Terceira Parte: Desindustrialização e Deseducação
não parece óbvio que 'desindustrialização' é um neologismo e 'retransportização' seja um arcaísmo? o Brasil já teve uma rede de transportes ferroviários que sucumbiu à ignorância societária sobre a diferença entre custo privado e custo social. quanto cada família que perdeu um filho em um acidente de trânsito daria para reduzir o transporte rodoviário e ampliar o ferroviário?

ok, ok. e que tal 'deseducação'? na quinta-feira, dia 5/abr/2012, a p.18 de Zero Hora publicou o artigo "Desindustrialização e deseducação", de minha autoria, que tomo a liberdade de aqui transcrever, sem as ligeiras mudanças editoriais feitas por ela/ZH:

O capitalismo de estado chinês está assombrando o mundo. Beneficiando-se de uma taxa de câmbio predatória e um dumping social ainda mais criticável, não se pode falar em livre comércio. Ao contrário, estes dois fatores criam amargas condições de competitividade formando o novo e grande entreposto industrial planetário. No passado, observaram-se outros milagres de ganhos de produtividade na indústria mais afeitos às boas relações internacionais, emergindo do modelo japonês e se espraiando pela Ásia. Nestes casos, a economia brasileira viu ameaçada sua serenidade cambial, culminando, na atualidade, com grande perda de competitividade no setor secundário, simultânea a enormes ganhos na produtividade na produção agropecuária e mineração.

A vitalidade do setor primário tem recebido registros de otimismo, mas também de pessimismo. Os pessimistas presumem que o Brasil volta-se novamente a uma agricultura intensiva em recursos naturais. Os otimistas dizem que a nova agricultura de precisão nada tem a ver com os tempos da monocultura do café e que a soja tropical não é uma dádiva da natureza, mas do suor de laboratório. E alinham meia dúzia de outros produtos primários altamente competitivos, da carne bovina e de aves ao petróleo e minérios.

Com décadas de políticas enviesando os preços relativos a favor da indústria e com o mesmo câmbio que tem tirado os produtos industriais nacionais do combate, o primário devia ser visto como uma salvaguarda contribuindo para a tranqüilidade no mercado de divisas. Tal disparidade de adaptação às condições do mercado externo leva a se desconfiar dos próprios contornos da nova campanha de proteção ao setor industrial. Fechando-se a economia, todos os agentes pagam um preço mais elevado pelo carimbo do made in Brazil.

É plausível considerar que o Brasil está experimentando uma desindustrialização precisamente por ter sido vítima de uma industrialização precoce. Insistir no uso de recursos governamentais para promover a indústria significa discriminar não apenas o setor primário, mas principalmente os setores produtores de capital humano e social, como a educação, a saúde e tantos outros serviços. Por isto não é temerário dizer que o problema contemporâneo não é a desindustrialização, mas a já tradicional deseducação que grassa no Brasil desde o Descobrimento.

DdAB
p.s. de 12/abr/2012: ainda faltaram:
.a. fora a construção e os serviços industriais de utilidade pública
.b. as economias de escala e escopo
.c. a flexibilidade, isto é, a capacidade do sistema de adaptar-se a condições adversas (resiliência?).

3 comentários:

Anônimo disse...

Não vais disponibilizar o texto no seu sítio?!

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

oi, anônimo:
bem pensado. vou tentar, nos próximos dias. quando o fizer, anuncio lá em cima.
DdAB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...
Este comentário foi removido pelo autor.