querido blog:
sigo com o assunto de ontem. quando fui aluno de Christopher Freeman, no início do ano de 1978, na Sussex University, falei-lhe algo sobre meu interesse em estimar funções de custos de longo prazo de frigoríficos such and such e disse-lhe saber que o tema era importante, mas não sabia muito bem o porquê. ele foi rápido na resposta: queremos saber isto. se há mesmo economias de escala, isto significa que o mundo inteiro está concentrando. eu apenas vim a dar significado pleno a esta afirmação dele ao ler o livro de Bowles, com aquele triplet lá dele, inserindo a generalização e abrangência do fenômeno das economias de escala que pode ser que o poder econômico esteja mesmo concentrando no planeta. este assunto é muito mais amplo do que posso imaginar, mas ainda assim, imagino que poderia gastar 365 postagens com ele.
naquele tempo de meus estudos da indústria de alimentos do Rio Grande do Sul, escrevi a dissertação de mestrado do PPGE/UFRGS (então simplesmente IEPE) sobre os frigoríficos de suínos, depois, escrevi a de M.A. em Sussex sobre oito "ramos" industriais, inclusive frigoríficos de bovinos e aves, trigo, leite e mais duas cujo nome foge-me como burro às vacinas... trabalhava com funções potência (CT = a x E^b, com CT sendo o custo total, a e b sendo parâmetros a estimar e E era a escala do estabelecimento, e não da empresa). claro que avancei além das curvas, como parece dizer o título de um blog e estudei o grau de economias de escala com a concentração (Freeman?) e a rentabilidade. naquele abraço (diria Gilberto Gil), também estudei a importância da economia sul-riograndense relativamente à brasileira.
um projeto de estudos que abandonei (nem digo que seria o projeto de tese de doutorado, que veio a rolar em tema absolutamente diverso) contemplava a redação de três artigos, tentando assimilar, digerir e frutificar os conhecimentos adquiridos durante aqueles anos (ou seja, já estamos falando de algo que se projetava por quase 10 anos). tentaria seguir do mais geral para o mais particular, iniciando com a visão ampla e chegando a esmiuçar aspectos cada vez mais específicos de uma realidade visualizável com um microscópio calibrado em três níveis. comecei com alimentos no Brasil e Rio Grande do Sul. seguiria com economias de escala globais e concluiria com uma investigação sobre a resposta dada pelo aumento do tamanho da empresa individual a algumas variáveis pertinentes.
ou seja, não estudaria as funções da empresa ou seções das plantas, mas a firma de uma ou múltiplas plantas no seu conjunto. sabia de antemão que não poderia falar que as dimensões de tamanho selecionadas (para definir a escala e calcular os índices de concentração) e representadas por itens de custo ou patrimônio fossem as únicas ou mesmo as mais importantes, mas apenas que seriam muito importantes. esta modéstia liminar, eu imaginava, poderia render-me a benevolência dos avaliadores do trabalho.
ao falar em funções e seções nunca pensei que iria estudar os rendimentos decrescentes do fator, a lei ricardiana, e suas implicações sobre a estagnação econômica e a correspondente queda na taxa de lucro. eu já entendera desse mundo empírico retratado na literatura que revisei nesses tempos e de meus próprios resultados que a regra é o retorno crescente à escala (longo prazo), não importando para isto o rendimento do fator (curto prazo). mas também depois vim a entender que só burro é que trabalha em rendimentos decrescentes do fator. ele pode não se dar conta, mas seu contador o fará, ao ver acumularem-se prejuízos. produzir caro e vender barato é a receita para a falência, como sabem unanimemente economistas da direita e da esquerda e todos os contadores e qualquer feirante.
ao contrário, espera-se que -pelo menos dentro de certos limites- quanto maior a firma, maior será sua eficiência global. mas se estudarmos funções e seções, pode ser que algumas atividades tenham retornos constantes ou mesmo decrescentes (duplicação elementar de seções, como as esteiras que vimos ilustrando a postagem de ontem) à escala (não mais estou falando de fator, não é?).
naquele tempo eu era invocado com aquelas legendas que hoje vejo claramente como reacionárias do tipo "pequeno é bonito" e "o negócio é ser pequeno". claro que ser pequeno é horrível, pois permite que os grandes concentrem o poder econômico e, com ele, o poder político. e aí tudo rola pela grande ladeira da restrição à liberdade humana. confrontando, ainda que timidamente, o saber de esquerda de meu tempo, eu queria saber mesmo era quão bonito seria ser grande, quão bonito seria ver as empresas percorrerem o caminho das economias de escala (generalizadas), da integração vertigal e da diversificação (que hoje são chamadas de economias de escopo). mas claro que havia em minha cabeça alguma teoria do crescimento, eu que já lera pilhas de Marx, de Edith Penrose, Galbraith e Bain e Sylos-Labini. e o raciocínio de que o que faz a empresa crescer é a disponibilidade interna de recursos, o que leva a buscarmos entender se há economias de escala generalizadas em seu uso. ou seja, se a firma tem vocação para crescer. na linha do que, anos depois, Jack Welsh (da destruição de empregos da General Electrir) diria: nosso negócio é gerenciar pessoas. parece, depois de dito, óbvio. gerenciando pessoas é que se gerenciam as máquinas, os elevadores, as empacotadoras, os livros de contabilidade.
nos tempos modernos, a desintegração vertical tornou-se muito importante, a G.E. dando o exemplo, ao que me parece. mas eu não diria que as empresas se "desintegraram" e sim que mudaram de foco, pois hoje são muito maiores do que as de 20 anos atrás. muitas quebraram (o que foi capturado por George J. Stigler, com o que chamava de "método do sobrevivente": se quem sobreviveu é grande, então é porque o tamanho grande é que é ótimo). e, se jogarmos na parada também a conexão financeira de que falei ontem -a empresa industrial virou banco-, então volta a ser fácil prognosticarmos que -quanto maiores forem as economias de escala globais- maior será a integração vertical (no caso, para as finanças). a terceirização não é um fenômeno que conduz à desconcentração. ao contrário, ela deve favorecer a organização de novas unidades de capital que deverão seguir este caminho conhecido: cresce, diversifica, cresce, diversifica.
a verdade verídica é um verdadeiro breve a ser portado -devidamente benzido- contra o otimismo exagerado sobre a desverticalização: quanto maiores as economias globais de escala (isto é, definindo subsidiariamente, as derivadas do tamanho, do escopo, da integração vertical e da diversificação), maior será o volume de funções assumidas, inclusive as de gerenciamento financeiro detalhado e crescente. a integração vertical, como sabemos, diz respeito à questão "make or buy", de merecida fama a partir dos anos 1990s com a consagração adicional de Ronald Coase e, no caso, o artigo lá da metade final dos anos 1930s.
com efeito, haverá certa discricionaridade no que internalizar. há certas funções mais atraentes do que outras. digamos que a limpeza possa ser comprada de outra firma, as não é sensato, a partir de determinado tamanho, comprar serviços da escrita contábil, da contabilidade de custos, ainda que possa-se comprar novamente a auditoria contábil, essas coisas. transportes internos também é difícil imaginarmos que hoje em dia possam ser comprados. hoje vemos a segurança intensamente desintegrada, e muitas outras. mas a questão make-or-buy será sempre uma questão de momento.
quem direcionou tudo isto? obviamente, a compreensão de que o objetivo da empresa é maximizar lucro no longo prazo e, para fazê-lo, precisará maximizar as vendas no curto prazo. e, como parece ter sido o William Baumol a sacar, maximizar vendas sujeito à restrição de um lucro aceitável. fiz mistureba geral, pois nem todos os citados diriam tudo o que eu disse ou aprendi ao lê-los. e, se este troço todo aqui der cadeia, que seja para os políticos.
DdAB
tirei a imagem daqui. em homenagem à coragem da presidente Dilma que botou na roda a questão dos direitos humanos na China. e, claro, o blim-blim-blim que também é severo por lá é o trabalho infantil e o trabalho escravo. na foto de hoje (daqui), fiquei pensando: quem é aquela macacada que fica vendo o espancamento do carinha "do tronco" pelo "descamisado" e não se revolta? e respondi: a mesma que viu hoje de manhã, em plena chuvarada, um papeleiro mal-abrigado contra as intempéries, exercendo o papel de semovente. bem no tempo em que o prefeito de Porto Alegre (mister José Fortunatti) quer criar a secretaria dos direitos do animal, com 18 cargos em comissão.
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