querido blog:
A "Carta Capital" da próxima quarta-feira (n.694) tem um suplemento da Economist com "reportagem especial sobre Indústria e Inovação". O título geral fala em "Uma terceira revolução industrial", o que não se me faz entender 100%, pois eu pensara que a Terceira Revolução Industrial eclodira nos anos 1970, com a dupla biotecnologia e informática. E minha base é um agora velho artigo de Paulo Tigre, que resenha enorme bibliografia about.
Tem muita coisa interessante. A primeira, que já é uma realidade, é a impressão em 3D, que comentei amplamente aqui. na revista, o máximo é o depoimento do autor da matéria informando que ganhou de presente (feito na hora da visita) um martelo com cabo imitando madeira, tudo impresso na hora. É a hora da manufatura aditiva, como está traduzido na revista da família Carta. Vejamos algumas frases e alguns comentários:
.a. Conforme a matufatura se digitaliza, ela vai transformar-se até ficar irreconhecível
.b. Já foram feitas muitas pesquisas para mostrar que a manufatura é boa para a economia, mas nos últimos anos alguns economistas argumentaram que não há nada especial em fazer coisas e que a indústria de serviços pode ser tão produtiva e inovadora quanto. São pessoas e empresas, e não países, que desenham, fabricam e vendem produtos, e há bons e maus empregos tanto na manufatura quanto nos serviços. Mas, na média, os trabalhadores na manufatura realmente ganham mais [...].
.c. A manufatura responde por apenas perto de 11% do PIB americano, mas é responsável por 68% do gasto doméstico em pesquisa e desenvolvimento.
:: claro que isto não pode ser verdade: quem faz P&D não é a "transformação", mas os serviços. E é claro que a "fábrica" está cheia de serviços, como os de limpeza e os de contabilidade. Se o IBGE lá deles classifica tudo como "transformação" (e, óbvio, ele o faz), estamos frente a um erro de classificação e não de uma lei divina declaratória da importância do setor secundário.
.d. Apesar da rápida ascensão da China, os Estados Unidos continuam uma formidável potência fabril. Hoje, sua produção manufatureira em termos de dólares é aproximadamente a mesma da China, mas eles conseguem isso com apenas 10% da força de trabalho empregada pela China [...].
E olha esta:
.e. O chão das fábricas hoje costuma parecer deserto, enquanto os blocos de escritórios vizinhos estão repletos de projetistas, especialistas em TI, contabilistas, especialistas em logística, pessoal de marketing, gerentes de relacionamento com clientes, cozinheiros e faxeineiros, todos contribuindo de várias maneiras para a fábrica. E fora dos portões, muitas outras pessoas envolvidas em diferentes ocupações que ajudam a supri-la. A definição deemprego manufatureiro está ficando cada vez mais nebulosa.
Não falei?
.f. E alguns avanços na manufatura que estão sendo gestados vão reduzir ainda mais o número de pessoal necessário.
:: tá na cara que o que deve mudar é o entendimento do que é um emprego no século XXI e que a corrida pelos ganhos de produtividade não pode cessar por questões distributivas. O arranjo distributivo deve ter outro caráter, a fim de não impedir o crescimento ainda mais astronômico da produtividade do trabalho. Obviamente, mais trabalho significa menos lazer. E, claro, menos renda - o que é outra coisa - significa menos consumo. O novo arranjo distributivo deverá ser um mecanismo "renda básica universal", só que com um valor decente. Já falei que com R$ 1000 mensais para cada brasileiro em idade ativa vão-se menos de 40% do PIB.
.g. Na Universidade de Warwick, no Reino Unido, uma sala com telas gigantes de alta definição é usada como uma câmara de realidade virtual para simular produtos em desenvolvimento, como automóveis, em três dimensões. [...] As imagens geradas atualmente com o protótipo digital são tão boas que costumam ser usadas para produzir folhetos e anúncios de tevê antes mesmo que um carro novo seja fabricado [...].
Agora vem algo para fazer os neo-desenvolvimentistas patrícios pensarem no que é mesmo que estão querendo que o governo financie para uma indústria de maciça presença do capital estrangeiro:
.h. Alguns empreendimentos de uso intensivo de mão de obra agora estão se deslocando das regiões costeiras para o interior da China, onde os custos são menores, embora a infraestrutura não seja das melhores. Várias firmas, especialmente as que fazem roupas e calçados, fizeram as malas e s mudaram para Bangladesh, Camboja, Indonésia e Vietnã.
.i. [...] alguns empregos estão retornando para os países desenvolvidos. Com os custos dos salários chineses subindo, a melhora da produtividade nos Estados Unidos pode ajudar a mexer na balança, especialmente quando as empresas americanas estão investindo mais em automação. [...] A ideia agora está sendo estendida para a repatriação de instalações manufatureiras para os países ricos. Isto também evita que as empresas ponham todos os seus ovos na mesma cesta. Uma série de desastres naturais nos últimos anos mostrou que cadeias de fornecedores muito enxutas podem romper-se com muita facilidade.
:: Por aqui mora a importância do conceito de flexibilidade de um parque industrial. Lembro do exemplo dos triticultores de São Borja. Eles garantem que podem produzir a quantidade requerida de trigo, desde que bem pagos. Nâo paga a pena, não produzem.
.j. Os fabricantes de painéis solares estão encarando as dificuldades, muitas vezes perdendo dinheiro, em antecipação ao enorme mercado que surgirá quando os painéis solares alcançarem 'paridade de rede' - isto é, a capacidade de igualar os combustíveis fósseis no fornecimento para as redes naconais sem subsídios. [...] a China poderá alcançar a paridade de rede dentro de três ou quatro anos. [...] Painéis solares que possam custar entre 40 e 75 centavos por watt devem garantir a paridade de rede nos Estados Unidos.
:: digamos que sejam 10 (ou 20, o fato é que vai rolar). Parece que começa a chegar a hora de entender que os combustíveis fósseis estão com os dias contados, ou melhor, a importância estragética deles é que está maus. Claro que muitos brasileiros saúdam o Pré-Sal como possibilidade de afirmação do capitalismo de estado. E claro que estão enganados, pois valeria mais a pena que o governo produzisse redes de educação e não redes de abastecimento de automóveis. Ergo o Brasil deve acordar e pensar que as dádivas presentes (soja tropical e minério de ferro, além do petróleo) não são conquistas eternas. A solução é qualificar a população para produzir serviços e consumir bens e serviços.
.k. Mas a manufatura ainda vai precisar das pessoas, mesmo que não seja dentro das próprias fábricas. [...] Os robôs industriais estão ficando melhores na montagem, mas eles são caros e necessitam de especialistas humanos para configurá-los (que custam mais caro que os robôs).
:: ou seja, o serviço associado ao funcionamento do robô vale mais do que o produto do robô.
.l. Mas a próxima geração de robôs será diferente. Eles não apenas serão mais baratos e fáceis de configurar como vão trabalhar com as pessoas em vez de substituí-las. Eles vão buscar e carregar peças, segurar coisas, escolher instrumentos, ordenar itens, limpar e tornar-se úteis em uma infinidade de outras formas.
:: É evidente que vai chegar o dia em que a produtividade do trabalho serã tão intensa que um trabalhador comandará milhares de robôs como este. Ele mesmo, durante a maior parte de sua vida, e todos os colegas de quem ele "roubou o emprego", dedicar-se-á ao cultivo do corpo e do espírito, isto é, ao não-trabalho, isto é, ao lazer!
Sigo: Parece que a indústria está virando serviços. E o primeiro mandamento dos serviços qualificados é "education, education, education". Parece-me que o problema mesmo é que o capitalismo é divertido. Ele corre pelos ganhos crescentes de produtividade e os ganhos crescentes de produtividade são transmitidos aos trabalhadores, gerando menos subsunção real. Epa, epa, voltou-me o jargão, hehehe.
DdAB
Imagem daqui. Olhei bem olhadinho. É maravilhoso. A imagem parece Millôr, Kandinsky, Zé dos Anzois? sabe-se lá.
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