05 janeiro, 2015

Esquerda Caviar. Ou era Pão e Rosas?


Querido diário:

Vemos em minha lapela há muito tempo o link do site Vento Sueste (aqui), de Portugal. E volta e meia vejo-o e acompanho as reflexões locais e as importadas. Hoje importo a que deu título a minha postagem (aqui) e logo aqui depois destes dois pontos:

Vento Sueste

Wednesday, December 31, 2014


Esquerda caviar?

Uma passagem de "Um Piano nas Barricadas: Autonomia operária (1973-1979)", de Marcello Tarì:
Em Milão os colectivos autónomos começam a mover-se num terreno mais ofensivo no que toca às auto-reduções e a levar a cabo expropriações nos supermercados.

A história dos exproprios milaneses – a partir do que ocorreu nos supermercados de Quarto Oggiaro e da Via Padova em 1974 – é magistralmente evocada emInsurrezione, o romance auto-biográfico de Paolo Pozzi, à época chefe de redacção de “Rosso”, que, para além da narrativa divertida, permite também apreciar os seus aspectos “técnicos”: enquanto a maioria dos expropriadores roubava as mercadorias, um grupo ocupava-se a cortar a linha telefónica da loja e outro permanecia do lado de fora, armado comcocktails molotov para o caso de se aproximarem viaturas da polícia e de ser necessário cobrir a saída dos companheiros (Paolo Pozzi, Insurrezione, DeriveApprodi, Roma, 2007). Mas a autonomia não roubava apenas massa, carne e azeite, como pretendiam os marxistas-leninistas, mas também whisky, caviar, salmão e todas as mercadorias de luxo que, segundo uma moral partilhada também pelos grupos, não faziam ou não deveriam fazer parte da vida proletária. Os exproprios, a “reapropriação” no sentido praticado pelos autónomos, não eram simplesmente acções de alto significado político-social, aludiam a uma riqueza finalmente partilhada, a uma necessidade que era destruída na satisfação de um desejo, a um tomar pela força parte daquela outra força que o capital te roubava cada dia; e à noite, depois da expropriação, fazia-se a festa partilhando o caviar e o champanhe francês: apropriavam-se as mercadorias para aniquilar o seu maléfico poder simbólico.
Que digo eu? Nem sei bem tudo, nem lembrarei de tudo. Nem sei onde foi a primeira vez que aprendi sobre "Esquerda Caviar". Mas posso evocar escritos (jornal ou blog) de Rosana Pinheiro-Machado (aqui). Parece haver gente que acha não apenas que pobre não tem direito de viajar de avião, mas principalmente que não tem direito a qualquer diversão decente (uso o adjetivo para eliminar as novelas da TV), como é o caso do caviar, do whisky, do pão italiano ou das rosas de Caymmi.

E eu achava que houvera ouvido (!!!) Woody Guthrie cantar um certo "Bread and Roses". Olhei onde pude e nada achei, mas -na busca- achei o site daqui, juntando o movimento atual e o centenário do "iconic trobadour". Então, se não ouvi o Woody Guthrie, quem terei ouvido? Carole King? Hilary Clinton? Achei Judy Collins aqui. E também, para escutar, aqui, que não sei quanto tempo durará grátis. No capitalismo, tudo vira mercadoria. Por que, então, as canções de esquerda não o fariam?

Pois bem, é 2015, ainda não estou bem acostumado com a ideia. E nem sei se errarei o primeiro cheque, este arcaísmo bancário. O que sei é registrar minha preocupação com a desigualdade Costumo jurar que é certo que, na sociedade igualitária, tudo dará certo. E, para nela chegar, faz-se necessário apenas obter maioria parlamentar, criar um governo mundial decente e mandar ver com gastos regressivos e impostos progressivos. É muita social-democracia, mas juro que funciona.

E por que isto não acontecerá? Porque, no capitalismo, tudo vira mercadoria, inclusive a honra, como volta e meia escrevo por aqui, como é o caso daqui. A falsa consciência, o complô da imprensa. As ilusões de meus irmãos, a alienação. Meu próprio coração e minha própria alienação.

DdAB
P.S. Esquerda caviar? E que dizer de "esquerda festiva", "porra-louca" e "inocentes úteis"?
P.S.S. às 18h30min, ligou-me um velho amigo e leitor do blog e disse poder provar que eu ouvi este hino cantado por Joan Baez pelo menos em 1972.

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