16 setembro, 2022

Further Farther from Clarissa: Música ao Longe



Alta probabilidade que aquele "further farther" deve estar errado, mas a língua inglesa está mesmo precisando de renovação desde, pelo menos, o passamento da Rainha Elisabeth II. O assombroso noticiário que sucedeu-a na finalidade de sua vida comoveu-me e voltei a lembrar de áureos tempos vividos na Inglaterra, Reino Unido. Beatles e Rolling Stones, e nem precisava mais, mas veio mais um monte da turma eterna do roquenrou. 

A Rainha Elisabeth não tinha nem mesmo 40 anos de reinado quando fui para Oxford estudar economia política do desenvolvimento (epa!, título do livro de Paul Baran) com o finado Andrew Glyn. E se algo de majestoso aprendi com ele foi que a variável chave do igualitarismo é o emprego, naquele círculo de virtudes descritas pela matriz de emprego derivada da matriz inversa de Leontief. Tem pilhas de postagens neste planeta (o 23, claro) explicando essa viagem L = d x B. L é um vetor em que cada elemento contém o emprego direto e indireto para a produção de determinada mercadoria, d é uma matriz diagonal cujo elemento característico é a razão entre a produção do setor de que tratamos e o valor que ele produz. Finalmente B é a afamada matriz inversa de Leontief na qual cada elemento mostra os requisitos diretos e indiretos apropriados por por nosso setor para a produção de nossa mercadoria.

Não quero falar nisso, porém, mas falar em mais um traço formidável de meu intelectual de esquerda preferido. Quem conhece/u Glyn e seu magistério em Oxford, sabe que, pelo menos uma vez por ano, ele ditava lições de HPE - história do pensamento econômico. Um dia, em plena sala de aula do prédio da Faculdade de Estudos Sociais da George St., entrou na roda o nome do também notável economista britânico William Petty. Alguém indagou se ele já havia lido Petty e ele disse algo assim: "gosto de ler antigos economistas para tentar entender no que aquela turma pensava". 

Na linha do budismo, aquela sentença, para mim, foi uma revelação! A gente lê outras obras de outras pessoas e começa a se indagar como foi que el@ disse exatamente aquilo, o que @ levou a dizê-lo.

Agora, que já li em minha leitura de outono deslocado "Clarissa", passei de imediato a ler "Música ao Longe" na edição da Companhia das Letras, com um prefácio do próprio Érico que joga essa obra no rodapé de suas conquistas literárias. Mas não esmoreci. Sigo lendo e lerei até o fim. Talvez pulando as reflexões em itálico feitas pela normalista Clarissa (o cara não sossega e, no "O Tempo e o Vento" tem as confissões de Sylvia, também em itálico que, volta e meia, nas releituras, vou pulando).

No final da página 30, in fine, Clarissa entra na "sala de estar do casarão dos Albuquerques" (Ver nota 1). Ela pensa:

   Ali estão as grandes poltronas vazias, com florões e grinaldas em relevo; a mesa pesada e longa de jacarandá com a sua coberta de veludo escuro, o consolo de mármore branco estriado de  azul, sobre o qual branqueia uma estatueta de d. Pedro II. No centro da parece, o grande espelho oblongo - lago morto refletindo uma paisagem morta.

Nesse ponto, flagrei-me pensando: "Então era isso que Andrew queria dizer sobre entender como que aqueles ancestrais profissionais pensavam". E segui: "Esse é o mundo criado por Érico. E mesmo que aquela sala de jantar tenha sido a sua em Cruz Alta ou na casa de Petrópolis de Porto Alegre, ou em suas duas ou três ou nove moradas nos Estados Unidos, ou em algum outro canto do universo e não fruto exclusivo da imaginação, parece-me lindamente ilustrativo. Tem muito detalhe, tem muita empatia crítica. Foi aí onde viajei.

E não pude me furtar de pensar: "paisagem morta?" Só se Lula não vencer Bolsonaro nas urnas.

DdAB

Nota (1) Nos tempos antigos, talvez há mais de 50 anos, lendo tudo o que pude de Érico Veríssimo, invoquei-me com esse tipo de construção: os Albuquerques, os Avilas, os Bernis, e por aí vai. Mas um dia me dei conta de que o adjetivo concorda com o substantivo. Ergo, se o adjetivo está no plural, quem o está regendo é precisamente um substantivo no plural. E assim guardei até hoje, quando essa regra de concordância nominal é quebrada por todo mundo, inclusive por mim.

P.S. A imagem é daqui.

Nenhum comentário: