24 maio, 2014

O Melhor Amigo do Amigo do Cão


Querido diário:

Faço reflexões caninas. Começo com uma piadinha: dizem que o cão é o melhor amigo do homem, ao passo que o melhor amigo do cão é outro cachorro. Para aqueles que dizem que o lobo é o lobo do homem, este pensamento é um achado. Felizmente, vinculei-me para sempre àqueles experimentos de laboratório que sustentam que dois terços da população é altruísta e apenas um terço parte para o egoísmo...

Cão e cachorro: quem é depreciativo? Aqui postei sobre o livro El hombre que amava a los perros, do cubano Leonardo Padura. Suas traduções brasileira (o homem que amava os cachorros) e portuguesa (o homem que gostava de cães) mostra o mal-entendido. Afinal, quem seria depreciativo, o cão ou o cachorro? Parece que nenhum, ao passo que a própria palavra cachorro tem dois significados:

.a. benévolo: este amigo me é fiel como um cão.

.b. malévolo: este sem-vergonha é um cachorro.

Pois não contente com estas filosofias, dei uma lida, dias atrás, no velho S. Bernardo (1934, após Caetés e antes de Angústia) do velho Graciliano Ramos. Paulo Honório já está totalmente aclimatado à fazenda S. Bernardo, mas com uma relação pontiaguda com o vizinho Mendonça (que viria, na página 40 desta edição Record, a receber "um tiro na costela mindinha e bateu as botas ali mesmo na estrada, perto de Bom-Sucesso." Paulo Honório estava a defender-se de sina assemelhada, que vemos anunciar-se na mesma página 40:

Quando ia terminando [estudos no Aprendizado Agrícola da Satiba] ouvi pisadas em redor da casa. Levantei-me e olhei pela fresta. Lá estava um tipo dando estalos com os dedos, enganando o Tubarão [como sabemos, no Nordeste, cachorro deve ter nome de peixe para não ser picado por cobras, e na Vidas Secas temos a Baleia...]. Reparando, julguei reconhecer o freguês carrancudo que tinha entrado na sala do Mendonça. Abandonei a espreita e chamei Casimiro Lopes, que me substituiu. Deitei-me pensando em mestre Caetano e na pedreira. Marretas, alavancas, aço para broca, pólvora, estopim.
-Gente de lá, murmurou Casimiro Lopes balançando o punho da rede.
-Com certeza.

Ao ler esta passagem, voltou-me ao pensamento outra, assemelhada, de Adolfo Bioy Casares, nas Historias Fantásticas, página 66 (edição La Nación de 2005), num conto de arrepiar, em que cães tornam-se vigilantes de uma casa onde acontecem cenas de arrepiar:

La noche estaba oscura: por más que anduve no lo encontré [a Oribe]. No tengo miedo a los perros; en casa, quando era chico, siempre había algún perro, y sé tratarlos.

Com isto, lembrei-me que eu também sabia tratá-los, mas esqueci e hoje, portanto, lhes tenho medo. Como também ao ciumentão Paulo Honório e, de quebra, aos próprios contos fantásticos.

DdAB
Imagem aqui.

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