23 agosto, 2022

Ressentimento e as Eleições de Outubro

(imagem da escola João Batista de Almeida)

Maria Rita Kehl, uma brilhante intelectual brasileira, deu uma longa entrevista ao caderno DOC do jornal Zero Hora (edição de sábado e domingo, 2 e 3 de julho/2022, páginas 2-4). Já sabemos que leio e às vezes a intitulo de Zerro Herra precisamente por erros grosseiros neste e naquele aspecto e um indisfarçável toque de reacionarismo, o que faz que aquele "leio" ali do começo da frase seja um tanto exagerado. Muito provavelmente leio talvez um terço do que é publicado ou talvez até menos. Por exemplo, como poderia eu ler, nesse mesmo caderno DOC, os pontos de vista de Eugênio Esber (who?) ou Leandro Karnal (him!)? 

Maria Rita Kehl, eu dizia. Ressentimento é a palavra-chave de metade da entrevista. Em 2004, ela lançara e eu comprara e lera em diagonal profunda

KEHL, Maria Rita (2004) Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Primeira providência: olhar o verbete no dicio.com.br:

Significado de Ressentimento substantivo masculino Ação ou efeito de ressentir; em que há mágoa, angústia ou rancor. Angústia ou mágoa ocasionada por uma ofensa, por uma desfeita, por um mal causado por uma outra pessoa; rancor: o rancoroso sempre carrega consigo seus ressentimentos.

Recolho trechos da entrevista sobre o tema, pois o considero altamente iluminado, ajudando-nos a entender taras de gente como Donald Trump, Vladimir Putin e Jair Bolsonaro e, o que é mais chocante, seus admiradores. O texto vai todo com fundo azul, mas também contempla algumas passagens de minha autoria/redação misturadas com as reflexões da própria Maria Rita:

Ressentimento: afeto, é um sofrimento mental e se liga ao atual cenário da política brasileira. Quem não consegue esquecer ou perdoar uma ofensa? Aquele que não reagiu à altura quando ela ocorreu. Então fica remoendo e depois ressentindo a mesma mágoa, a mesma ofensa.

O ressentimento se origina de uma pretensão de pureza moral que impede o sujeito de reagir. E uma reação possível é o desprezo. Isto difere do caminho da agressão física ou psicológica que se confunde com brutalidade.

A dificuldade que o sujeito ressentido encontra para perdoar a ofensa é diversa da busca por justiça. Na verdade, o ressentimento é um afeto que resulta da/s ação/s do próprio sujeito que o prejudicaram, mas ele não quer admitir, interesse ou covardia, que se deixou prejudicar. Ele re-sente, não querendo superar a mágoa: 'nunca vou esquecer o que me fizeram...' O sujeito se ressente para não se arrepender da ação ou omissão, por covardia ou interesse escuso. 

Na democracia, o pressuposto da igualdade de direitos que raramente se realizam, os excluídos lutam para conquistar direitos ou, quando se acomodam, tendem a se ressentir, que é uma forma neurótica do arrependimento. A revolta é ativa, combatendo a opressão, ao passo que o ressentimento é passivo. Sustento a hipótese de que os antipetistas, os que odiavam Dilma e comemoravam o impeachment, os que acreditaram na Lava-Jato e votaram em Bolsonaro, acreditando que ele representa o oposto de tudo o que aí está. E também os que anseiam pela volta dos militares. Parte desse grupo votou em 2018 em Bolsonaro por representar sem ressentimento, inclusive elogiando o torturador de Dilma.

Estamos em campanha eleitoral. Na próxima sexta-feira, começa a propaganda no rádio e TV. Claro que, dado que  retirei as candidaturas de Tatiana Roque, Renato Janine Ribeiro e Sílvio Almeida precisamente para enturmar na candidatura de Lula, agora torna-se claro que espero que, com ele, aquela turma ressentida persigne-se ante "um valor mais alto que se alevanta" e mudem o voto. E que os indecisos deixem vejam nesta argumentação o sinal para cair do lado certo, da esquerda igualitarista, da esquerda que promete fazer reforma tributária progressiva e reforma administrativa (especialmente no funcionalismo público).

DdAB

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