voltei, espero, ao mundo em que sou devotado ao cálculo de matrizes, a transformar matrizes em matrizes e -raras vezes- matrizes em números. quando o faço, muitas vezes, chamo o resultado de produto interno bruto...erguerei mais um capítulo do estudo da reprimarização na economia brasileira. enquanto isto, decidi lançar algumas reflexões ao significado da expresssão "mancha de volume".
com a precisão de dois dígitos, ela se encontra na p.136 de "Torvelinho dia e noite", de José J. Veiga, livro de São Paulo, da Difel, de 1986 (segunda edição; a primeira não sei, mas aprendi que o autor nasceu em 1915, ou seja, há 96 anos). diz lá ele:
Ele [o Nequinho, o frango {de pescoço pelado} que fora capturado por um gavião, que o soltou em pleno voo, respondendo a uma comoção vinda de fora] estava lá [num jirau de lajes que ela {D. Angélica, esposa do 'gumer'Cindo, mãe de Nilo e Aldair e irmã de Mariana} usava para deixar vasilhas de cozinha enxugando ao sol] como num pedestal, o pescoço esticado orgulhosamente, a crista muito vermelha contrastando com a pele amarela do pescoço, as penas fulgurando ao sol. Ao vê-lo assim belo e senhorial ela teve a impresssão de que uma radiação vinda de dentro o envolvia e se prolongava além das penas, formando uma aura, e sentiu um arrepio em todo o corpo, não de medo, mas deseslumbramento, arrepio que a fez fechar os olhos em êxtase. Teria ela se deixado influenciar pela suposta descoberta de Mariana? Quando abriu os olhos, o frango não estava mais no jirau, mas por algum tempo ainda a mancha do volume dele permaneceu lá. Que estranho! Estaria ele querendo mesmo dizer alguma coisa? Ou já dissera?
momentos antes de ler este trecho da p.136, eu pensava na frase de Hobbes (E a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta). detive-me neste "curta", que o 'solitária, pobre, sórdida e embrutecida' são atributos/conceptualizações humanas). conviver com um vulcão, um maremoto ou um raio são contingências de uma civilização que está mais próxima da barbárie do que eu de Jaguari, ou ambos das estrelas. e do que há além delas. até me dá vontade de comê-las. elas são velas e levarei anos para no além vê-las, não era isto, Mautner e Iracema? mas aí pensei na progressão
:: 2 : 4 : 8 : 16
claro que tudo pode acabar, é uma possibilidade lógica que não temos -e talvez nem tenhamos- de avaliar empiricamente (ainda bem). e claro que tudo pode ter sempre existido e ser garantido (por liminar e futura axiomatização) que existirá para sempre, que tudo se transformará, que haverã cantões sedentários que talvez não se transformem, ou que se transformem, do mesmo jeito. como os jacarés que não têm pescoço, mas mantêm-se como entes voadores. eu aceito, provisoriamente, que tudo existirá para sempre, mudando de forma, expressando novos conteúdos, mas não esquecendo -cultivando- os conteúdos antigos, da canção, da partitura, do compositor, de seus pais e avós. dos átomos que se concentraram para formar o Sol, da mutação que transformou uma molécula discreta em molécula que se autorreproduz/iu. em outras palavras, aceito que tudo o que está no Universo U* já nasceu nele e nele ficará, não pode sair dele, não pode ser destruído nem pode ser exportado. um sistema fechado, porque completa e infinitamente aberto.
supondo, assim, que "tudo" não vai acabar nunca, que nos resta? Nunca? "nunca" é muito tempo. mas o próprio tempo é relativo, é previsivelmente finito, pelo menos o da equação E(m, d, t). do mesmo jeito, "tudo" é muito grande e devemo-nos conformar com isto. nunca chegaremos ao final de tudo e o "tudo" não vai acabar nunca. quem, aparentemente, chegará ao final serão o tempo e os terremotos, a matéria e os raios. a salvação? a aura, a aura do Nequinho.
é este tipo de consideração que me sensibilizou tanto para estudar o equilíbrio geral do sistema, a teoria da unificação da ciência e -agora- começar a estudar o panteísmo, já que especular sobre ele decorre do pragmatismo rortiano. estudar o ponto que rege nossa capacidade de observar todos os demais pontos e -o que é mais sublime- nosso próprio desenvolvimento. parece que, se há mesmo barbárie em seguirmos sucumbindo à força das águas e às picadas de cobra, também haverá limitações apenas contingentes em nossa condição quanto à resistência ao final dos tempos. uma cápsula (e não é apenas isto o que podemos definir como 'universo conhecido'?) pode levar-nos a sair do tempo, evadir-nos desta condição de finitude, de mortalidade, de contingência. haverá em nós algo do necessário universal que podemos tornar menos fugaz do que o próprio hidrogênio. fugir do tempo como o Nequinho evadiu-se do jirau.
evadiu-se? não, não, não. foi libertado pelo Luizinho, que acertou o gavião com um tiro de flobér (quem tá desconfiando pode conferir na p.7). e se não tivesse força estranha? e se não tivesse tunelagem? aí eu não sei, mas acho que podemos considerar que é mais provável ter do que não ter, que é mais provável que este troço todo tenha sempre existido, que o tempo terá sido criado e recriado (não no sentido de eterno retorno, mas em algum outro em que o acaso de Cirne-Lima e sua contingência desempenhem um papel mais relevante do que o concordino determinismo universal).
DdAB
p.s.: nada achei com "mancha de volume", mas com "mancha" e "volume" caí no Don Quijote: foi acaso ou necessidade. acaso foi que, ao escrever 'mancha', saiu-me 'msancha', que traduzirei como madame Sancha, a tia de um amigo astrólogo. conferir.
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