07 setembro, 2022

Clarissa de 1933 e as Eleições de 2022


No tresontonte (dia 5/set/22), fiz uma postagem falando em Clarissa, ou melhor, em "Clarissa", o primeiro romance de Érico Veríssimo publicado em 1933. E hoje faço outra... Daquele TOC que me impele a fazer leituras de Érico a partir do outono, livrei-me, pois este ano estou iniciando a fazê-las beirando a primavera... E me sinto feliz ao inserir esta leitura no meio de dois ou três outros livros. Cada um deles tem seus momentos de minha predileção locacional (cama, sala, banheiro...).

Neste momento pré-eleitoral, achei uma jura que deve levar-nos a pensar em que tipo de Brasil queremos não apenas para o dia dos 200 anos da independência, mas especialmente qual a herança que queremos deixar e a que deixaremos para as gerações futuras. Nos 150 anos, fez-se um daqueles hinos civis de louvor à ditadura militar: "o Brasil faz coisas que ninguém imagina que faz". Se naquele tempo eu não imaginava, hoje tenho bem claro: 50 anos e o traço básico da desigualdade, do viés na oferta de oportunidades, segue perfeitamente igual. Houve melhorias, é certo, e muitas delas não duram 10 anos e já vem novo retrocesso.

"Clarissa" é um romance romântico, mas também tem suas pegadas de filosofia política. Vejamos uma, residente nas páginas 91-92. Dona Eufrasina (a.k.a. Zina), tia de Clarissa leva a garota à missa. Na saída, o autor inicia o assunto que com uma espécie de discurso indireto livre:

Moleques apregoam os diários. Clarissa acha graça nos vendedores de jornais. Têm uma voz grossa, rouca, disforme, parecem todos papudos, pescoços descomunais, de veias dilatadas. E como pronunciam o nome dos jornais que vendem! Dizem as palavras pela metade. Gritam:

-rrê... dia... amanhã!

Ou

-Corrê-m'nhã!

-Tia Zina, que engraçados esses guris que vendem jornais!

D. Zina encolhe os ombros:

-Não vejo nada de engraçado. São uns pobres diabos que desde pequenos andam lutando pela vida. Não são como outros que conheço que não fazem nada por achar trabalho.

Clarissa sorri.

Isto é com o tio Couto - pensa. -Também acho, coitado, não tem culpa. Não trabalha porque não acha emprego.

Não deixa de ser a expressão de visões (d. Zina e Clarissa) que se complementam: não tem emprego para todos, nunca teve. Nem haverá!

-Não haverá?, indaga o Planeta23.

Depende. Depende da entrada do país no modo igualitarista de funcionar. Sendo a variável chave do igualitarismo precisamente o emprego, monta-se um círculo virtuoso: o emprego de policiais para prender os políticos agatunados requer infra-estrutura: cadeia, manutenção dos prédios, restaurante, lavanderia. A manutenção dos prédios requer gente, talvez casada, com filhos. Os filhos vão estudar clarinete, além da escola tradicional. A professora terá filhos que poderão usufruir de uma visitinha ao Beto Carreiro. O vendedor de cachorro-quente do Beto mandará o filho à escola, à aula de violino, e por aí vai.

A maneira de se construir uma sociedade igualitária é escolher governos social-democratas, que o neoliberalismo já mostrou que nem se preocupa com a desigualdade,tampouco -menos ainda- querendo a igualdade. Isto implica logicamente que no dia 2 de outubro não temos alternativa a não ser votar em Lula-13.

DdAB

A imagem é, pelo que me consta, da cantora Clarissa. E nada mais sei. Ia escolher a Clarissa Garotinho, mas -bem devia suspeitar- é candidata pela União Brasil a algum cargo pelo estado do Rio de Janeiro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Para mim o maior problema é não ter alternativa.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Para mim, também, Anônimo.Até 31 de dezembro do ano findo, eu tinha três candidat@s à presidência da república: Tatiana Roque, Sílvio Luis de Almenda e Renato Janine Ribeiro. Não tendo comovido a moçada à aceitação de algum deles, converti-me à candidatura de Lula, por vê-lo com maiores chances de vencer Bolsonaro. Outro bom motivo é que, se o próprio Bolsonaro vencesse, não saberíamos garantir que ahaveria novas eleições.
DdAB