11 maio, 2014

A Ficção da Impressão em 3D


Querido diário:

Claro que havia muita gente querendo escrever a história de Severino e Severiana. Alguns anais dos primórdios da inteligência artificial do Terceiro Planeta de Sol registravam a saída de seus bisavós da órbita planetária havia muito, muito muito tempo. Naquele ano de 1248163264, ou seja, um bom milhão e quarto de anos desde que casaram, Severino e Severiana estavam comemorando a impressão da quarta nave a ser tripulada por grupos dos descendentes daqueles migrantes iniciais que decidiram desgarrar-se. Mesmo naqueles tempos de relativa bonança sideral, imprimir uma nave não era tarefa muito fácil, pois a variedade de materiais necessários para usar as melhores tecnologias disponíveis era realmente estonteante. Produzi-los todos em laboratório tomava recursos da própria nave que podiam ser aplicados em outras finalidades, como a preservação e expansão de seu jardim zoológico ou a produção de mais androides a serem incumbidos das mais diversas tarefas e, principalmente, a de comandar todas as demais máquinas, com todo o planejamento de roteiro dos próximos 100 mil anos.

Com aqueles três antecedentes, as tarefas da impressão praticamente começavam a virar rotina: aproximar-se de grandes planetas, lançar sondas tripuladas por androides, despender um ou dois anos analisando os resultados criados pelos programas mais modernos, criar naves de exploração comercial, culminando com a festa de despedida dos, em geral, nubentes. Mas havia dezenas de outras boas razões para outros moradores da nave também tomarem o rumo da aventura espacial, Bina e Dino entre eles. Diziam estes querer trilhar a mesma trajetória de seus antepassados terráqueos com a produção massificada de automóveis com motor a explosão, aproximando-se daquela galáxia também moribunda que abrigou o surgimento daquele tipo de vida, bastante inflexível e, como tal, bastante limitada, se me permito dizê-lo.

Um museu de automóveis com alguns hologramas e muita reprodução convencional de três dimensões, associando-se a um jardim zoológico de milhares de espécimes de vertebrados e invertebrados era um presente dado pelos acompanhantes - liderados por Bina e Dino - às dezenas de recém casados que se associavam à aventura. Falava-se, brincalhonamente, em povoar o espaço, em preencher com descendentes dos humáquinas. Estes, depois de terem abandonado as formas físicas de seus antepassados humanos, decidiram voltar a elas por diletantismo, mais do que por necessidade. Muita discussão estas transformações geravam, todos os envolvidos (e nem todos se envolviam) chamavam os antagonistas de conservadores. Uns diziam que conservador era quem queria imitar os ambientes terráqueos e outros diziam que nada mais poderia ser tão conservador quanto imitar as próprias formas físicas de seres extintos há bilhões de anos.

Todos eram felizes a seu jeito e a controvérsia em geral se resolvia com soluções abrangentes: a maioria usava a forma dos humáquinas, ao passo que praticamente todos frequentavam os ambientes de lazer, como o zoológico, o aquário, as quadras de prática de esportes, inclusive o hipismo, pois todos viviam ciclos circadianos das 24 horas evocativas do Terceiro Planeta de Sol. Convidado por Marina, Marino aceitou o desafio para uma rodada de partidas de squash.

DdAB
p.s. um garçom muito querido indagou-me de onde tirei aquela imagem. como não fui capaz de responder, menti-lhe que poderia ser entendida como uma foto da nave que abrigava aquela grande população futurista. e ele voltou a indagar que aquilo parecia um golfinho em pleno mar azul. e eu voltei a mentir que era ar condensado pelo calorzinho que exalava da nave.

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