querido diário:
minha condição de duplo (leitor de Zero Hora e redator deste blog) permite-me volta e meia buscar inspiração para as postagens nas páginas do jornal. esta é minha intenção original: poder usar meu treinamento como economista para refletir sobre coisas do cotidiano. para não ser arbitrário sobre a definição de 'cotidiano', escolhi a agenda de um jornal, já que não tenho 'meu jornal'. e para ser arbitrário sobre os temas cotidianos (do blog), posto coisas bem menos escorreitas do que as permitidas pela ciência econômica.
hoje é um dia em que falo de 'economia política' e 'escritos', pois dou um pulo sobre a grafia das palavras, mas meu interesse mesmo é brincar com o que pode ser um erro de Zero Hora e evocar a inominável burrice que cerca os gramáticos oficiais, que mudam a ortografia nacional a cada semana. desde a mudança de 2009, desisti de aprender, entendendo que aos poucos meus olhos vão dar-me o treinamento que a sala de aula me nega. a única exceção é a palavra 'ideia', que assimilei a cassação do acento agudo. um progresso, realmente!
ok. sobre a crase, a p.33 do jornal tem uma manchete: "Morte em Canoas. Soldado reage à tentativa de assalto." falarei da crase. a chamada para a notícia, por curiosidade, é:
Ao parar o carro para deixar a mulher em frente a uma festa na noite de ontem, no centro de Canoas, um soldado do 15o. Batalhão de Polícia Militar (BPM) foi abordado por dois assaltantes. [...] Munido de uma arma particular, ele reagiu à abordagem e matou um dos bandidos."
parece óbvio que não sou favorável à pena de morte e nem estou sugerindo que o soldado 'condenou à morte' o assaltante abatido. o que quero dizer sobre a primeira crase é que ela -crase- dá a ideia de que as tentativas de assalto são tão frequentes em Canoas (e por tudo o mais) que estamos falando na tentativa número 15, ou 15 milhões, sabe-se lá. ou seja, o artigo definido dá caráter corriqueiro à prática de assaltos no Brasil. o assalto, como sabemos, proibe que nos dirijamos à vida brasileira como tendo lugar em uma 'sociedade justa'. no conceito de John Rawls, esta começa com 'cada indivíduo terá a maior liberdade compatível com a dos demais'. e parece evidente que ser assaltado impede que o cidadão exercite plenamente sua liberdade.
ok. e Berle e Means? conheci-os -Adolf Berle e Gardiner Means- no livro de economia industrial de Frederick M. Scherer, datado de 1970 e lido por mim em, digamos, 1977/78. naqueles tempos, havia mais furore quanto a sua contribuição. se a memória ajuda, eles são pioneiros na moldagem da disciplina (economia/organização industrial). originários do meio jurídico, eles começaram a individualizar o fenômeno da sociedade anônima na economia americana. ou seja, a inovação institucional (expressão que chegou a minha boca apenas 20 anos depois). ok: 10 anos...
e daí? daí que vi, ainda redigido na velha ortografia derrogada pela academia brasileira de letras em 2009. por idade, estava na antessala de uma sala de fisioterapia e chegou-se um homem de 35 anos de idade, acompanhando uma senhora de 34. ele fazia-se acompanhar do livro de Berle e Means publicado pela Editora Abril/Nova Cultural. aquele da coleção Os Economistas, encadernadinho, com o título em dourado. fiquei pensando: que fazer com minhas obras desta coleção? e da coleção de Machado de Assis em quatro volumes que adquiri em nov/2008? e 'O Pequeno Príncipe' que li em 1966 e cuja ortografia já mudou pelo menos duas vezes desde então? nem sei se, pela nova, que não li, a giboia come o príncipe. naqueles tempos, os acentos não o permitiam.
DdAB
imagem: belo site aqui. desigualdade? onde, onde? apenas na sociedade igualitária o vernáculo é modificado para acomodar tanto assalto.
p.s.: às 12h00min de 12/abr/2012, dei-me conta do ato falho. leia-se: apenas na sociedade desigualitária o vernáculo é modificado para acomodar tanto assalto.
p.s.s.: parece que os peésses sobre esta postagem entraram na moda. dei uma arrumadinha num 'hard-return' acima.
p.s.s.s.: falei em Berle e Means, pois li o livro caduco (na ortografia...) e, ao vê-lo, lembrei que tem um artigo na Revista Brasileira de Economia, intitulado "Berle e Means recorrem a Karl Marx". Djacir Menezes argumenta que esta ideia de sociedade anônima para favorecer a acumulação de capital está explícita em Marx. quer detalhes? o nome dele, Menezes, tá na Wikipedia, mas não cita seus artigos. quer ler o artigo? tem referência aqui. mas, grátis, acho que apenas na própria revista.
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